'Não é caridade': para empresa ser diversa, inclusão deve impactar negócio

Cada vez mais diversidade e inclusão têm sido associadas a uma estratégia positiva para os negócios. Os seus benefícios são vários: boa reputação, funcionários mais felizes, competitividade e até a probabilidade de superar a performance dos pares que não investem no tema.

Mas, para promover, de fato, diversidade e inclusão em um ambiente empresarial, elas não podem ficar só no discurso, segundo especialistas que realizam esse trabalho.

Precisam sair do cercadinho do RH e gerar lucro, impactar o negócio. Não pode ser algo para a empresa apenas mostrar que é "boazinha" ou que está engajada nas pautas discutidas pela sociedade. A seguir, três empresas compartilham com Ecoa projetos que colocaram em prática —e que deram certo.

Mulheres em vulnerabilidade social

Buscando atender a uma demanda e, ao mesmo tempo, trazer diversidade e inclusão para o negócio, a Cyrela lançou o projeto Construtoras de Sonhos, que contrata mulheres em situação de vulnerabilidade social para trabalhar em obras, pós-obras, nos segmentos de elétrica, hidráulica e segurança do trabalho.

A iniciativa integra uma das ações do PlurAll, programa de diversidade e inclusão da companhia.

Renata Meireles, gerente de RH da Cyrela
Renata Meireles, gerente de RH da Cyrela Imagem: SEIS2 Produções

Após passar por um processo seletivo, as mulheres fazem cursos técnicos na área de construção civil. Além disso, recebem orientações sobre gerenciamento de carreira, dinheiro, como ter uma comunicação assertiva, acolhimento, resgate da autoestima e empoderamento.

As mulheres já chegam qualificadas para a contratação. Foi um ganho alto para a empresa que tinha uma necessidade de mão de obra e conseguiu suprir com público diverso.
Renata Meireles, gerente de RH da Cyrela

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Discurso nem sempre convence

Segundo a gerente, adotar práticas de diversidade e inclusão como algo à margem do negócio não promove o engajamento da alta liderança.

"Eles têm que enxergar a diversidade como uma solução [para o negócio], e não como algo que fazemos apenas porque é correto e porque somos uma empresa boazinha", diz.

O discurso é importante, mas quando se fala com os executivos, nem sempre é isso que convence, de acordo com Meireles. "O que convence é mostrar que ações diversas e inclusivas realmente trazem valor e retorno para o negócio."

Ela diz, ainda, que uma das formas de envolver toda a companhia é usar recursos internos e contar com o apoio e a participação dos profissionais de outras áreas nas demandas dos projetos. "Acionamos nossos colaboradores para dar formação, treinamentos, mentorias. Não precisamos de muito investimento financeiro para ter diversidade, precisamos do comprometimento da empresa".

Taxa de retenção é alta

Ana Paula Teodoro, participante do programa da Cyrela
Ana Paula Teodoro, participante do programa da Cyrela Imagem: Divulgação

Lançado em 2022, o Construtoras de Sonhos está em sua 3ª edição, tem taxa de retenção de 89% e já é reconhecido entre os gestores de operação que pedem para as vagas na construção civil serem preenchidas com as mulheres do projeto.

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Uma das 64 impactadas do programa, Ana Paula Teodoro, 36 anos, cresceu em situação de rua, sofreu abusos e foi vítima de violência doméstica quando veio para São Paulo. Ela conheceu o Construtoras de Sonhos, onde se tornou ajudante de eletricista.

Trabalhar numa empresa diversa é motivador e satisfatório. Eu me sinto representada e sou grata por ser vista e aceita como mulher e profissional num ambiente predominantemente masculino, como o canteiro de obras.
Ana Paula Teodoro

Programa para lideranças 100% afirmativo

Com 40% do quadro total de funcionários composto por negros, sendo 10% nos cargos de liderança, a Mondelez Brasil quer aumentar este número e, para isso, aposta no Mondelíderes, um programa de trainee para lideranças 100% afirmativo.

Daniela Sagaz, head de Diversidade, Equidade e Inclusão da Mondelez Brasil
Daniela Sagaz, head de Diversidade, Equidade e Inclusão da Mondelez Brasil Imagem: Divulgação

A edição deste ano é voltada para pessoas pretas e pardas e tem como objetivo preparar 12 talentos para se tornarem gerentes de diferentes áreas dentro da organização no período de 20 meses.

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A iniciativa faz parte de uma estratégia da Mondelez —dona de marcas como Lacta, Tang, Oreo e Club Social— que, ao lado de outras 48 empresas, integra uma organização sem fins lucrativas chamada Mover, Movimento pela Equidade Racial. Juntas, elas se comprometeram em criar 10 mil posições de lideranças negras e 3 milhões de oportunidades até 2030 e conscientizar e combater o racismo.

