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Danilo Lavieri

Brasileirão arranha imagem lá fora, enquanto gringos colonizam torcida aqui

Neymar, do PSG, apareceu em vídeo publicado pelo Everton para premiar Richarlison - Reprodução/Twitter
Neymar, do PSG, apareceu em vídeo publicado pelo Everton para premiar Richarlison Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

29/09/2020 04h00

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Enquanto os clubes brasileiros tropeçam nas próprias pernas na organização de um campeonato forte, equipes de fora aumentam a sua presença no país e aproveitam para conquistar torcedores e simpatizantes por aqui, especialmente os mais jovens. É uma espécie de "colonização" daqueles que estão cada vez mais desiludidos com o produto interno e preferem adotar times de outra cultura para chamar de seus.

Grandes como Liverpool, Manchester City e PSG se beneficiam pelo fato de terem brasileiros no seu elenco e atraem cada vez mais atenção nas redes sociais. Mas o espaço deixado pelos próprios times daqui é tão grande que até mesmo equipes de menor porte tentam aproveitar a lacuna.

Everton, Napoli, Tottenham, Monaco, Eintracht Frankfurt e Lille são exemplos de times que estão longe de serem gigantes na Europa e que já colhem bons resultados nas redes sociais por aqui.

Eles, inclusive, contratam agências especializadas para fazer o trabalho que muitas vezes é colocado em segundo plano pelos clubes brasileiros.

"O futebol é algo constante na cultura do povo brasileiro e isso faz do Brasil um local interessante para ampliação de marcas voltadas para este segmento. A presença dos principais jogadores brasileiros em equipes europeias somado ao grande interesse do público brasileiro em acompanhar esses clubes históricos em suas ligas domésticas faz com que a criação de conteúdo local, seja mais uma forma efetiva de construção de uma relação", disse ao blog Frédéric Fausser, CEO da Samba Digital, uma das principais agências que produzem conteúdo para esses times aqui no país.

"Atentos ao que acontece no mundo e, principalmente nas redes, aliamos a marca dos nossos clientes internacionais com assuntos e ganchos locais que nos permitem ampliar cada vez mais a presença de marca e nos conectarmos localmente", completou.

Em levantamento feito entre os dias 1º de julho e 22 de setembro, o PSG Brasil teve 1,9 milhão de interações no Twitter. Esse número coloca o time francês na frente de 11 clubes brasileiros da Série A: Grêmio, Botafogo, Bahia, Athletico-PR, Sport, Fortaleza, Ceará, Atlético-GO, Coritiba, Red Bull Brasil e Goiás.

São Paulo, Fluminense e Santos não perdem por pouco. Cada um deles teve, em média, 2,2 milhões de interações no mesmo período. E olha que estamos falando de um perfil que não é o principal do time e foi criado exclusivamente para dialogar com fãs brasileiros.

E não é por falta de público...

Não dá nem para dizer que é por falta de brasileiros nas redes sociais. É por falta de interesse mesmo. Em 2019, uma pesquisa da GlobalWebIndex mostrou que o Brasil é o segundo país em minutos de uso por usuário nas redes sociais, só atrás das Filipinas.

No mesmo ano, números publicados pelo World Internet Stats indicam que o Brasil tem quase 150 milhões de usuários de internet, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos. Segundo números do próprio Twitter, o Brasil é o seu segundo maior público, só atrás dos norte-americanos. E ainda assim o "país do futebol" não consegue fazer isso refletir nas redes.

Celular e criança 2 - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Crianças não largam mais o celular
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Você que tem mais de 45 anos e não tem filhos pode até não acreditar nessa influência e minimizar o impacto causado nas crianças. Mas estudos recentes mostram que a paixão passada de pai para filho ganha cada vez mais concorrentes fortes na hora da formação de um torcedor-consumidor.

Uma pesquisa realizada pelo NPD Group em 2019 mostrou que pelo menos 60% das crianças que acessam o Youtube depois compram - ou fazem seus pais comprarem - um produto influenciado pelo o que viram na rede social. E isso se replica entre os times de futebol. Logo depois de vencer o Atalanta pela Liga dos Campeões, o PSG vendeu, no Brasil, 1110% mais camisas no levantamento feito pela Netshoes. A audiência da final com o Bayern de Munique foi a maior dos últimos 30 anos na televisão fechada. Enquanto isso, comprar um uniforme de um time brasileiro no exterior é tarefa tão difícil quanto achar um bar passando jogos sul-americanos.

