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Olhar Olímpico

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Rodrigo Pessoa encontra cavalo dos sonhos e Brasil volta a mirar medalha

Rodrigo Pessoa salta com Major Tom em La Baule - Luis Ruas/CBH
Rodrigo Pessoa salta com Major Tom em La Baule Imagem: Luis Ruas/CBH

Colunista do UOL

01/07/2023 04h00Atualizada em 03/07/2023 20h03

Dois jovens de 10 anos, e uma de 12, todos com pouquíssima experiência internacional, são a razão para o Brasil voltar a sonhar com uma medalha olímpica em um esporte no qual já foi potência, mas não vai ao pódio há duas décadas.

Os equinos atendem pelos nomes de Major Tom, Primavera Egípcio e Miss Blue e, logo na primeira vez que competiram juntos, levaram o Brasil ao importante título da etapa de La Baule (França) da Copa das Nações de hipismo saltos.

Major Tom é a nova montaria de Rodrigo Pessoa, veterano de 50 anos, que ganhou tudo em uma época em que montava o melhor cavalo de saltos da história, o famigerado Baloubet du Rouet. Da mesma forma que um Pelé ou um Usain Bolt não surgem a cada década, um Baloubet também não. Com a diferença que, no hipismo, muitos bilhões já foram investidos em compra e venda de animais em busca disso, sem sucesso.

Se ainda é cedo para dizer se Major Tom pode chegar lá, já é possível ao menos afirmar que o Warmblood Belga de 10 anos é o melhor cavalo que Rodrigo montou desde seu inesquecível parceiro de ouro olímpico. "Ele tem qualidades diferentes, tem coisas melhores, coisas menos boas do que o Baloubet. Cada um tem suas qualidades e pontos fracos. Mas ele é o cavalo mais próximo das qualidades que a gente procura em um bom cavalo", diz.

Rodrigo ouviu falar muito bem de Major Tom em 2020, no ápice da pandemia. Morando em Nova York, tentou viajar até a Europa para vê-lo com um jovem cavaleiro irlandês, mas foi barrado pelas restrições sanitárias. Mesmo assim, o investidor que oferta seus cavalos para o brasileiro montar resolveu apostar e gastou uma bolada para comprar o cavalo, no escuro.

No hipismo, as provas vão subindo de dificuldade à medida que a altura do obstáculo também sobe. É como o processo para um piloto chegar à Fórmula 1. Exige-se experiência para saltar uma prova cinco estrelas, e nenhum cavalo com menos de 9 anos pode fazer isso. Rodrigo teve paciência, e estreou Major Tom na Europa só no mês passado.

E essa estreia foi arrasadora. Rodrigo e Major Tom se apresentaram cinco vezes em competições de altíssimo nível, as Copas das Nações de St Gallen (Suíça) e La Boule (França), e o Grand Prix francês, e não cometeram uma falta sequer. Na prova individual, Rodrigo foi quinto, porque foi mais lento no desempate. Mas, nas competições por equipes, ajudou o Brasil a ganhar primeiro uma prata e, depois, um ouro.

No sábado, o conjunto ficou em quarto sem cometer faltas no GP Rolex de Aachen (Alemanha), que está para o hipismo saltos como Wimbledon está para o tênis. Na quarta, eles cometeram uma falta no segundo GP mais importante do evento e terminaram em 20º. Mas a prova terminou com hino brasileiro.

Yuri Mansur, com Miss Blue, festeja título em Aachen - Luis Ruas/CBH - Luis Ruas/CBH
Imagem: Luis Ruas/CBH

BHs

Rodrigo e Major Tom não são a única razão da empolgação que vive o hipismo brasileiro. Em La Baule, a equipe contou com dois jovens cavalos da raça Brasileiro de Hipismo, conhecida como BH, ambos criação nacional.

A gente calcula que nasçam no mundo de 70 mil a 80 mil cavalos de hipismo por ano. No Brasil nascem 800. É matemática. O super cavalo, o super atleta, ele surge da excelência, mas também do volume de cavalos. Se você é só 1%, é muito difícil. Mesmo assim, temos dois" Pedro Paulo Lacerda, chefe da equipe brasileira.

Dado que o hipismo é um dos esportes mais tradicionais e importantes dos Jogos Olímpicos, especialmente sob o olhar dos países ricos, a disputa pelos melhores animais é acirrada, e acontece em patamares financeiros altíssimos, acima do que cabe no bolso do esporte brasileiro. Daí a importância do casal de BHs.