Ao focar nosso programa afirmativo em uma edição exclusiva para pessoas pretas e pardas adotamos uma estratégia acelerada que, ao mesmo tempo, conecta a meta interna da empresa e o nosso compromisso externo.
Daniela Sagaz, head de Diversidade, Equidade e Inclusão da Mondelez Brasil

Diversidade como estratégia de negócios

Ainda segundo a profissional, o foco em diversidade, equidade e inclusão não é uma agenda nem uma pauta na Mondelez, mas uma estratégia de negócios, que, assim como outras áreas, trabalha com números e metas que impactam diretamente nos lucros, resultados, avaliações. O tema também não fica restrito aos quatro grupos de afinidade (equidade de gênero, equidade racial, inclusão de PCDS e LGBTQIAP+) da empresa.

Daniela Sagaz acredita que uma companhia é diversa e inclusiva quando há o envolvimento de todos os setores, uma liderança conectada e um propósito em comum.

"Já trabalhei em organizações em que a diversidade ficava só na base e a liderança não comprava a ideia. Na Mondelez, a mensagem vem de cima para baixo, nossos líderes repassam o tema em suas agendas, reuniões, em discussões de talentos, em pesquisas de engajamento. Dessa forma, vamos fazendo a diferença e conseguimos implementar uma cultura sólida".

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Para Sagaz, a Mondelez ainda está no caminho, mas já possui várias ações inclusivas.

Como mulher e uma pessoa com deficiência, que faz parte de dois grupos sub-representados, e ocupa uma cadeira de liderança, posso afirmar que a empresa é diversa e inclusiva.
Daniela Sagaz

Amarante conscientiza pela TV

Ana Carolina Meneses, Diretora de Gente e Gestão da Amarante
Ana Carolina Meneses, Diretora de Gente e Gestão da Amarante Imagem: Divulgação

Com o selo de um dos melhores lugares para se trabalhar pelo 4º ano consecutivo, a Amarante viu dentro dos três resorts all-inclusive que administra (Salinas Maragogi, Salinas Maceió e Japaratinga Lounge Resort) a oportunidade para educar e conscientizar seus colaboradores sobre diversidade e inclusão.

Com 12 planos de ação, um que já está em execução é a exibição de conteúdos nas TVs espalhadas pelos resorts, como lobby e quartos. A ferramenta é conhecida como mídia indoor e tem como objetivo ser um ponto de divulgação em estabelecimentos fechados.

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O conteúdo traz orientações e explicações sobre o que é diversidade, gênero, questões étnico-raciais, como se referir a uma pessoa trans, que termos e atitudes são consideradas preconceituosas, entre outros.

"A grande vantagem das TVs é que o trabalho de educação e conscientização atinge os funcionários, mas também os hóspedes. Ambos se sentem acolhidos, seguros e respeitados nos resorts", diz Ana Carolina Meneses, diretora de Gente e Gestão da companhia.

Na Amarante, nossos colaboradores e clientes podem ser quem eles verdadeiramente são ou quem eles querem ser. Não toleramos nenhum tipo de discriminação.
Ana Carolina Meneses

Uma outra frente de atuação da Amarante é por meio de um comitê de diversidade, que é responsável por aprovar, acompanhar e se certificar de que as ações discutidas nos quatro grupos de afinidade (gênero, étnico-racial, LGBTQIAP+ e PCD) estão sendo implementadas.

Diversidade precisa envolver toda a empresa

Segundo Ana Carolina Meneses, o comitê e os grupos de afinidade são formados por profissionais de diferentes níveis hierárquicos, como diretor, gerente e coordenador na função de sponsors.

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"A diversidade e inclusão não pode ficar só sob a ótica do RH e dos núcleos especializados, esse tema precisa estar formalizado no plano estratégico e envolver toda a empresa, o que inclui a participação de colaboradores com cargos iniciais na carreira até a liderança", diz.

Para a diretora, uma empresa mais diversa e inclusiva ganha nos quesitos criatividade, inovação e competitividade. Atualmente, o quadro de colaboradores da Amarante é composto por 44,32% de mulheres; 71,35% de negros; 3,18% de pessoas com deficiência; 15,54% de pessoas 40+ e 13,92% do público LGBTQIAP+.

Os erros cometidos por empresas

Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos Consultoria
Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos Consultoria Imagem: Araújo Audiovisual

O principal erro cometido pelas empresas quando o assunto é promover a diversidade é não ter uma estratégia de inclusão baseada em dados, diz Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos Consultoria.

Antes de definir para onde a empresa quer ir, ela precisa saber onde está. Só assim será possível desenhar a estratégia mais adequada, com mudanças de processos, implementação de novas políticas, letramentos e ações de comunicação.
Gabriela Augusto

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Segundo Gabriela Augusto, uma forma de a diversidade não ser apenas um discurso do RH é os colaboradores entenderem que inclusão não é caridade nem um favor —e que todos podem e devem participar dessa construção.

"Com o apoio das lideranças, times de comunicação, RH, atendimento ao cliente, fica mais fácil implementar uma estratégia que esteja pulverizada em várias frentes de uma mesma organização. O impacto é muito maior".

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