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Kelly Fernandes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Onde está o espaço e a segurança dos esportes de rua?

Caio Vilela
Imagem: Caio Vilela

Colunista do UOL

28/04/2023 04h00

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Há uma escassez de áreas para a prática de esportes nas cidades brasileiras. Consequentemente - ou apenas por um interesse pessoal -, muitas pessoas buscam a rua como um espaço para a realização de caminhadas, corridas e ciclismo. Dado o caráter democrático das ruas, encontramos cada vez mais pessoas, sozinhas ou em grupo, realizando exercícios nos escassos, estreitos e esburacados espaços que as cidades costumam oferecer à população.

É importante reconhecer que os esportes de rua ampliam a acessibilidade às práticas de atividade física, ao serem livres, gratuitos e adaptáveis às rotinas que incluem trabalho, estudos, cuidados de crianças etc . Com apenas um par de tênis e alguns minutos de cada dia, é possível realizar corridas ou caminhadas na rua e assim deixar para trás algumas preocupações cotidianas — mesmo que por breves instantes — e contribuir para diminuir os índices de sedentarismo no Brasil, que são bastante preocupantes.

Muitas pessoas praticantes de corrida e ciclismo em áreas externas as realizam no horário noturno, explorando as oportunidades após o trabalho, mas também os momentos com menos tráfego veicular, de vias mais seguras e desobstruídas. Contribuem, assim, com a dinamização das ruas no horário noturno, tornando os espaços mais seguros para quem está retornando do trabalho ou da faculdade e, em vez de passar por uma praça ou margem de córrego escura e esvaziada, encontra lugares repletos de pessoas realizando esportes.

Lembrando que futebol, vôlei e skate também são esportes de rua e podem ser praticados em segurança em áreas públicas e ruas de lazer, isto é, reservadas em períodos determinados ou integrais para que as pessoas as ocupem sem correr risco da circulação veicular.

Muitas vezes, a falta de compreensão e prática do compartilhamento do espaço da via geram conflitos entre corredores, ciclistas e, principalmente, entre motoristas de carros e motos que, frequentemente, agem de maneira agressiva e arriscada em relação aos meios de transportes mais vulneráveis. Por esses motivos, mas também por conta do fato de que a exposição crônica à poluição do ar está associada a uma série de problemas de saúde como problemas respiratórios, cardiovasculares e neurológicos, é preciso tomar cuidado na hora de escolher o lugar para a realização da atividade física.

Portanto, enquanto os índices de motorização continuam altos e as tecnologias veiculares poluentes, evite caminhar ou fazer exercícios ao ar livre durante os períodos de pico de poluição, escolhendo rotas menos poluídas e/ou mais arborizada e amplas onde os poluentes são mais facilmente dispersados, reduzindo assim os efeitos negativos para a saúde.

Os poluentes atmosféricos, como partículas finas, ozônio e dióxido de nitrogênio, podem penetrar nos pulmões e no sistema cardiovascular e causar inflamação, estresse oxidativo e danos celulares, contribuindo para desdobramentos negativos para a saúde em um momento que procuramos exatamente o contrário. E, caso opte por realizar a prática durante o dia, por favor, não esqueça o protetor solar!

É importante nos atentarmos também ao fato de que as piores alternativas para esportes em áreas externas, em sua maioria, são ofertadas para moradores e moradoras de periferias. Enquanto cresce o interesse pelas residências próximas aos parques urbanos e às áreas verdes em bairros nobres da cidade, as periferias sofrem com a escassez de infraestrutura de esportes e recreação acessível. Lembrando que são os mesmos bairros onde a população tem expectativa média de vida 30 anos a menos do que uma pessoa que mora em áreas com população branca e, consequentemente, com maior renda e acesso a serviços básicos de saúde.

Um estudo realizado em 2019 pelo Ministério da Saúde brasileiro mostrou que 47,8% da população adulta brasileira não pratica uma quantidade suficiente de atividade física , o que é definido como pelo menos 150 minutos de atividade física moderada ou 75 minutos de atividade física vigorosa por semana. Além disso, 16% da população adulta relatou não praticar nenhum tipo de atividade física.

Tal contexto, somado à escassez de áreas verdes e recreativas, demanda a construção de caminhos alternativos para estimular o uso das ruas para atividade física e de caráter recreativo. Como a compreensão do espaço viário para além do ir e vir, isto é, como um espaço da permanência, sociabilidade, diversão e cuidados pessoais e coletivos.

Para tanto, são necessárias soluções que induzam outras formas de ocupação de ruas e avenidas através da melhoria da oferta de infraestrutura, mas também da inclusão de medidas de redução de velocidade veicular para diminuir o risco e exposição de quem opta pela prática de caminhada, corrida ou ciclismo urbano. Tais iniciativas podem contribuir para ganhos sociais de diferentes escalas.

Deixo, então, junto de uma proposta social para pensarmos um modelo de cidade que incentive a atividade física regular para as pessoas de todas as idades como uma preocupação de saúde pública, um convite pessoal para a inclusão de um esporte no seu dia a dia.