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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Ansiedade: pesquisa mostra a ação de dois probióticos no tratamento

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

18/07/2023 04h00

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Neste mundo cada vez mais transtornado pela ansiedade — são umas 300 milhões de pessoas vivendo nele sem um pingo de sossego na cabeça, preocupadas com tudo de ruim que pode lhes acontecer, quem sabe, um dia — e justo no país mais ansioso de todos segundo a Organização Mundial de Saúde (advinhe qual!), pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Araraquara, resolveram avaliar duas bactérias. Ou melhor, dois probióticos. Quero dizer, melhor ainda, dois psicobióticos.

Probióticos podem ser definidos como micro-organismos que, consumidos em uma quantidade determinada, são capazes de promover algum benefício à saúde — por exemplo, depois de se instalarem no nosso superpovoado intestino, conquistando o seu espaço entre trilhões de ocupantes.

"De 2013 para cá, ganhou força um conceito mais específico, o de psicobióticos, que seriam aquelas bactérias capazes ajudar quem sofre de algum transtorno psiquiátrico", ensina a bióloga Katia Sivieri, líder do trabalho na Unesp, onde leciona na pós-graduação.

Também professora de biotecnologia na Uniara (Universidade de Araraquara) e, acima de tudo, apaixonada pelo universo microscópico dos probióticos, a cientista resolveu colocar à prova a Lactobacillus helveticus R0052 ao lado da Bifidobacterium longum R0175.

A dupla, isolada há algum tempo por estudiosos canadenses e oferecida como suplemento, já foi alvo de pelo menos meia dúzia de grandes ensaios clínicos, demonstrando ser capaz de aliviar os sintomas de quadros de ansiedade entre seus usuários.

Mas como agiria? — era a questão de Katia Sivieri e seus colegas. Será que as pessoas, que respondiam questionários validados relatando uma boa melhora, não estariam sendo induzidas ou fazendo alguma outra coisa em paralelo para se sentirem menos ansiosas? E isso só seria possível saber colocando a Lactobacillus helveticus R0052 e Bifidobacterium longum R0175 no biorreator que a Unesp de Araraquara foi a primeira a ter no país. O equipamento simula tudo, absolutamente tudo o que acontece no trajeto da digestão,

E, por favor, não estranhe por eu repetir os nomes compridos das duas bactérias. Acho bom pelo menos apresentá-las assim, completas, incluindo o número. Saiba: o número estampado no rótulo de um probiótico qualquer é importantíssimo. Pois neste mundo também tem gente ansiosa para prometer efeitos supostamente espetaculares de probióticos que, vamos dizer, têm uma numeração errada.

Para entregar determinado efeito

"O primeiro nome sempre diz respeito ao gênero — Lactobacillus, por exemplo — e, por si só, assegura efeitos que são comuns a todos os probióticos", explica a pesquisadora. "Entre eles, a capacidade de, no intestino, roubar o espaço de bactérias patogênicas, isto é, causadoras de doenças."

O segundo nome designa a espécie — seguindo com o mesmo exemplo, "helveticus". De acordo com a professora, a espécie aponta efeitos que não ocorrem sempre, mas que são frequentes, como a síntese de alguma vitamina.

Finalmente o número — como o "R0052" — aponta a cepa. E a cepa é que tem a ver com efeitos raros, como aplacar a ansiedade. Onde quero chegar: não adianta sair tomando suplementos de lactobacilos para ficar menos ansioso, nem mesmo se zelar para que seja o tal do "helveticus". Só adianta se usar a cepa correta. Ou seja, o número certíssimo. E o mesmo raciocínio, de reparar na cepa, vale para tantos outros benefícios atribuídos aos probióticos.

Passar pelo estômago

"Bom lembrar que um micro-organismo deve preencher alguns requisitos para ser considerado um probiótico", avisa Katia. Um deles, crucial, é continuar vivinho da silva depois de enfrentar o pH extremamente ácido do estômago.

"Se as duas bactérias que pareciam diminuir a ansiedade não vencessem essa primeira etapa, nossa pesquisa nem seguiria em frente", garante a bióloga. Mas 8 em cada 10 lactobacilos sobreviveram intactos à acidez estomacal, bem como 6 em cada 10 bifidobactérias, o que é razoável. Desse modo, a investigação continuou.

Como será que deu para observar tudo isso? Katia me responde mostrando um equipamento cheio de fios e garrafas transparentes, dividido em cinco partes. É o tal do biorreator.

