Roberto de Carvalho redescobre vida sem Rita Lee: 'Antidepressivo; terapia'
Rita Lee partiu em 2023, vítima de câncer de pulmão, mas segue presente não só na obra que deixou de herança para os fãs, como também nos materiais inéditos que continuam sendo lançados, pouco a pouco, pela família Lee de Carvalho, na figura de Roberto de Carvalho, seu parceiro na vida e na música.
Com um livro de memórias em andamento e dois documentários sobre Rita engatilhados, Roberto de Carvalho não tem planos de voltar ativamente ao palco, apesar das participações que tem feito no show dos Titãs, onde o filho Beto toca. "Estou vivendo uma fase difícil. Estou vendo como é a vida para essa pessoa que sou eu hoje em dia. Essa pessoa que tem que se acostumar a conviver com a presença inpresente de Rita."
É um processo e, dentro desse processo, vou muito organicamente observando as coisas, me observando, fazendo terapia para caramba, antidepressivo e é muito assim, são muitos altos e baixos. Então, não é uma hora que seja adequada para eu fazer planejamento muito preciso em relação ao que eu iria fazer. Roberto de Carvalho
Depois dos lançamentos póstumos do single "Voando" (versão do clássico italiano "Volare") e do livro "O Mito do Mito", chegou às plataformas de streaming na quinta passada (31) o disco "Rita Lee - Uma Noite no Luna Park" (Universal Music), gravado ao vivo, em Buenos, na Argentina, em 2002. A versão vinil duplo do álbum já está em pré-venda.
Inédita por mais de 20 anos, a apresentação marcou a estreia de Rita Lee nos palcos argentinos, em um momento em que ela já era consagrada naquele país. A plateia do histórico Luna Park ficou lotada para receber a roqueira pop brasileira, dona de sucessos que atravessaram fronteiras —começando com a fase Mutantes e, depois, com a explosão de "Lança-Perfume", em 1980.
Aquele primeiro show veio na esteira do grande sucesso que fez o disco "Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar" (2001), com covers dos Beatles numa levada bossa nova, mas também com baião e outras brasilidades.
"Isso tudo começou por causa desse disco que a gente tinha gravado. Lá na Argentina se chamava 'Bossa'n Beatles', que seria o segundo disco de um trio de discos, em que o primeiro seria 'Bossa'n Roll', o segundo, 'Bossa'n Beatles', e o terceiro seria 'Bossa'n Movies'", diz Roberto de Carvalho, em um encontro com alguns superfãs e imprensa, realizado na quinta passada (31), na sede da Deezer, em São Paulo, como parte da divulgação de "Rita Lee - Uma Noite no Luna Park".
"Tinha a ideia de ter um quarto, que seria 'Bossa'n Christmas', que a Rita não achava muito legal. Ela fazia aniversário no dia 31 de dezembro, muito próximo do Natal. Não era uma data que ela gostasse muito de comemorar", completa.
Com cerca de uma hora de duração, o bate-papo foi intermediado pelo jornalista Guilherme Samora, editor dos livros de Rita Lee e estudioso de sua obra. Bem-humorado nas respostas, Roberto se recordou de histórias de bastidores não só do show na Argentina, mas de outros momentos com Rita, alguns delas relatadas por ele pela primeira vez.
O repertório do show teve como base o disco "Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar", com "A Hard Day's Night", "Lucy In The Sky With Diamonds", "Pra Você Eu Digo Sim", entre outras, mas também contou com grandes hits, como "Baila Comigo", "Ovelha Negra", "Mania de Você" e "Doce Vampiro" —esta última composta enquanto Rita estava em prisão domiciliar, na casa dos pais, grávida do primeiro filho, Beto Lee, e da qual Roberto foi muso inspirador.
O músico recorda como foi a primeira vez que Rita mostrou "Doce Vampiro" para ele. "Eu tinha ido ao Rio ter uma reunião com Paulo Coelho. Era uma reunião sobre marketing, porque tinha sido lançada 'Arrombou a Festa' [parceria de Rita e Paulo Coelho]. Quando voltei e cheguei, Rita estava no quarto. Ela estava com uma barriguinha, não era uma barriga tão grande assim. Ela falou: 'Tenho uma surpresa para você'. 'Oba, mais uma? Foram tantas'. Ela pegou o violão e tocou 'Doce Vampiro'. Ela na cama, sentada, com o violão encostado na barriga e cantou. Fiquei num estado de êxtase e aí houve um replay daquela história do 'Mania de Você' (risos)."
Admirador de Astor Piazzolla e bossa nova, Roberto elegeu "Besame Mucho", interpretada por Rita no show na Argentina, como sua preferida.
Porque, quando a gente começou a pensar nesse show, 'Besame Mucho' sempre foi uma das minhas músicas avatares na concepção do João Gilberto, tanto que essa gravação é na onda João Gilberto total, harmonicamente. Roberto de Carvalho
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Quero receberPara quem se surpreende com essa escolha, ela revela a forma como Roberto se enxerga no rock brasileiro: "Eu me vejo mais como protagonista do que público".
Apesar de ter alguns registros ao vivo lançados, como é o caso agora de "Rita Lee - Uma Noite no Luna Park", e outros ainda guardados nos arquivos da família à espera de, um dia, vir a público, ele contou que Rita "não gostava muito de música ao vivo".
Já Roberto sempre gostou de fazer gravações de shows. Existem muitas delas, mas ele não sabe dizer se serão necessariamente lançadas um dia. "Essas coisas que saíram foram orgânicas, não foram uma construção, como se houvesse uma estratégia. E o seguinte também: a gente fez tudo que a gente tinha de fazer. Vejo, por exemplo, alguns artistas que partiram muito cedo e deixam um legado gigantesco de obras que não vieram à luz do dia. Não foi o nosso caso."
Mas há o desejo, por exemplo, de lançar no streaming o registro audiovisual do show no Luna Park. É possível encontrar vestígios desses registros no YouTube, mas de forma incompleta e sem qualidade de imagem. "É uma coisa que estou há tempo já querendo fazer, porque eu tenho todas as fitas betas, está tudo lá, mas tem que fazer um tratamento."
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