Neste século, só um BH, em 2016, chegou às Olimpíadas. Na última década, porém, o país investiu em tecnologia, em formação profissional e na compra de material genético. E está sendo recompensando com dois animais de alto nível na seleção.

Um deles, uma égua. Miss Blue Mystic Rose, cria do Haras Rosa Mystica, tem só 10 anos e chegou à sela de Yuri Mansur em 2022. "Conheci a Miss Blue por vídeo quando eu estava nos Jogos Olímpicos e, felizmente, formei uma parceria com sua proprietária. Tenho certeza de que ela é o melhor cavalo que eu já montei, pois reúne todas qualidades, mas ainda está em formação", disse Yuri, há dois meses, quando foi bronze na etapa da Cidade do México do Global Champions Tour.

Na quarta, ele e Miss Blue zeraram dois percursos em Aachen e faturaram um prêmio de 50 mil euros. Hoje, disputam o GP Rolex que vai distribuir 1,5 milhão de euros. Dada a boa fase, estão entre os favoritos.

Já Chevaux Primavera (vulgo Primavera), cria do Haras Montana, é uma novidade no circuito mundial, aos 11 anos. Depois de ganhar tudo no Brasil, Stephan Barcha recebeu apoio da CBH para viajar com o animal para a Europa.

Logo em sua primeira competição cinco estrelas, o conjunto foi terceiro colocado em Roma. Na estreia pela equipe principal do Brasil, ajudou a chegar ao título da Copa das Nações na França. "A Primavera é um cavalo para toda vida. Esse é apenas o começou", celebrou.

Time Brasil de Saltos campeão na Copa das Nações de La Baule - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Até onde dá para chegar?

Em um esporte onde os atletas sabem que o teto deles é tão alto quanto o teto que seus animais podem alcançar, o Brasil olha para cima e se empolga. Se nos ciclos olímpicos passados o país careceu de montarias de primeira linha, agora o potencial é enorme. Mas todo mundo mantém os pés no chão.

O cenário é animador, mas estamos falando de conjuntos e atletas. Essas coisas mudam muito rápido, felizmente — ou infelizmente. Às vezes está super bem, um cavalo machuca, dois, e a coisa vira. No momento nós estamos com um grupo melhor do que tínhamos no último ciclo. O grupo tem muita experiência, está coeso, está um clima muito legal" Pedro Paulo Lacerda

Além de Yuri, Rodrigo e Stephan, a equipe campeã em La Baule teve Marlon Zanotelli, que de todos os brasileiros é quem melhor aparece no ranking mundial, em décimo. Radicado na Bélgica, ele recentemente perdeu dois dos seus principais animais, que foram requisitados pela filha do proprietário para quem monta. VDL Edgar, o Warmblood Holandês que levou às Olimpíadas, não volta mais. Mas Like a Diamond não se adaptou à jovem e está de volta às mãos do brasileiro.

No intenso mercado do cavalo (relembre este especial publicado antes de Tóquio-2020), nenhum atleta tem a certeza que o proprietário não vai mudar de ideia, vender o animal ou repassá-lo a um adversário. Mas, hoje, a chance de isso acontecer com os principais cavalos da equipe brasileira parece baixa.

O problema é o número reduzido de opções. Exceto Yuri Mansur, que foi quarto colocado na Copa do Mundo com Vitiki, e de Marlon, que tem em Grand Slam um plano B, de resto cada cavaleiro tem só um plano A para chegar às Olimpíadas.

O trunfo é uma equipe com diversas opções de atletas. Na prata em St Gallen, o time tinha Francisco Musa (Alea Marathon) e Pedro Veniss (Nimrod De Muze). Além deles, Eduardo Menezes é o 64º do ranking e o Brasil recebeu, para este ciclo, o reforço de Luciana Diniz, que antes competia por Portugal, e Santiago Lambre, que defendia o México.

A equipe deverá ficar completa de novo na Copa das Nações de Barcelona, no fim de setembro, em competição que distribui uma vaga olímpica. Como as principais potências europeias, exceto a Suíça, já estão classificadas, o Brasil tem grandes chances. Seus concorrentes devem ser EUA, principalmente, Canadá e México. Depois, o time vai completo ao Pan de Santiago, onde outras três vagas serão distribuídas.

Rodrigo Pessoa quer estar na equipe em busca de um título que falta no seu currículo, o ouro pan-americano.