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Kelly Fernandes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Esqueça o carro: 10 motivos para não incentivar a venda de automóveis

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Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

12/05/2023 04h00

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Automóveis não são capazes de garantir a livre circulação da população brasileira, portanto não deveriam ocupar espaço de destaque em políticas públicas e econômicas. Como justificativa, apresento dez argumentos.

Primeiro deles está relacionado com o aumento do tempo que as pessoas ficam paradas no trânsito em longos trechos de congestionamento, que podem parecer intermináveis em horários de pico. Destacando que os congestionamentos também são responsáveis pela redução da eficiência do transporte público coletivo. Parado no trânsito, um ônibus consome mais combustível, gera mais poluição e torna ainda mais longos e desgastantes os deslocamentos das pessoas que o utilizam.

O segundo refere-se ao aumento do consumo de combustíveis fósseis para manter a nova frota veicular em circulação. Mediante a presença de gases poluentes no ar - como dióxido de carbono, óxidos de nitrogênio e partículas finas - o efeito direto é a piora da qualidade do ar e, consequentemente, maior recorrência de doenças cardiorrespiratórias. Nesse cenário, as pessoas idosas e crianças são as mais sujeitas a infecções respiratórias.

Na terceira posição, o crescimento das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) também é um fator de preocupação. Ao contribuir com o aquecimento global, o alto índice de emissão de GEE está diretamente relacionado com o aumento de ilhas de calor, chuvas intensas e deslizamentos de encostas.

Atualmente, o volume de emissões geradas em cidades cresce e os principais responsáveis são os veículos que consomem combustíveis fósseis (gasolina e diesel), ainda que existam acordos internacionais que determinam metas de redução progressiva de emissões para conter os efeitos do aquecimento global que colocam em risco a vida humana.

Em quarto lugar está a degradação ambiental frente à necessidade de investimentos em ampliação, requalificação e construção de novas ruas, avenidas, estradas e estacionamentos para acomodar os novos veículos. Investimentos que são rapidamente exauridos, visto que em pouco tempo a nova infraestrutura é saturada pela chegada de mais veículos motorizados, além de serem revertidos em prejuízos ambientais decorrentes da impermeabilização do solo e ocupação urbana horizontal e difusa.

Efeito perceptível em cidades pequenas e médias, onde os perímetros urbanos são ampliados consecutivamente para acomodar novos condomínios, mesmo com disponibilidade de terrenos em áreas com provisão de redes de infraestrutura.

O quinto argumento está associado com o fato de que o aumento do tráfego também aumenta o risco de sinistros de trânsito, que podem resultar em lesões e mortes. Lembrando que, atualmente, o Brasil é o terceiro país no mundo que mais mata pessoas no trânsito, sendo pedestres e motociclistas as principais vítimas na maioria das cidades.

Como sexto argumento está a influência do aumento da frota no desenho urbano, ou seja, em como são dimensionadas calçadas, ciclovias, parques e áreas verdes tendo o veículo individual como protagonista. Influência que afeta, inclusive, a relação de empreendimentos habitacionais com a cidade.

Existem empreendimentos que deixam de dedicar lugar para pessoas em prol de aumentar áreas para estacionamento de veículos, chegando a criar garagens no nível da rua e rodeadas por muros, contribuindo negativamente para a segurança urbana de quem faz seus deslocamentos a pé, por exemplo.

Em sétimo lugar está a destinação de investimento que poderiam beneficiar a circulação de meios de transporte já utilizados pela população, mais amigáveis com o clima e meio ambiente e socialmente mais acessíveis. Por exemplo, trata-se de uma verba que poderia ser investida no aumento da frota de ônibus públicos, linhas em circulação, sistema de metrô e trem, assim como na melhoria da qualidade e oferta de infraestrutura para o transporte ativo - a pé e por bicicleta.

O oitavo é que incentivar a frota veicular trata de estimular medidas que vão na contramão do que está sendo feito globalmente, o que inclui a América Latina, em que países como Colômbia, México e Chile se esforçam para eletrificar frotas de ônibus, ampliar sistemas de transporte de média e alta capacidade, estimular o uso da bicicleta e melhorar a qualidade do ar de suas cidades.

O nono argumento - e talvez mais relevante - refere-se ao conflito com políticas públicas e leis, tais como a Política Nacional de Mobilidade Urbana, o Estatuto da Cidade e a Política Nacional sobre Mudança do Clima. Isso porque todas essas políticas públicas apontam para o estímulo ao uso de meios de transporte mais sustentável social, ambiental e economicamente, tais como o transporte a pé, por bicicleta e transporte público coletivo.

Por último, a décima argumentação é a mais fácil de todas. Basta olhar para fora de casa e constatar na paisagem o fracasso do modelo de desenvolvimento baseado no automóvel, que teve como resultado cidades atravessadas por viadutos e rodovias que atuam como barreiras para o desenvolvimento integrado, criando espaços relegados ao esquecimento e abandono.

Acredito que essa perspectiva se some a de outras pessoas especialistas e nos ajude a trilhar novos caminhos capazes superar desafios antigos, como a fome, desemprego e baixo dinamismo econômico.