A primeira parte dele simula tudo o que acontece no interior do estômago. "Um software calcula a quantidade exata que deverá ser lançada de suco gástrico dentro do reservatório de 500 mililitros", descreve a professora.

Já a segunda parte do biorreator imita à perfeição o intestino delgado e as últimas três se comportam como porções diferentes do intestino grosso. O trecho intestinal tem direito a jatos de enzimas, sais biliares, suco pancreático e tudo mais.

Foi ainda em 2010 que a bióloga brasileira viu pela primeira vez um biorreator assim, na cidade belga de Gante. Digamos que ela já tinha sofrido quase um trauma ao fazer um estudo em seu pós-doutorado para avaliar como certos probióticos desacelerariam a progressão do câncer de intestino induzido em ratinhos. "No final, tive de sacrificar 300 animais e jurei que nunca mais faria aquilo." Por sorte, conseguiu apoio, mais tarde, para trazer esse equipamento que dispensa as etapas em cobaias.

Como foi a experiência

Os pesquisadores selecionaram, entre os estudantes da própria Unesp, jovens com idade média de 29 anos que tinham quadros leves de ansiedade. "Não foi tão fácil, porque eles não poderiam estar se medicando para tratar esse transtorno e muitos dos que tinham queixa de ansiedade já engoliam remédios", diz a professora. "Acontece que vários desses medicamentos afetam a microbiota e poderiam atrapalhar, fazendo alguma diferença."

Pelo mesmo motivo, esses voluntários não poderiam ter uma constipação mais grave, nem obesidade — mais duas condições que seriam capazes de alterar a população de moradores do intestino e bagunçar o resultado.

Todos os participantes doaram amostras de fezes que os cientistas transformaram em um caldo. Esse caldo foi, então, inoculado no simulador do intestino grosso junto com carboidratos que alimentaram as bactérias presentes ali. Quinze dias depois, já havia uma microbiota formada, tal e qual a da pessoa que tinha coletado fezes. "Era, então, o momento de colocarmos as enzimas digestivas", lembra a bióloga. "Aí, sim, estávamos prontos para começar."

Leia-se, prontos para colocar naquele biorreator uma cápsula com os dois probióticos diariamente, a fim de ver o que essa suplementação causaria dali a uma e a duas semanas. Algumas mudanças ficaram bem nítidas.

O que as bactérias fizeram

Passados 14 dias, houve uma explosão das bifidobactérias e dos lactobacilos que estavam na cápsula, reduzindo drasticamente a população de micro-organismos que produziam substâncias inflamatórias.

"Os probióticos também produziram uma bela quantidade de ácido acético, substância que está relacionada como uma boa cognição", conta a professora . "Ao mesmo tempo, notamos a diminuição de íons de amônia, cujo excesso pode causar a morte de células cerebrais conhecidas como astrócitos."

Os pesquisadores da Unesp perceberam, ainda, um aumento "gigantesco" do neurotransmissor chamado GABA, o que é muito positivo para o ânimo. E, em outro equipamento, capaz de simular o efeito disso tudo no tecido intestinal, observaram que surgiram mais moléculas anti-inflamatórias, entre outras coisas.

Três hipóteses

No simulador ou no intestino, como será que essas mudanças mexeriam com o estado mental? Katia Sivieri elenca um trio de três possíveis explicações — e uma não exclui a outra.

"A primeira delas é que os neurotransmissores produzidos por essas bactérias no intestino, como o GABA, cairiam na circulação sanguínea e, desse jeito, alcançariam o cérebro", diz ela.

Outra coisa que pode acontecer é a passagem de moléculas anti-inflamatórias pela barreira hematoencefálica, que tem a função de proteger cérebro. Seria o caso da interleucina-10, cuja dosagem aumentou com os probióticos. "Por fim,", concluiu a pesquisadora, " essas alterações talvez disparem uma sinalização do intestino ao sistema nervoso central diretamente pelo nervo vago."

Só vale reforçar que, por enquanto, os cientistas observaram tudo isso em jovens sem qualquer outro problema de saúde e com o peso normal. Na vida real, existe todo o tipo de gente, de todas as idades. Será que, em novos estudos, esses probióticos provariam ter a mesma eficácia em todo mundo? Ficamos ansiosos para saber.

Livros para ansiedade - CC

Errata: este conteúdo foi atualizado
O código correto da cepa é Bifidobacterium longum R0175, e não 157. A informação foi corrigida.