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Opinião

Nobel para Han Kang é fruto do investimento da Coreia do Sul em cultura

A sul-coreana Han Kang foi anunciada na manhã desta quinta a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2024. Segundo a Academia Sueca, levou pela sua "prosa poética intensa, que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana".

As histórias de Han estão publicada no Brasil pela Todavia. No ano passado a editora lançou "O Livro Branco" (tradução de Natália T. M. Okabayashi). Em 2021, "Atos Humanos" (tradução de Ji Yun Kim). E em 2018, "A Vegetariana" (tradução de Jae Hyung Woo), que já tinha sido saído no Brasil em 2013 pela Devir com tradução de Yun Jung Im.

"A Vegetariana" é o romance mais importante de Han, o responsável por lhe dar grande projeção internacional, principalmente após vencer o Man Booker International Prize de 2016 com a sua edição em inglês. É um dos prêmios mais importantes do mundo anglófono, que sempre abre muitas portas para outros cantos do Ocidente e do Sul Global.

Dividido em três partes, cada capítulo de "A Vegetariana" é narrado por um personagem diferente. Por meio dessa multiplicidade de vozes que montamos uma imagem pouco confiável de Yeonghye. São sonhos intranquilos que levam a mulher a repensar a sua relação com a comida e a abolir produtos de origem animal de suas refeições.

Mesmo numa breve descrição como essa, não é difícil achar os ecos kafkianos, especialmente de "A Metamorfose", no trabalho da vencedora do Nobel. E Kafka é mesmo uma grande referência não só para a autora, mas para muitos escritores da Coreia do Sul. O fascínio pela obra do cara é tão grande por lá que apenas "O Castelo" foi traduzido para o coreano quase 40 vezes entre 1960 e 2003.

Retiro o dado de "Metamorfoses" (Crítica, tradução de Rafael Rocca), livro no qual Karolina Watroba investiga os muitos ecos de Kafka em nossos dias. "A Vegetariana" é um dos trabalhos analisados pela pesquisadora.

Karolina aponta que a protagonista do romance se recusa a "cumprir as expectativas, por tradição, colocadas sobre as mulheres coreanas". Nesse processo de transformação pouco compreendido, uma pergunta se impõe: até onde irão as mudanças que tanta estranheza causam nas pessoas mais próximas?

Para a crítica literária Tamy Ghannam, "A Vegetariana" é um " retrato em três atos sobre a desumanização de uma mulher". Constantemente oprimida, Yeonghye "libera o surreal que habita o seu interior e passa a resistir à vida encarceradora que estava sujeita há tanto tempo".

Han Kang é a primeira coreana a vencer o Nobel de Literatura. Não há como descolar a premiação de um amplo movimento de expansão cultural que a Coreia do Sul vem promovendo pelo menos desde a década de 1990.

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Tão apedrejada por aqui, a cultura é um elemento central e estratégico da economia sul-coreana, alvo de constantes ações e investimentos do governo. De certa forma, o Nobel para Han é também uma consequência do sucesso em boa parte do mundo das músicas de K-pop e das séries de K-drama.

É um fenômeno que engloba a literatura, como uma visita a qualquer boa livraria pode comprovar. Um olhar com atenção para muitos livros mostra quão fundamental é o apoio estatal para a tradução de obras de autores coreanos pelo mundo.

Não é por acaso o sucesso de títulos com propostas tão diferentes quanto "Bem-vindos à Livraria Hyunam-Dong", de Hwang Bo-Reum (Intrínseca), "Amêndoas", de Won-pyung Sohn (Rocco), "Pachinko", de Min Jin Lee (Intrínseca), e "Coelho Maldito", de Bora Chung (Alfaguara). Sim, a força das mulheres é outro elemento a se destacar nessa onda da literatura sul-coreana.

Nesse sentido, a Academia Sueca segue alternando suas escolhas entre homens e mulheres, prática que ocorre desde 2017. Em 2023 o prêmio ficou com o norueguês Jon Fosse, em 2022, com a francesa Annie Ernaux, em 2021 com o Tanzaniano Abdulrazak Gurnah...

A surpresa da vez é a escolherem alguém jovem para o Nobel. Han Kang tem apenas 53 anos, o que deverá fazer com que muita gente passe a apostar nas chances da consagração ir para autores ainda no meio de suas trajetórias nos próximos anos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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