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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso do mendigo no DF: brasileiro tem que entender que traição não é piada

Carro onde aconteceu a traição: filmado por câmeras de segurança - Reprodução
Carro onde aconteceu a traição: filmado por câmeras de segurança Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

26/03/2022 11h42

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A história do homem em situação de rua no Distrito Federal agredido por um personal trainner após ser flagrado fazendo sexo com a esposa dele é muito pesada. Tanto que é intrigante entender porque as pessoas acham tão natural rir disso — e não falta gente fazendo piada com o assunto. Parece um resquício de humor da quinta série que acha sexo, traição e agressão engraçados.

Claro, não é de hoje que tem marmanjo com dificuldade de se colocar no lugar do outro, ridicularizando vítimas e achando graça do que não tem graça nenhuma. Mas a internet dá uma maximizada na falta de noção das pessoas e torna algo que devia ser privado e dramático em comédia coletiva.

Nas últimas semanas, rir da complexa situação comportamental que envolveu essas três pessoas parece um compromisso social — e não falta piada, meme e demais ridicularizações incabíveis sobre o assunto. Lamentável.

Humor é legal quando é humor

Brasileiro é um povo criativo. O humor é nosso jeitinho de driblar o impossível. Como é que vocês conseguem ser brasileiros?, perguntaria um gringo que tivesse domínio da língua e lesse as notícias do país por um dia. A gente não sabe responder. Só vai indo, rindo, sobrevivendo. Mas tem hora que não é de piada — seja por respeito, empatia ou compaixão. E a sensibilidade também sempre foi uma característica do nosso povo.

"Ai, fazer humor hoje em dia ficou muito chato", vai dizer uma turma aqui embaixo. Na verdade, não. Humor salva, humor é resistência, como diria Paulo Gustavo. Mas fazer humor com o que não é humor... é isso ficou chato mesmo.

O poder bélico da internet é absurdo. Dar fama a uma história como essa, no DF, é maximizar a dor das três vítimas. Um homem flagra a mulher transando com outro homem: isso deveria ser privado. É dolorido para ambas as partes. E a gente sabe que traição — com ou sem os requintes que aguçam a curiosidade dessa história — pode acontecer com qualquer um de nós.

Agora, um homem flagra a mulher copulando com um homem em situação de rua e o agride por pensar que ela estava sendo vítima de um estupro. Uma mulher com questões psiquiátricas confessa ao marido que não havia sido violentada, foi consensual. Um homem em situação de rua é convidado por uma mulher a entrar no carro e fazer sexo com ela e é espancado depois disso. Para mim, todo mundo é vítima. O incabível da situação torna o público sedento por atualizações da história algoz.

Essas pessoas têm vidas a seguir depois que essa situação médica e legal for resolvida. Por que alguém acharia graça em eternizar essa situação? Cada vez que um meme pipoca nas redes ou algum vídeo é reproduzido, aumentamos a dor de alguém que não se predispôs a nos fazer rir. Quem acha isso humano?

Compartilhar casos depreciativos como esse é de uma crueldade inacreditável. Antes de criticar mulher, marido e demais envolvidos, vale botar a mãozinha na consciência e pensar no mal que estamos fazendo ao apertar um botão no celular como se estivéssemos imunes a qualquer dor exposta.

Explicar isso parece óbvio demais. Mas quando se está na quinta série a gente demora mesmo para entender algumas coisas. Você pode discordar de mim no Instagram.