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Kelly Fernandes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Deixados no ponto: má qualidade das paradas expõe quem usa ônibus

Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

02/06/2023 04h00

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A coluna começou a ser escrita em um ponto de ônibus. Sim, um dos mais importantes equipamentos do sistema de transporte público coletivo, mas também um dos mais negligenciados. Paradas de embarque e desembarque são a porta de acesso aos sistemas de transporte público coletivo de ônibus: é ali que identificamos a melhor opção de itinerário, nos protegemos da chuva e do sol intenso enquanto esperamos o ônibus ou conversamos com alguém que encontramos por acaso.

Apesar da importância desses pontos como mobiliário urbano e equipamento de acesso ao sistema de transporte público, quem utiliza ônibus frequentemente se depara com essas estruturas quebradas ou subdimensionadas, sem bancos, sem iluminação, sem informação nem lixeiras ou outros componentes que poderiam tornar as experiências das pessoas mais agradáveis, saudáveis e confortáveis.

Durante uma visita de trabalho que fiz a uma cidade do litoral de São Paulo, notei a presença de um ponto de ônibus virado para o lado oposto do que costumo ver habitualmente, isto é, com a parte protegida com um vidro voltada para a pista. Estranhei e perguntei a uma pessoa residente na cidade que me acompanhava o porquê daquilo.

Ela imediatamente me respondeu com tom de obviedade: para proteger as pessoas do vento e da areia, já que o final da tarde na cidade sempre era acompanhado de fortes ventanias que carregavam a areia. A posição da estrutura contrária à qual foi projetada, portanto, evitava que as pessoas se machucassem enquanto aguardavam o ônibus.

Mesmo com a explicação convincente, não deixei de refletir sobre o porquê de o desenho dos pontos de ônibus não responder às condições ambientais locais ou às necessidades específicas daquela população em vez de simplesmente inverter um modelo utilizado como padrão único para cidades distintas.

Isso acontece porque os pontos de ônibus, assim como outros equipamentos utilizados nos sistema de transporte, são opções preestabelecidas de catálogos que respondem às demandas das grandes capitais metropolitanas localizadas majoritariamente nas regiões Sul e Sudeste do país.

Por mais que a padronização possa dar ganho de escala em alguns casos, por vezes pode desconsiderar necessidades locais e desafios impostos pelos diferentes biomas, fazendo com que em diversas cidades seja necessário improvisar adaptações nessas estruturas . Contudo, essas adaptações podem induzir outros problemas, como a diminuição da visibilidade de quem procurar identificar se o próximo ônibus é o seu, conforme nesse caso da estrutura do ponto de ônibus dando as costas para a via.

Compartilho essa história com o objetivo de chamar a atenção para as diferentes necessidades que precisam ser observadas antes de tomar decisões sobre o desenho dos pontos de ônibus, inclusive sobre os posicionamentos de embarque e desembarque, a distância entre as paradas, as características dos abrigos, informativos disponíveis e todos os equipamentos complementares.

Por exemplo, falar sobre a distância entre as paradas de ônibus é tratar do tempo necessário para embarcar, o que às vezes, se inadequadas, significa aumentar a chance de perder o ônibus - como aconteceu comigo hoje.

Abordagens estritamente técnicas podem alegar que a existência de muitas paradas de ônibus é responsável por reduzir a velocidade e aumentar o tempo até o destino final. É verdade, ainda mais em se tratando de sistema de corredores de ônibus exclusivos ou BRTs (Bus Rapid Transit, na sigla em inglês).

Mas, para quem usa o sistema, principalmente em áreas com mais densidade populacional e periféricas, a distância entre as paradas pode reduzir o tempo de operação do sistema, mas pode ampliar o tempo de deslocamento total frente ao aumento da distância a ser percorrida a pé. Lembrando que as caminhadas até o ponto de ônibus comumente acontecem em calçadas esburacadas, sem acessibilidade e com travessias mal sinalizadas.

Ademais, argumentações estritamente técnicas podem também defender a substituição de abrigos por apenas uma sinalização indicativa da parada alegando baixa demanda de pessoas usuárias. Todavia, a estrutura completa faz falta para a realidade de pessoas que utilizam esses pontos entre jornadas exaustivas de trabalho, muitas vezes esperando pelo próximo ônibus por longos períodos em pé, sob chuva ou sol intenso - como bem lembrou o diretor geral da Ciclocidade, Ricardo Machado, em post recentes em suas redes sociais.

Entre algumas soluções que podem ser implementadas para a melhoria dos pontos de ônibus está a que considero a principal: trabalhar os pontos de embarque e desembarque como parte do sistema, assim como as calçadas e ciclovias do seu entorno, o que implica repensar a gestão do sistema, licitações, contratos etc.

Iniciativas como as do Teto Verde Favela são um ótimo exemplo de como contribuir para a qualificação desses equipamentos e, portanto, com o conforto, segurança e acessibilidade de quem espera no ponto, instalando jardins sobre as paradas de ônibus de favelas da cidade do Rio de Janeiro.

Além disso, outro projeto relacionado é o Projeto Parada Verde, na cidade de Caxias do Sul-RS, que inclui também placas solares que viabilizaram a instalação de pontos de recarga de celular e iluminação com lâmpadas de LED.

Por último, é importante explorar alternativas para converter pontos de ônibus em equipamentos de segurança. Tal medida pode ser feita com a instalação de botões de pânico que acionam agentes de segurança pública, por exemplo, ou mesmo de infraestruturas de apoio para situações de enchentes, reduzindo a exposição de quem espera em situações de chuva intensa.

Existem muitas iniciativas para além dessas citadas. O mais importante é integrar os pontos de ônibus e seu entorno ao sistema público de transporte, garantindo instrumentos que possam prover dignidade, conforto e segurança para quem utiliza o transporte público.