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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Isaquias se junta a dirigentes para tentar salvar a canoagem

07.ago.2021 - Isaquias Queiroz vence medalha de ouro canoagem C1 - Jonne Roriz/COB
07.ago.2021 - Isaquias Queiroz vence medalha de ouro canoagem C1 Imagem: Jonne Roriz/COB

20/09/2021 11h34

O campeão olímpico Isaquias Queiroz, o campeão mundial paralímpico Fernando Rufino e o finalista olímpico Pepê Gonçalves, entre outros atletas, participaram hoje (20) de entrevista coletiva virtual em que demonstraram estar em sintonia com a direção da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) na tentativa de salvar a entidade. No fim da semana passada, a instituição anunciou a demissão de todos os seus funcionários e o "encerramento" de suas atividades administrativas.

As medidas, extremas, foram tomadas antes que a Justiça de São Paulo execute uma dívida de mais de R$ 5 milhões em impostos da CBCa, que fica em Curitiba, com a prefeitura de São Paulo. Os débitos existem desde 1998, quando o Bingo São João, que funcionava com a licença em nome da confederação, deixou de pagar ISS. Não há mais como recorrer dessa dívida.

Oito meses após a morte de João Tomasini, que fundou a confederação em 1988 e era seu presidente desde então, a CBCa está em uma sinuca de bico. Por causa das dívidas herdadas, não pode receber recursos públicos. E, sem patrocinador privado, não só não tem verba para operar como não tem dinheiro para quitar suas dívidas, seja a curto, médio ou longo prazo. Criar uma nova confederação também não é solução, como mostrou a vela, que recentemente forçou o COB a reconhecer uma dívida de R$ 70 milhões.

As dívidas estão longe de serem novidade, mas o momento extremo fez os atletas finalmente entrarem na discussão. "O atleta, a primeira coisa é entrar na água e treinar e ajudar muito mais do que ficar buscando problemas, processos. Quando fica insustentável é aí, sim, a gente fazer a nossa parte. Porque senão, depois nada anda", comentou Pepê Gonçalves.

Passados seis meses da eleição de Jonatan Maia, os esqueletos deixados no armário por Tomasini começam a aparecer. "Os atletas não tinham voz e o João [Tomasini] era um cara muito centralizador. O relacionamento daquela gestão com os atletas não era bom. Não tinha abertura para isso", diz o técnico Lauro de Souza, o Pinda, que trabalha com Isaquias. "A canoagem vai pagar por uma dívida lá de trás. Tem culpa dos proprietários dos bingos e da antiga gestão, que não fiscalizou. Hoje essa gestão está tentando resolver, com a união da maioria da canoagem", continuou.

A entidade contratou uma auditoria, que deve apresentar amanhã (21) o balanço das dívidas. Além desses dois processos, já transitados em julgado, referentes ao Bingo São João, que somam mais de R$ 5 milhões, existem outros 12 em que a CBCa é cobrada por dívidas contraídas por bingos que, no papel, estavam em nome dela —até a sanção da Lei Agnelo/Piva, há duas décadas, o esporte olímpico era financiado pelos bingos em nome das confederações.

Maia explicou que, no caso do São João, a CBCa até agora só sofreu derrotas. Há também débitos relativos ao Bingo Plaza, em que até agora a confederação não conseguiu emplacar uma tese que a livre de responsabilidade, mas o jurídico da confederação acredita em uma longa batalha judicial, com alguma chance de vitória.

Há, porém, também uma dívida mais recente, da Academia Brasileira de Canoagem (Abracan), entidade criada pela CBCa no começo da década passada, quando a confederação estava proibida de receber recursos federais, para poder colocar a mão em mais de R$ 30 milhões de patrocínio do BNDES. Nem todo o dinheiro foi aplicado como deveria e a tendência é que, mais cedo ou mais tarde, essa dívida volte para o colo da verdadeira responsável pelas irregularidades: a CBCa.

Na coletiva, atletas e dirigentes pediram o apoio da imprensa para divulgar mais a modalidade e tentar sensibilizar o poder público para que a dívida seja rediscutida ou perdoada. Não existe risco para a preparação dos principais atletas do país, como Isaquias, que há algum tempo tem sua estrutura em Lagoa Santa (MG) paga e administrada pelo COB. O mesmo com a seleção de canoagem slalom e com o time paralímpico, gerido pelo CPB.

Mas os comitês olímpico e paralímpico não podem pagar, por exemplo, a realização de campeonatos nacionais. Por isso, o Brasileiro de 2021 já foi cancelado. E aí começa uma bola de neve: sem campeonato, os jovens atletas não conseguem resultados para pleitear Bolsa Atleta e, sem o benefício, terão maiores dificuldades em continuar no esporte. Para Isaquias Queiroz, realizar esse Brasileiro, que ano passado custou R$ 1,5 milhão, segundo ele, deve ser prioridade.