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Você separa cápsulas de café? Empresa depende de consumidor para reciclagem

Cápsulas de café da Nespresso contêm somente 1 grama de alumínio, o que dificulta interesse de terceiros pela reciclagem - Reprodução/Nespresso
Cápsulas de café da Nespresso contêm somente 1 grama de alumínio, o que dificulta interesse de terceiros pela reciclagem Imagem: Reprodução/Nespresso

Angela Nunes

de Ecoa

14/10/2019 07h00

"Eu sempre tive a preocupação de separar o lixo, mas costumo jogar as cápsulas de café no lixo comum. Não sabia que precisava entregar de volta em uma loja", diz o administrador André Oliveira, morador de Atibaia (SP). O cenário apontado pelo consumidor da Nespresso é um dos grandes desafios da marca especializada em café expresso: garantir que as cápsulas retornem para a empresa para serem recicladas.

Apesar de as cápsulas já terem nascido 100% recicláveis desde os primeiros experimentos, em 1970, e de a Nespresso, marca criada pela Nestlé em 1986, ser a líder em reciclagem do setor, apenas 28% das cápsulas comercializadas pela empresa em todo o mundo têm um destino sustentável.

Elas são compostas basicamente de alumínio (há também um pequeno percentual de papel, que atua na filtragem), e o que torna esse processo tão desafiador é, principalmente, o baixo valor comercial das cápsulas pós-uso: cada unidade possui apenas um grama de alumínio. Em comparação, as latas de refrigerante e cerveja têm em média 13 gramas do mesmo material.

Enquanto existe uma alta demanda pelas latas, as cápsulas são descartadas como lixo comum até mesmo em cooperativas de reciclagem. Além disso, apesar de simples, a separação do alumínio e da borra de café exige uma máquina específica, desenvolvida pela própria Nespresso.

Centro de reciclagem da Nespresso em Osasco (SP) - Angela Nunes - Angela Nunes
Na reciclagem, a cápsula é separada em alumínio (à frente) e borra de café
Imagem: Angela Nunes
O caminho encontrado pela marca foi tentar engajar os consumidores. Justamente pelo baixo valor comercial de suas cápsulas, precisa que seus clientes devolvam os itens usados para conseguir subir os índices de reciclagem.

"Nos últimos anos, nós passamos a ser questionados [sobre o destino ambientalmente correto das cápsulas]. Era algo que já estávamos fazendo, mas não comunicávamos. Por isso, aceleramos essa comunicação e passamos também a atuar mais fortemente para engajar o consumidor", afirma Claudia Leite, Gerente de Criação de Valor Compartilhado e Comunicação Corporativa da Nespresso.

Hoje, os mais de 100 postos de coleta e a parceria, ainda embrionária, com cooperativas atendem a mais de 80% dos clientes, segundo a empresa, mas apenas 22% do total dos seus cafezinhos consumidos no país voltam para a companhia.

Onde descartar?

No site da Nespresso, há um serviço para que o usuário possa localizar o posto de coleta mais próximo, o que inclui lojas próprias, bares e restaurantes. Alguns bairros de São Paulo e Rio de Janeiro também podem devolver as cápsulas usadas ao receber novas em casa por meio de pedido on-line com "Entrega no Mesmo Dia".

O desafio, porém, ainda é oferecer a coleta para além dos grandes centros. Municípios do interior de São Paulo, por exemplo, têm as cidades maiores como local mais próximo. Para exemplificar, Americana teria que descartar em Campinas, e Atibaia, em Jundiaí, o que fica inviável.

Márcio Duarte, consumidor da Nespresso - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Márcio Duarte passou a devolver as cápsulas em BH quando recebeu a sacolinha da Nespresso
Imagem: Arquivo pessoal

A empresa recomenda que, nas cidades onde não houver um posto da Nespresso, o consumidor descarte por meio da coleta seletiva, mas afirma que, como seu modelo de negócios é baseado no relacionamento direto com os clientes, que permite saber onde eles estão, até o próximo ano 100% dos consumidores devem ter acesso a meios para descartar corretamente as cápsulas.

Para Márcio Duarte, que trabalha com gerenciamento de resíduos sólidos em Belo Horizonte (MG), essa é uma boa notícia. "Eu comprava Nespresso, mas não me preocupava muito com a reciclagem das cápsulas. O estalo veio quando passaram a me oferecer nas lojas da marca a sacolinha", conta, referindo-se às embalagens entregues pela marca para incentivar os consumidores a levar os resíduos de volta para a reciclagem. "Quanto tive acesso, comecei a fazer", completa.

