Luciana Bugni

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Opinião

Ziraldo desenhou para eu entender: é preciso falar do lobo até virar bolo

Meu livro Chapeuzinho Amarelo, escrito por Chico Buarque e ilustrado por Ziraldo tem uma dedicatória de 1984. Minha tia Neila escreveu que desejava que eu, à época com 2 anos de idade, aprendesse a gostar das histórias bonitas, dos livros bons e de gente boa. De uma forma muito palpável, tudo se cumpriu: e Ziraldo era uma das "gente boa" que minha tia sugeria.

A morte do ilustrador nesse sábado (6), me devolve à página da história em que Chico narra a guinada de Chapeuzinho Amarelo: a menina prostrada pelo medo de tudo aprende que precisa falar sobre o problema para que ele pareça mais fácil de resolver. Escrevendo assim, parece só psicoterapia óbvia, mas, sabemos, não é tão óbvia assim para muita gente. Na prática da poesia de Chico Buarque, funciona: ela fala tanto e repetidas vezes de seu maior medo, o lobo, que as sílabas se emendam e trocam de lugar, lobo-lobo-lobo-lo-bo-lo-bolo-bolo. Viu, só? O lobo virou bolo.

Ziraldo aprimora a palavra certeira buarquiana. A ilustração do trecho mostra o lobo aterrorizante cheio de dentes, que vai perdendo a forma graficamente e deixando de ser amedrontador, até que, a partir de uma sombra, vira de fato um bolo — como alguém pode dominar tanto o traço?

O lobo que vira bolo norteia meus dias desde a infância.

Não gosta de algo? Diga.

Não tem certeza do que deve fazer? Fale em voz alta.

Está apavorado de medo? Verbalize tantas vezes quanto for necessário até parecer mais claro o que fazer.

Não entendeu nada do que eu escrevi? Olhe a ilustração de Ziraldo. Imprima. Cole na parede. Não existe lobo nessa vida que não possa virar bolo. Tá desenhado.

O artista vive eternamente em sua palavra, seu traço, suas notas musicais. Ziraldo das ideias geniais segue no Maluquinho que a gente carrega em nossos macaquinhos no sotão. E também no riso que se cria nas sombras — como o Menino, também somos cheio de graça.

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E, para mim, em cada lobo que transformo em bolo de tanto falar no assunto. A metáfora já era boa, a ilustração é genial, a parceria Ziraldo e Chico é eterna. Certa estava tia Neila: história bonita, livro bom, gente boa demais.

Você já fez um pavor virar sobremesa hoje?

Podemos mais falar mais disso no Instagram.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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