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Da Ilha da Madeira ao Canindé... Um templo sagrado do futebol diz até breve

Era 29 de março de 1975 e a data é precisa, por causa da pesquisa, não da memória. Foi quando meu avô Alexandrino levou ao meu irmão Marcos, e a mim, pela primeira vez a um estádio de futebol. Canindé, Portuguesa 2 x 1 Juventus. Lembro-me de tudo! Do vovô conversando com o gajo ao lado, sobre a situação da Lusa e do campeonato, do uniforme grená do Juventus e branco dos donos da casa, lembro-me de que a Portuguesa tinha Tatá e o Juventus tinha Tata.

Recordo-me de descer as escadarias, ainda de madeira, para comprar guaraná no intervalo. Tudo, tudo, tudo... Meu irmão, um ano mais novo, não tem essa memória por causa disso.

Mas eu testo. A ficha retirada do acervo da Folha confirma que a Lusa tinha Miguel, Cardoso, Arengui, Calegari e Isidoro; Badeco e Dicá; Antônio Carlos, Tatá, Enéas e Wilsinho. O Juventus jogou com Bernardino, Arnaldo, Carlos Guassi e Deodoro; Maurinho e Pedrinho; Tata, Vanderlei, Antoninho e Tanese. Tatá e Tata estavam mesmo lá.

Flávio Gomes não confirma minha memória de que os degraus da escadaria para os bares ainda eram de pau e lenha, resquício da compra do terreno pela Lusa em 1956 e do estádio chamado de "Ilha da Madeira." Referência ao território insular a 967 quilômetros de Lisboa.

"A única coisa de que me lembro de madeira eram as cabines de imprensa", diz Flavinho, eterno torcedor da Lusa.

Só em janeiro de 1972, a Ilha da Madeira se tornou o estádio Independência, aquele em que vovô nos levou em 1975. Na inauguração, a Folha de S. Paulo chamou de "O Casarão do Canindé." Tem sempre uma brincadeira de que a Portuguesa é o segundo time de todos e uma conversa com meu avô me levou a crer que é mesmo, até de quem torce para a Lusa:

"Vovô, se jogarem Portuguesa e Belenenses, tu torces para quem?" Ao que ele respondeu, sem piscar: "Para o Belenenses, pá!"

Há a lenda de que na inauguração do Canindé, Portuguesa 1 x 3 Benfica, teve briga da torcida da Lusa com os adeptos benfiquistas. Mito?

O acervo da Folha relata assim: "O público se conformou com a superioridade do Benfica, que entretanto não foi reconhecida por alguns torcedores, provocando discussões e ameaças de briga." Ou seja, os adeptos lusos não aceitavam que uma parte deles quisesse mesmo o triunfo benfiquista.

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Ah, o Canindé. Quando meu avô fez 80 anos, lá estávamos nós comemorando seu aniversário na casa de fado, dentro do clube.

O estádio Oswaldo Teixeira Duarte, a velha Ilha da Madeira, o Independência, o Casarão vai deixar de existir como conhecemos a partir deste sábado, de Portuguesa x Novorizontino. Verdade que era diferente, amadeirado, só com 10 mil lugares, até a concepção atual, desde 1979.

O mundo que a gente vive termina antes da gente.

Vai ser legal se a Portuguesa reagir, voltar a ser forte, se houver um estádio moderno e bem cuidado ali ao lado do rio Tietê, lugar valorizado pelo mercado imobiliário. Pode ser bom.

Eu sempre me lembrarei mesmo daquele Portuguesa 2 x 1 Juventus, do guaraná, meu irmão e vovô. Aquele Canindé nunca vai deixar de existir nas nossas vidas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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