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Match com emigrantes põe Brasil na rota olímpica no wrestling estilo livre

Cesar Alvan, lutador da seleção brasileira de wrestling e da Universidade de Columbia - Reprodução/Instagram
Cesar Alvan, lutador da seleção brasileira de wrestling e da Universidade de Columbia Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

25/05/2023 04h00

Enquanto o wrestling brasileiro buscava evolução entre os homens, Bruno Nicoletti, lutador universitário nos EUA, buscava no Google o que precisava fazer para chegar à seleção brasileira. Foram anos de desencontros, inclusive durante o auge da carreira dele, até que os dois finalmente deram match, na temporada passada. Mesmo depois de quatro anos sem competir, Bruno já classificou o país para os Jogos Pan-Americanos de Santiago (Chile).

A outra vaga brasileira no Chile, no estilo livre, também veio com um brasileiro formado no wrestling dos EUA. Filho de um ex-treinador do UFC, Cesar Alvan recebeu convites das melhores universidades americanas para estudar e competir, conseguiu uma folga para viajar ao Brasil e entrar na seleção brasileira, e agora tem na parede duas medalhas de Campeonatos Pan-Americanos.

Bruno e Cesar são os expoentes de um movimento orgânico que está recolocando o estilo livre brasileiro no mapa, depois de 20 anos sem conseguir medalha nem nos Jogos Pan-Americanos. Os dois lutadores crescidos e formados nos EUA, berço dessa modalidade, possivelmente terão a chance de quebrar esse tabu em Santiago, e já pensam mais adiante: classificar o Brasil de novo para as Olimpíadas. Além deles, ao menos outros três brasileiros radicados nos EUA estão fazendo o caminho de volta para casa.

Fazendo a América

Bruno Nicoletti, de malha clara, durante o Brasileiro de Wrestling - Divulgação/CBW - Divulgação/CBW
Imagem: Divulgação/CBW

Se você não conhece o wrestling em profundidade, vale uma explicação mínima: a modalidade é disputada em três estilos: livre feminino, livre masculino e greco-romano masculino. Neste último não é permitido o uso das pernas para aplicar golpes. O Brasil já foi prata Mundial com Aline Silva, está constantemente no top10 do ranking mundial com Laís Nunes, e foi às últimas duas Olimpíadas na greco-romana com Eduard Soghomonyan, um armênio que no passado morou no Brasil.

No estilo livre, o jejum de bons resultados internacionais dura duas décadas, e poderia ser menor se os servidores americanos do Google sugerissem a Confederação Brasileira de Wrestling (CBW) quando alguém procura por wrestling no Brasil. Bruno Nicoletti relata que fez essa busca inúmeras vezes, e nunca encontrou o caminho para se oferecer para competir pelo país onde nasceu. Tinha 8 anos quando a família emigrou de Americana (SP) para o Colorado, onde segue morando.

Foi lá que descobriu o wrestling, aos 12 anos. Graças ao esporte, conseguiu bolsa integral universitária. E, no último ano como estudante, em 2018, alcançou as quartas de final da segunda divisão da NCAA na categoria 174 libras (78,9 kg), terminando em quinto.

No Brasil, ninguém notou. E, nos EUA, ele não conseguia se apresentar ao Brasil. "Eu nem sabia que o Brasil tinha um time. Eu cresci lutando, e me sentia brasileiro, mas não sabia que existia. Comecei a fazer um pouco de pesquisa, correr atrás, mas não aparecia nada. Eu saí da faculdade, comecei a trabalhar e tal, e tinha o sonho de defender o Brasil. Uma hora esse sonho foi congelado", conta.

Bruno, porém, virou um especialista em encontrar pessoas. Consultor financeiro, criou uma ferramenta que identifica clientes em potenciais a partir do LinkedIn. Nessa, descobriu que o Brasil tinha uma seleção. Enviando mensagens pelo Instagram, descobriu o que precisava fazer para entrar nessa equipe. Era preciso se registrar na CBW e participar de um torneio em outubro, em Campina Grande (PB).

"Eu havia parado de competir completamente depois que terminei a faculdade. Ainda treinava de vez em quando, porque tenho muitos amigos no UFC e no Bellator, e eles precisam de wrestlers de vez em quando para fazer sparring. Como eu gosto de treinar meu corpo, de correr, estar ativo, fazer musculação, foi um pouco mais fácil. Me inscrevi em julho e em outubro fui competir".