Sacola Nespresso - Reprodução/Nespresso - Reprodução/Nespresso
Sacola para armazenar cápsulas usadas é distribuída gratuitamente nas lojas da Nespresso
Imagem: Reprodução/Nespresso

Reciclagem das cápsulas

O material recolhido em todo o país segue para o Centro de Reciclagem da Nespresso, localizado em Osasco, na Grande São Paulo, onde o alumínio é separado da borra. O metal é encaminhado para a empresa de reciclagem Latasa para ser processado e reutilizado. Já o pó de café vai para a empresa de substratos e fertilizantes Biomix, onde é transformado em adubo.

A Nespresso não divulga o volume comercializado, mas é a líder do segmento no Brasil, com 45% de market share (participação de mercado), segundo a empresa de pesquisa de mercado Euromonitor International.

Apesar de a participação geral do cafezinho individual ainda ser pequena quando comparada ao total de café consumido pelos brasileiros - menos de 2% -, só em 2019 serão descartadas mais de 11 mil toneladas de cápsulas de café no país. Para se ter uma ideia do tamanho do desafio, as cooperativas parceiras da Nespresso recolhem hoje menos de uma tonelada.

A boa notícia é que o percentual reciclado no país vem crescendo de forma consistente: era 8,6% em 2016, 13,3% em 2017, 17% em 2018 e 23% em 2019, e a expectativa da empresa é continuar aumentando nos próximos anos.

Centro de reciclagem da Nespresso em Osasco (SP) - Angela Nunes - Angela Nunes
Depois de separado, o alumínio é prensado e segue para empresa que reutiliza o material
Imagem: Angela Nunes

Cadeia sustentável

A Nespresso investe hoje o equivalente a cerca de R$ 150 milhões de reais por ano em todo o mundo para as ações de reciclagem, incluindo logística reversa (coletar e destinar para a reciclagem materiais descartados pelos consumidores), processamento das cápsulas usadas e engajamento dos clientes. No Brasil, o investimento anual é de R$ 5 milhões.

O compromisso da Nespresso, no entanto, não é apenas com o descarte, explica Claudia. "É claro que o pós-consumo é uma etapa muito importante, mas não é a única. A gente olha para toda a cadeia: como esse metal está sendo extraído, que impacto pode estar causando, qual o padrão de desempenho sustentável que a gente pode trazer para o alumínio", diz.

"As metas desenhadas globalmente pela companhia para o ano de 2020 se baseiam em três pilares: 100% do café adquirido de maneira sustentável; 100% da gestão responsável do alumínio, desde a extração até o consumo; e reduzir e neutralizar a pegada de carbono [emissão de gases que provocam o efeito estufa]", completa.

Para Ana Felix, especialista em cafés de São Paulo, a preocupação com a reciclagem passou a fazer parte de sua rotina somente depois de ingressar em uma loja da marca e entender o impacto positivo que ações simples como entregar as cápsulas de volta podem gerar.

"Eu não reciclava nada, não tinha esse hábito. Hoje, eu separo o lixo e, mesmo não tendo coleta seletiva onde moro, entrego no posto de coleta", conta. Recentemente, em uma campanha interna de incentivo à reciclagem, Ana juntou sozinha 30 quilos de cápsulas. "A preocupação com o meio ambiente é real. Com certeza ainda há muito para fazer, mas todo mundo pode ajudar", completa.

História rápida Quando o primeiro sistema de café expresso em cápsulas foi desenvolvido, em 1970, o objetivo era permitir que qualquer pessoa pudesse preparar sozinha um café tão saboroso quanto os elaborados por baristas italianos, profissionais especializados em cafés de alta qualidade. A iniciativa, realizada pela área de Pesquisa e Desenvolvimento da Nestlé, teve boa aceitação e, em 1986, o grupo criou a Nespresso, marca que alterou profundamente o mercado e tornou-se sinônimo de café expresso.

Nesta seção, são publicadas histórias pontuais de boas práticas empresariais, sem levar em consideração outras ações das empresas. As pautas são escolhidas segundo critérios jornalísticos e publicadas após processos rigorosos de apuração, sem nenhum tipo de acordo monetário.