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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Mesmo com 12 patrocinadores, Rayssa não pode se profissionalizar

Rayssa Leal durante a primeira etapa do SLS, em Salt Lake City, EUA - Reprodução/Instagram
Rayssa Leal durante a primeira etapa do SLS, em Salt Lake City, EUA Imagem: Reprodução/Instagram

13/11/2021 04h00

Aos 13 anos, Rayssa Leal está em um limbo entre as regras do skate e as regras trabalhistas brasileiras. Ninguém mais do que ela no país cumpre os requisitos para ser uma skatista profissional, uma vez que é patrocinada por 12 marcas, mas a legislação trabalhista a impede de se tornar, oficialmente, uma profissional. Pelas regras da Confederação Brasileira de Skate (CBSk), ela só poderá deixar de ser amadora a partir do fim do ano que vem.

No skate, por tradição, a profissionalização é um rito de passagem, o que separa os homens dos meninos, as mulheres das meninas. Tem o peso de uma festa de debutante, de um bat mitzvah, de um título de eleitor. Com a sensível diferença de que, nesse caso, a mudança de status tem a ver com mérito, não com o bolo de aniversário.

A profissionalização acontece quando uma empresa assume, perante um comitê ligado à Confederação Brasileira de Skate (CBSk), a responsabilidade financeira sobre um skatista. Em resumo, a marca diz: "A partir daqui, essa pessoa vai viver de skate, porque eu vou pagar para ela fazer isso". No caso de Rayssa, ela e a família dela se sustentam com patrocínios desde que a menina maranhense tinha 10 anos.

Hoje Rayssa tem oito patrocinadores pessoais (Nike SB, Monster Energy, Brasil Prev, MRV, Banco do Brasil, Odontocompany, Nescau e Yes! Idiomas) e mais quatro patrocinadores do skate. Isso sem contar ações pontuais com marcas como HBO Max e Housi.

A medalhista de prata em Tóquio cumpre, sem dúvidas, os critérios subjetivos ligados à exposição midiática e à presença de patrocinadores, e também a maioria dos critérios objetivos listados esta semana pela CBSk, pelos excepcionais resultados conquistados nas últimas temporadas. Mas falta um item obrigatório: completar 14 anos até 31 de dezembro de 2021.

Rayssa fará 14 anos em 8 de janeiro do ano que vem e, por isso, não vai poder se inscrever na janela de profissionalização que começa na próxima segunda-feira e termina no dia 15 de dezembro. Como essas janelas têm sido anuais, ela só solicitar sua profissionalização no fim do ano que vem. A lista sai em janeiro do ano seguinte, 2023.

A CBSk alega que a legislação brasileira não permite relação trabalhista de menores de 14 anos. A Constituição Federal e a CLT vetam qualquer trabalho a menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, o que é permitido a partir dos 14. Essa regra vale, por exemplo, no futebol, onde só aos 14 anos um jogador pode assinar um contrato de formação e receber auxílio de um clube profissional. O governo federal só paga Bolsa Atleta para esportistas com mais de 14 anos, mesmo na versão estudantil —Rayssa teria direito à bolsa máxima, de R$ 15 mil.

Procurado pela coluna, o estafe de Rayssa informou que ela vai solicitar a profissionalização tão logo seja possível. "Temos conhecimento da legislação local e de todos os critérios formalizados recentemente pela CBSK para a profissionalização dos skatistas no Brasil. No ano que vem, iniciaremos o trâmite para a regularização da Rayssa como skatista profissional no país assim que ela completar 14 anos", explicou a assessoria de imprensa dela.

A CBSk ressaltou à coluna que, historicamente, esse processo simboliza um reconhecimento técnico que não se restringe ao universo de competições. "Ele atesta também a representatividade para a cena do skate. De fato, esse é um novo momento em que a própria comunidade já debate o assunto internamente pensando nessa sistemática para os próximos anos", destacou a confederação.

Pelo que é padrão no skate, uma atleta amadora, como Rayssa, pode participar normalmente de competições profissionais, como a Street League Skateboarding (SLS), que a skatista está disputando neste fim de semana e que vale como título mundial. Também pode receber premiações em dinheiro. Só nesta temporada, em quatro torneios, ela já ganhou mais de US$ 70 mil.

Por outro lado, profissionais não podem competir provas amadoras, o que tem se tornado um problema no Brasil, onde há poucos eventos profissionais. Para muitos, mesmo já com patrocínio, é melhor continuar formalmente amador, disputar torneios todos os finais de semana e ainda ganhar pequenos prêmios: shapes, rodas, roupas... Vitória Bassi, 14, da seleção brasileira de park e campeã da Liga Amadora de Bowl, recém-encerrada, é uma que poderia se tornar "pro" agora, mas ainda não sabe se compensará.

No caso de Rayssa, deve falar mais alto o único benefício prático de se tornar profissional: poder ter um shape e um tênis com o nome dela. Nada impede que qualquer marca que já a patrocina faça isso, na verdade. Mas este código ético do skate ninguém parece interessado em quebrar ainda. Pro model da Fadinha, só em 2023.