É claro que a desorganização brasileira para organizar um campeonato forte também passa pela fragilidade econômica dos clubes. Com mais dívidas do que faturamento, os times se desfazem de suas estrelas nas primeiras ofertas e perdem a chance de ganhar mais fãs e dinheiro com suas revelações não só na hora da transferência.

Gustavo Herbetta, fundador e CCO da agência de marketing Lmid e ex-superintendente da área do Corinthians, vê que esse problema a longo prazo só vai piorar.

"O que faz essa criança ainda escolher um time brasileiro? O elo com os seus pais. E quando essas crianças, que fatalmente irão escolher torcer também por um time europeu, forem os pais? No longo prazo, termo de difícil compreensão no futebol brasileiro, corremos o risco de perder grande parte de nossos torcedores. Portanto, hoje internacionalizar passa a ser muito mais um movimento de defesa e de nacionalização"

Brasileirão patina para valorizar marca lá fora

Enquanto os gringos estão cada vez mais organizados, o Brasil patina em conseguir fazer o básico. É tão difícil alguém do exterior ter interesse em assistir o Brasileirão que os clubes tiveram que vender por um preço irrisório os direitos de transmissão internacional do campeonato. A aposta é que o interesse aumente e o valor praticado cresça.

Herbetta entende que o Brasil perdeu o ponto de entrada para tentar melhorar a penetração no mercado externo e que agora precisa achar outras estratégias.

"Clubes ingleses primeiramente conquistaram o sudoeste asiático: China, Coreia, Japão. E essa já foi a primeira oportunidade de marca brasileira perdida - Flamengo no Japão, com a idolatria em relação a Zico e Alcindo. Ali poderia haver uma fagulha. Mas não dá para voltar no tempo e conquistar território", analisou.

"O mais irônico de atestar que os clubes brasileiros perderam o trem da internacionalização é saber que o produto mais internacional do futebol mundial é brasileiro: a seleção brasileira! Mais de 50% de toda a base de fãs da seleção nas redes sociais são de fora do Brasil. A maior parte de camisas da seleção produzidas pela Nike são vendidas fora do Brasil", ponderou.

A pergunta que fica é: como um gringo vai se interessar por um Campeonato onde dois de seus principais times não sabiam se jogariam até 10 minutos antes de o horário marcado para a bola começar a rolar. No domingo (27), o jogo foi transmitido para quase 90 países.

Jogadores do Palmeiras aguardam entrada do Flamengo para o campo de jogo - Marcello Zambrana/AGIF - Marcello Zambrana/AGIF
Quase 90 países precisaram lidar com o atraso de 20 minutos para o jogo começar
Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

A confusão fez a audiência de um dos jogos mais atrativos do campeonato despencar até mesmo no nosso quintal. Palmeiras x Flamengo, que marcava o encontro dos últimos dois campeões, registrou um Ibope pior do que havia sido a partida entre Palmeiras e Grêmio no fim de semana anterior.

Nunca um produto teve tantas ferramentas para se valorizar tanto pelo mundo como as redes sociais. O Brasil não só tem dificuldades de usar esse potencial como ainda enfrenta alguns conceitos antiquados nos maiores clubes do país.

Para ficar em só um exemplo, o Palmeiras recentemente encontrava dificuldades de produzir conteúdos exclusivos para as suas redes porque Luiz Felipe Scolari achava que isso tirava a privacidade do seu grupo e tinha o aval até de Alexandre Mattos para tal comportamento.

"O anúncio da venda dos direitos internacionais do Campeonato Brasileiro, feita pelos clubes recentemente, é um primeiro passo, pequeno, mas fundamental para que se possa dar outros mais adiante. Realizar os próximos movimentos em conjunto, e não individualmente, talvez seja uma forma de recuperar tempo e diluir o investimento, assim como hoje a Premier League atua nos EUA e a La Liga na America Latina", finalizou Herbetta.