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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Rúgbi derruba antigas barreiras para chegar além do eixo Sul-Sudeste

Porto Seguro ganhou da União Pernambucana por 12 a 3 na abertura da Copa do Brasil de Rúgbi XV - Divulgação
Porto Seguro ganhou da União Pernambucana por 12 a 3 na abertura da Copa do Brasil de Rúgbi XV Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

25/05/2023 04h00

O jogo entre Porto Seguro e União Pernambucana, vencido pelos baianos, no último dia de abril, foi um marco para a história do rúgbi XV masculino brasileiro. Não pelo nível técnico, ou pelo resultado, mas por ter sido a primeira partida oficial da modalidade com a participação de equipes que não do Sul e do Sudeste. Isso meio século depois da criação da primeira federação de rúgbi no Brasil.

Até muito recentemente, como já contou o Olhar Olímpico, a Confederação Brasileira de Rúgbi (CBRu), estabelecida em 2010, rejeitava a filiação de qualquer federação estadual que não as fundadoras (RS, SC, PR, RJ, SP e MG), estabelecendo critérios quase inalcançáveis para o aceite — criada em 2009, a baiana só foi aceita em 2021, com direito a voto a partir de 2025. Isso não só impede a descentralização de poder e recursos para além do eixo, mas também bloqueava a participação de equipes de outros estados em torneios oficiais.

"Se os caras não jogam, eles não têm pique para se organizar", diz Renato Occhionero, diretor de desenvolvimento e torneios da CBRu. No rúgbi XV, versão mais tradicional, esse bloqueio caiu com a criação da Copa do Brasil, um torneio envolvendo os campeões estaduais ou regionais. Além dos estados tradicionais (os três do Sul, São Paulo e Rio), jogam representantes da Bahia, do Centro-Oeste e da 'Copa Nordeste'.

É uma lógica inversa à que segue no estatuto da CBRu. Para ser aceita como filiada uma federação segue tendo de cumprir uma cartilha complicadíssima, que impediu gerações de jogadores de competirem nacionalmente (e ganharem Bolsa Atleta, por exemplo), mas agora um clube pode chegar à Copa do Brasil com uma seletiva desburocratizada.

"A gente só pede um mínimo de organização, juntar dois ou três times, fazer um campeonatinho, avisar quem vai jogar, quem vai apitar, quem jogou, mandar foto, ter uma ambulância na beira do campo. Coisa simples, para incentivar a ter", explica Occhionero.

Financeiramente, a competição só existe porque a CBRu conseguiu aprovar um projeto na Lei de Incentivo e captar recursos. Só em transporte aéreo a confederação pagou R$ 50 mil para levar os pernambucanos a Porto Seguro, para o duelo de quartas de final. E serão mais R$ 38 mil para fazer o Niterói, do Rio, chegar à Bahia para a semifinal em 1º de maio. Valores que as equipes não teriam condições de arcar, se o pagamento dependesse delas.

Para o diretor da CBRu, essa sustentabilidade só virá com o tempo. "Para se tornar sustentável, depender cada vez menos da confederação, tem que ter o rúgbi jogado regionalmente, tem que fazer sentido para a região. Só aí o cara do mercado ajuda, o prefeito dá ônibus, a padaria dá o terceiro tempo. Se tiver um campeonato regional, com impacto local, aí talvez ele consiga um patrocinador que pague para jogar o torneio nacional. Hoje o clube fica de mãos atadas."

Melina, de Cuiabá, foi campeão brasileiro de rúgbi sevens em 2021 - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Começo pelo sevens

Com outras regras, mas com a mesma lógica, esse processo já começou no rúgbi feminino. No caso delas, pelo sevens, a versão olímpica, que para as mulheres é mais competitivo que o XV. O gatilho, porém, foi o mesmo da Copa do Brasil: verba da Lei de Incentivo ao Esporte. Com apoio financeiro da CBRu, o Melina, de Cuiabá (MT), e o Delta, de Teresina (PI), são protagonistas na primeira divisão do Super Sevens, espécie de liga nacional, que teve seis etapas em 2022.

As cuiabanas, aliás, são as atuais bicampeãs nacionais, vencendo cinco das seis etapas do circuito, e têm a base da seleção feminina de XV, enquanto a equipe do Nordeste revelou duas das principais jogadoras da seleção brasileira: as gêmeas Thalia e Thalita Costa . Na outra ponta, o Desterro, de Santa Catarina, que já foi potência, foi rebaixado, e é usado de exemplo negativo por Occhionero.

"Já estavam no Super Sevens, jogando seis etapas por ano, e deixaram de se preocupar com a região. O time foi envelhecendo, não criou categoria de base, e agora o feminino de Santa Catarina é muito fraco. É por isso que a gente está obrigando todas as equipes do Super Sevens a fomentar a região deles, ter um qualifying. Ah, não tem outra equipe? Se vira, ajuda o seu vizinho a treinar, faz alguma coisa, mas fomenta a região".

No masculino, o sevens não tem fomento de Lei de Incentivo, o que significa que os clubes bancam a participação deles e a competição em si. Como a modalidade não é prioridade, o calendário nacional se restringe a um evento de fim de ano, o Brasil Sevens, que não tem equipes de destaque de fora do eixo Sul-Sudeste.