Bruno venceu o Campeonato Brasileiro, festejou o título, trocou de roupa, arrumou a mochila e estava indo embora para o hotel quando soube que tinha que fazer mais uma luta. Como a categoria tinha um titular na seleção, se quisesse a vaga ele teria que vencer uma melhor de três. Voltou ao tapete, ganhou outra, e entrou, enfim, para a seleção. Na primeira vez competindo internacionalmente, foi quinto no Campeonato Pan-Americano.

Cesar Alvan, de azul, foi medalhista de bronze no Pan de Wrestling - Divulgação/CBW - Divulgação/CBW
Imagem: Divulgação/CBW

Wrestling abriu as portas para a Ivy League

Das 15 universidades mais graduadas do mundo, cinco abriram as portas para que Cesar Alvan estudasse nelas. Filho do faixa preta de jiu-jítsu Marco Alvan, Cesar migrou para os EUA na barriga da mãe e já nasceu na América do Norte. Desde pequeno tem o passaporte brasileiro e o estímulo para ser atleta.

Trenava jiu-jítsu na academia do pai, aos anos 9, quando uns garotos da mesma idade se impressionaram com a qualidade de luta de chão do emigrante brasileiro e sugeriram que ele também fizesse wrestling, como eles. "Eu gostava de esporte de combate, quis tentar, gostei, e fui indo, indo, e fiquei no esporte".

Lutador e estudioso, Cesar recebeu convite de universidades como Harvard, Princeton e Stanford, com oferta de bolsas de estudo para competir. Optou pela nova-iorquina Columbia e, já no segundo ano, conseguiu classificação para ser o primeiro brasileiro na primeira divisão da NCAA.

"Eu gostei muito da equipe, achava que ia me encaixar bem com os técnicos daqui. Além disso, gosto de estar em uma cidade grande, praticamente o centro do mundo. Nova York tem muitas oportunidades", diz ele, que mora a três horas de carro dos pais, que seguem vivendo em Massachusetts.

Graças às boas notas, acima da média da universidade, conseguiu liberação para vir ao Brasil, ganhar a seletiva, entrar na seleção e passar a rodar o mundo competindo. Lutando na categoria até 74 kg, que é olímpica, foi prata nos Jogos Sul-Americanos e bronze nas últimas duas edições do Campeonato Pan-Americano.

"O objetivo é tentar botar o Brasil no mapa. Conseguimos classificar o Brasil aos Jogos Pan-Americanos, e não tem nada que a gente quer mais do que levar o Brasil para essas competições", diz Cesar, que vê como palpável o objetivo de buscar uma vaga olímpica. Para isso, será preciso ficar entre os dois primeiros de uma seletiva continental. "Eu tô ali. Dá para ir, e dá para não ir. Chance eu tenho. Não é garantido, mas eu vou fazer tudo para me preparar bem", promete.

E vem mais por aí

Kaliffa Oliveira com o filho Kyle, campeão brasileiro sub17 nos dois estilos do wrestling - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Ao longo dos anos, a CBW nunca fez uma busca ativa de brasileiros no exterior, especialmente nos EUA, movimento feito por exemplo pela confederação de rúgbi, procurando brasileiros em países como Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra e França, e a de hóquei sobre a grama, que identificou atletas com passaporte brasileiro na Holanda e na Argentina.

Bruno sente por não ter tido a chance de defender o Brasil antes. "Se tivessem me catado quando eu saí da universidade, eu estaria mais disposto a fazer da luta a minha vida. Hoje eu casei, a gente tem uma filha, o wrestling é só uma das minhas prioridades. Naquela época eu poderia viajar, fazer o que fosse preciso para fazer o sonho acontecer", diz ele, que virou pai este mês e vai precisar se adaptar à categoria até 86 kg.

Na base, o movimento também está acontecendo. Irmão de Cesar, Lucas Alvan venceu a seletiva nacional e está convocado para o Pan-Americano Sub-17. No Sub-20, o Brasil terá Kyle Oliveira lutando tanto no estilo livre quanto no greco-romano, buscando repetir uma incomum dobradinha no pódio obtida no Pan Sub-17 do ano passado, quando ganhou duas medalhas de prata.

Kyle é filho de Kaliffa Oliveira, lenda do jiu-jítsu, e instrutor da modalidade no estado de Alabama, nos EUA. A outra filha dele, Yasmine, foi campeã brasileira sub-20 no ano passado e foi vice no torneio desta temporada, recuperando-se de uma cirurgia no joelho.