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Como Whindersson Nunes está ajudando surdos a sentirem a música pela 1º vez

Juliana Vaz

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

07/07/2023 06h00

De Tauá, no Ceará, Maria Rita é uma das as 2,3 milhões de pessoas que têm algum grau de surdez no Brasil, o que corresponde a 1,1% do total da população mundial, de acordo com o levantamento do IBGE de 2019.

Como qualquer adolescente de sua idade, aos 17 anos ela se espelha em vídeos do TikTok para aprender a dançar. Vê os passos na tela do celular, aproxima as mãos de uma caixa de som para sentir a vibração da música e treina até "encaixar" os movimentos no ritmo.

No ensino médio, começou a ter aulas de robótica e imaginava como a tecnologia poderia ajudá-la a sentir a música, a dançar, mas principalmente participar de em ambientes como shows, festas e outros eventos culturais.

O método de ensino de robótica que ela estudava foi desenvolvido pela startup TRON, do Piauí — fundada pelo físico Gildário Lima e que tem como sócio o influencer e artista Whindersson Nunes.

"Conheci o Gildário em 2021, quando ele me apresentou o projeto. Por ser do Piauí, envolver ciência, tecnologia e educação, isso conversou muito com a nova fase de vida que estou construindo: me dedicar mais às coisas que façam a diferença. Pretendo inclusive fazer uma graduação voltada para física aplicada", conta Whindersson.

O encontro de Maria Rita e Gildário aconteceu em meados de 2020 durante as visitas regulares que o empreendedor e físico faz às escolas que usam a metodologia Tron.

A estudante expôs a ele sua necessidade e desejo de criar uma ferramenta que auxiliasse mais pessoas como ela a "ouvir" música.

"Eu voltei com aquilo na cabeça e estudei mais sobre o assunto. Vimos que existiam no mundo algumas tecnologias, mas nada parecido com aquilo que queríamos fazer. Existem dispositivos que vibram, mas nós queríamos entrar num contexto mais profundo, que conseguisse captar os diferentes alturas, intensidades e timbres da música. Eu assumi naquele momento o compromisso de tentar, com o uso de robótica aplicada, desenvolver um dispositivo que auxiliasse pessoas como ela a sentirem a música por meio de estímulos mecânicos", conta Gildário.

O dispositivo MR

Maria Rita conta que ela e um grupo de surdos passaram a testar qual seria o melhor caminho para atingir esse objetivo. Desenvolveram, então, um dispositivo que emitisse vibrações de músicas. "Primeiro testamos colocando nas costas, mas todos que fizeram o teste concordaram que o melhor lugar para a gente sentir o sim seria a parte do torax", conta a jovem.

O aparelho é como um colete, com dispositivos que captam as ondas sonoras do ambiente, processam e transformam em vibrações mecânicas na região do tronco. O protótipo tem autonomia de três horas de bateria, permitindo que o usuário se movimente livremente.

"A tecnologia é dividida em partes: o colete, em tecido e EVA costurado à máquina, mesmo, e a parte impressa em 3D, que são os 'motores'. A ideia é que seja um molde simples de ser reproduzido por uma costureira, por exemplo. E o processador é uma tecnologia que a TRON, desenvolveu também com o objetivo de fácil replicação, pois utilizamos materiais Open Source, por exemplo, a gente utiliza Arduino [uma plataforma programável de prototipagem eletrônica e hardware livre, que permite aos usuários criar objetos eletrônicos interativos e independentes]", explica Gildário.

Maria Rita curte o Rock in Rio usando a tecnologia MR, batizada com as iniciais dela - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Maria Rita curte o Rock in Rio usando a tecnologia MR, batizada com as iniciais dela
Imagem: Reprodução/Instagram

A proposta é que seja um equipamento sem patente protegida, para que qualquer pessoa possa acessar e construir seu dispositivo, tornando a tecnologia mais acessível.

Outra forma de captação que a TRON está trabalhando é por meio de um smartphone, onde o dispositivo se conecta a um aparelho e todos os sons que saem, independente do barulho externo, é convertido para experiência.

No processo de criação e aperfeiçoamento do dispositivo, batizado de MR (sigla de Maria Rita), voluntários surdos estiveram à frente para que o especialista pudesse adequar tudo às suas necessidades e aprimorar a tecnologia.

Gildário explica que o MR consegue dividir o som do grave, do médio e do agudo e transformar isso nos sensores que vibram. "Mas vibram na frequência da música, graças a uma série de detalhes que a tecnologia embarca".

Alguns testes foram realizados em ambientes de shows, mas o mais importante foi em setembro de 2022, no Rock in Rio, que mostra a importância de ter Whindersson Nunes no projeto: Maria Rita, sua amiga e intérprete Márcia Alexandre e o influencer carioca também surdo Alex Bill, participaram do show do trapper Lil Whind, o alter-ego de Whindersson Nunes.

Eu sempre quis muito ter uma experiência de um show. E aí quando senti a música do show através da sensação no meu corpo foi uma emoção, assim, que eu não tenho nem palavras para te descrever. Eu espero que no futuro a tecnologia e a robótica possam estar sempre presentes, porque com MR eu pude perceber todos os sons que estavam sendo produzidos naquele momento, das pessoas vibrando e das batidas da música. Foi algo maravilhoso, eu me senti incluída. Foi a primeira vez que eu senti isso", Maria Rita

Para Whindersson, a experiência também foi transformadora. "Senti que realmente estava fazendo algo útil e que desde os primeiros testes, os resultados já eram positivos. No RiR, percebi que serão milhões de pessoas que se beneficiarão do MR só no Brasil, trazer qualidade de vida as essas pessoas, me deixa muito feliz", diz.

O aprimoramento do dispositivo

Depois do teste no Rock in Rio, Maria Rita conta que percebeu a necessidade de ajustes no protótipo: "A caixinha [que fica na parte anterior do colete] é um pouco grande. Propus melhorias para reduzir o tamanho pela questão da estética, deixando o mais discreto possível. A sensação que ele proporciona é maravilhosa, mas a gente precisa melhorar essa parte estética".

O dispositivo criado pela TRON também foi pensado para ser responsável com o meio ambiente. A ideia da ONG é começar um projeto piloto em Teresina com cinco comunidades que vão se especializar em reciclagem da garrafa PET para produzir o filamento para impressora 3D,.

A versão do projeto está disponível no site da empresa. É uma versão de baixo custo, que tem versão aberta para que qualquer laboratório de robótica possa confeccioná-lo.

Investir em ciência não é fácil e somos limitados, por isso, aos poucos buscamos novos apoiadores e investidores para se juntarem à causa. A TRON tem muitos projetos incríveis. Eu e o Gildário damos o máximo para colocá-los em prática", Whindersson Nunes

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