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Moradora faz campanha e vacina 97% da própria cidade contra covid nos EUA

Dorothy Oliver se mobilizou para vacinar os habitantes da pequena Panola, no Alabama - Reprodução/ PanolaProject
Dorothy Oliver se mobilizou para vacinar os habitantes da pequena Panola, no Alabama Imagem: Reprodução/ PanolaProject

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba (PR)

08/01/2022 06h00

Dorothy Oliver já era conhecida há anos entre os moradores da pequena Panola, no estado do Alabama, mas foi durante a pandemia da covid-19 que a comerciante se estabeleceu como uma líder comunitária. Ela foi a responsável por uma campanha que resultou na vacinação de 97% dos moradores de sua cidade contra o novo coronavírus. Em regiões como a de Dorothy, rurais e com população majoritariamente negra, a taxa de imunização não costumava passar de 36%, segundo as autoridades de saúde norte-americanas. Com a iniciativa da moradora, 100% da população com mais de 65 anos recebeu sua dose.

Cerca de 400 pessoas vivem em Panola. A cidade tem uma estrutura de saúde precária e muitos moradores não têm acesso a smartphones, internet e meios de transporte. O posto de vacinação mais próximo da casa de Dorothy fica em Livingston, a 64 quilômetros de distância —o que levou a comerciante a perceber que a ação do governo não seria suficiente para vacinar toda a sua comunidade.

Segundo Dorothy, quem queria ser vacinado sequer sabia como seria atendido, já que não conseguia agendar a vacinação pela internet nem pelo telefone. Se conseguisse agendamento, também não teria como se locomover. "Precisamos nos defender sozinhos porque ninguém mais vai nos ajudar. Sempre foi assim para os negros pobres que vivem no país", disse a voluntária, em entrevista ao "The New York Times".

De porta em porta

O trabalho da comerciante começou com uma abordagem simples. Ela perguntava a todos que entravam em sua loja de conveniência, montada em um trailer, se já haviam conseguido tomar a sua dose. Nessa conversa, ela tentava mostrar aos clientes a gravidade da covid-19 e a importância da imunização contra a doença. Ainda assim, não bastava conscientizar a população. Era preciso resolver também obstáculos logísticos.

Dorothy passou então a telefonar para outros moradores e a ir de porta em porta convencê-los sobre a vacinação. Para cada "sim" que conseguia, fazia o agendamento da aplicação de uma dose e tentava conectar essas pessoas com quem poderia transportá-las.

No entanto, nem sempre havia vagas disponíveis. Em Livingston, a farmácia que oferecia as vacinas tinha uma lista de espera com centenas de nomes. A demora no atendimento, segundo Dorothy, era provocada pela falta de profissionais de saúde. Nessa unidade, havia apenas o proprietário para fazer todas as tarefas do estabelecimento e aplicar as doses.

Posto temporário

Com ajuda da comissária do condado de Sumter, Drucilla Russ-Jackson, Dorothy levou uma clínica temporária de vacinação para a cidade, mas com a condição de que pelo menos 40 pessoas estivessem inscritas para receber o imunizante. A comerciante intensificou o trabalho de porta em porta, a fim de persuadir a vizinhança. Aos poucos, a lista necessária para trazer as vacinas foi sendo completada e foi possível oferecer pela primeira vez um ponto de vacinação local.

Posto - Reprodução/ Panola Project - Reprodução/ Panola Project
Posto de vacinação temporário na cidade de Panola, Alabama (EUA)
Imagem: Reprodução/ Panola Project

Para Dorothy, a estratégia deu certo porque ela nunca pressionou os moradores ou se dirigiu a eles de maneira autoritária. Pelo contrário, reforçou, a ideia sempre foi encorajá-los a se proteger do coronavírus. "Eu não vou até eles dizendo 'você tem que fazer isso'", comentou ela ao site da "The New Yorker".

Enquanto alguns moradores agradeceram a iniciativa e se juntaram à lista dos interessados na vacina, outros demandaram um esforço maior da voluntária. Os receios eram relacionados a possíveis efeitos colaterais do imunizante e até ao histórico do governo em experimentos para tratar sífilis entre a população negra no estado, no que ficou conhecido como caso Tuskegee.

Ainda assim, Dorothy conseguia contornar a situação ao enfatizar o quanto a covid-19 havia provocado mudanças na comunidade. "Mesmo sendo uma cidade pequena, a covid também os impactou. Muitos perderam seus irmãos, irmãs, mães e pais", pontuou.

Reconhecimento

A voluntária perdeu o marido após um acidente de caminhão e disse tirar da experiência que a deixou viúva o propósito para suas ações na pandemia. Na época do acidente, não foi possível levar o companheiro para Birmingham, cidade com recursos para atender a vítima. "Se ele tivesse sido levado para lá, teria ficado bem. Quer dizer, é por isso que trabalho tanto, estou falando sério porque está no meu coração fazer o que preciso fazer para ajudar as pessoas", explicou.

Recentemente, o trabalho de Dorothy foi registrado pela "The New Yorker" no documentário Panola Project. Ela também foi a vencedora do Best of Humankind Awards, premiação promovida pelo USA Today.