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Renato Mauricio Prado

O dia em que evitamos que Senna assassinasse um rival japonês

Simon Bruty/Allsport/Getty
Imagem: Simon Bruty/Allsport/Getty

04/05/2020 04h00

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Sem eventos esportivos, por causa da pandemia do coronavírus, a passagem de mais um aniversário de morte de Ayrton Senna (1º de maio de 1994) ocasionou uma tsunami de lembranças do nosso tricampeão. De reprises de suas vitórias a depoimentos emocionantes daqueles que estavam em Ímola naqueles trágicos dias, com destaque para o Cadeira Cativa, do Grande Prêmio, que produziu, em "live" de mais três horas, um delicioso papo de Flávio Gomes, Mário Andrada e Silva e Alex Ruffo, testemunhas oculares daquele final de semana fatídico.

Eu não estava lá. Mas conheci Ayrton Senna bem de perto, na temporada em que, como correspondente do Globo, cobri o circo da Fórmula 1, em 1987. As histórias que vou contar agora pouco tem a ver com o extraordinário talento que tinha ao volante, mas ressaltam sua indomável vontade de vencer, qualquer fosse o esporte ou brincadeira — não gostava de perder nem jogo de palitinho.

Naquele ano, antes mesmo de Nelson Piquet conquistar o seu tricampeonato mundial em Suzuka, Senna e um pequeno grupo de brasileiros, no qual me inclui, já tinham decidido passar uma semana no Club Med de Báli, no período entre os GPs do Japão e da Austrália, que fechavam o calendário.

Nossa caravana era formada por Ayrton; Galvão Bueno e sua primeira mulher, Lúcia; Reginaldo Leme e sua esposa Carmen Sylvia; e eu, que fui sozinho, pois me desquitara, em meu primeiro casamento, pouco antes de sair do Brasil.

Lá chegando, apesar de certo mau-humor inicial do piloto (que sonhava ser o maior vencedor do Brasil na F-1 e, naturalmente, não ficara nem um pouco satisfeito com o tri de seu desafeto Piquet), os dias foram agradabilíssimos, numa linda temporada de sol, que nos permitiu praticar esportes de todos os tipos e curtir a praia e a piscina do paradisíaco resort.

Jogamos tênis (Ayrton era tecnicamente fraco, mas corria feito coelho de desenho animado e devolvia todas as bolas); vôlei (idem, idem) e futebol de salão (onde era um goleiro corajoso e esforçadíssimo). As melhores histórias, porém, aconteceram nos esportes aquáticos.

Primeiro, uma alucinada corrida de jet-skis — e aí Senna era quase tão bom quanto nas pistas. Para nos dar alguma chance, decidiu então que levaríamos uma volta de vantagem, num total de 10. O circuito era demarcado por três boias, estrategicamente colocadas no mar em frente à praia do Med. Competiam Galvão, Regi, eu e o G.O responsável pela parte náutica do hotel, um garotão brasileiro chamado Dudu, que desde os primeiros dias se juntara ao nosso grupo.

Dada a largada, foi ele quem disparou na frente, seguido de perto pelo Galvão e pelo Regi e, prudentemente, de longe por mim. Quando completamos o primeiro giro, Ayrton então partiu. Feito um bólido! Me ultrapassou como seu eu estivesse parado; pouco depois alcançou Regi e Galvão e saiu, alucinado, atrás do Dudu, que também era fera no jet-ski e já folgara na liderança.

Tínhamos, entretanto, uma volta de frente, importante lembrar. Mas a diferença de destreza (e, consequentemente, de velocidade) era tamanha que, poucos giros depois, Senna já anulava a nossa vantagem e a graça da disputa passava a ser o duelo dele com o Dudu.

Que, enfim, acabou suplantado, sob aplausos dos hóspedes que se aglomeravam na praia para assistir à corrida. E o que fez, então, o Ayrton? Na volta da vitória, perseguiu e abalroou um a um, botando-nos a pique! Menos mal que, entre mortos e afogados, salvamo-nos todos...

O GP dos mares de Báli, contudo, nem foi nossa maior aventura. Na última noite, estávamos reunidos na beira da piscina, quando Dudu se aproximou e disse: "Estamos sendo desafiados para um jogo de water-polo Brasil x Resto do Mundo"!

Explico: o resort estava cheio de hóspedes das mais variadas nacionalidades (com natural predominância de asiáticos), tinham formado um time de polo aquático e buscavam um adversário. Se possível, brasileiro, naturalmente, por causa de Senna.

Nos entreolhamos e como todos nós nadávamos bem (Galvão dizia até que tinha praticado o esporte, na universidade), resolvemos que dava pra encarar. Ayrton, uma vez mais, seria o goleiro. E fomos à luta!

Que luta! Nadar bem é uma coisa; jogar water-polo, outra, muito mais desgastante. Com cinco minutos, estávamos todos de língua de fora. Mas até que não fazíamos feio. Dudu, o mais jovem do nosso time, egresso das praias de Ipanema, surfista e coisa e tal, era nosso artilheiro. Mas do lado deles havia também um japonês que era o capeta! Fazíamos um gol, levávamos outro. E toma de gozação no Ayrton:

— Pega pelo menos uma aí, pô! — provocávamos, cada vez que balançavam a nossa rede.

Quando todo mundo na piscina já estava quase se afogando, veio a resolução salvadora ditada pelo G.O que apitava a brincadeira: "No primeiro gol, acaba". O placar estava empatado, senão me engano, em 5 a 5 ou 6 a 6, sei lá. Jogaram a bola da borda e conseguimos pegá-la. Era marcar e sair pro abraço! Vã ilusão...

Desperdiçamos o "chute" e, no contra-ataque, o tal Jaspion, de que falei, partiu em vigorosas braçadas, sozinho, rumo ao nosso gol. Nenhum de nós mais tinha fôlego para acompanhá-lo.

— Sai, Ayrton! — urrou o Galvão, numa premonição talvez do "sai que é sua, Taffarel" de sete anos depois.

E Senna não se fez de rogado. Lembrem-se, ele não gostava de perder nem par ou ímpar. Por isso, nadou com fúria até o japonês e o agarrou pelo pescoço, antes que chutasse. Agarrou e afundou-o, num caldo espetacular.

— Larga, agora larga!!! — gritamos todos nós, em seguida, àquela altura já preocupados com a séria possibilidade de um assassinato por afogamento.

Demorou ainda um pouco, mas nosso competitivo guarda-metas enfim libertou o japonês que, mais morto que vivo, teve que ser carregado para a borda, onde vomitou alguns litros de água antes de voltar ao normal.

O jogo? Terminou empatado e fomos todos comemorar, juntos, bebendo, no bar da piscina. O Jaspion? Enfim recuperado, fez questão de dar um grande abraço em Senna, com quem pediu ainda para tirar uma foto todo sorridente, ao lado de seu quase algoz.

Perder, definitivamente, não era a praia de Ayrton Senna.