Lúcia Helena

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Reportagem

Candidíase: nanopartículas de prata são nova promessa contra essa chateação

Coça sem parar. Pinica forte. Ao fazer xixi, o líquido parece queimar. E na hora do sexo, bem, digamos que o ardor não é exatamente o da paixão.

Toda mulher deve saber ao que me refiro e, se ainda não sabe é questão de tempo: o assunto é candidíase, a inflamação da vulva e da vagina causada por fungos do gênero Candida, uma das maiores queixas no consultório do ginecologista.

Em oito ou nove de cada dez casos, o culpado pela sensação de mucosa esfolada, acompanhada de um corrimento branco, é o fungo Candida albicans. Mas seus parentes próximos são capazes de, em uma minoria das vezes, provocar a confusão.

Tudo bem que esses tipinhos não causam problemas só para a mulherada. Homens também podem ter candidíase e, neles, os sintomas costumam ser, além da coceira e da ardência, pontos vermelhos ou manchas brancas na área do pênis. E tudo bem, também, que às vezes a candidíase surge em outros cantos — na boca, por exemplo, essa inflamação é mais conhecida como sapinho.

Diga-se que esse fungo, o Candida albicans, normalmente vive nos nossos tecidos sem perturbar. O problema é quando, por razões diversas, ele começa a proliferar sem o menor freio. Nessas horas, é preciso contê-lo.

Para isso, pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, foram buscar aliados —no caso, outros fungos, encontrados na biodiversidade brasileira. Eles podem ajudar na produção de partículas com milionésimos de milímetro de diâmetro. As famosas nanopartículas. Só que, dessa vez, recheadas de prata.

De acordo com o artigo que publicaram na revista científica Antibiotics, sim, essa estratégia pode funcionar.

Fungos na era da nanotecnologia

Há 20 anos, quando chegou no Instituto Butantan, em São Paulo, a farmacêutica mineira Ana Olívia de Souza pretendia usar a experiência que já tinha acumulado em outras instituições de respeito, investigando moléculas naturais com ação antimicrobiana.

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"Primeiro, busquei fungos que produzissem substâncias com alguma aplicação farmacológica desse tipo", relembra. "Em um segundo momento, porém, resolvi estudar esses fungos em nanotecnologia, vendo se me ajudariam a desenvolver nanopartículas metálicas", conta.

Ela quer dizer partículas com, no máximo, 100 milionésimos de milímetro de diâmetro. Se quer saber, as que ela criou com seus colegas de Butantan têm entre 30 e 40 milionésimos de milímetros, ou nanômetros. E o núcleo de cada uma delas, no caso, é formado por um metal. "Pode ser ouro, pode ser cobre?", exemplifica a farmacêutica. "Mas preferimos, no início, trabalhar com a prata."

A razão dessa escolha é simples: "Desde a Antiguidade, observa-se que a prata tem uma boa ação antimicrobiana", justifica. Também há mais estudos sobre nanopartículas feitas com esse metal. Seria uma aposta mais segura.

O detalhe é que, na época, só havia um único trabalho relatando o uso de fungos para produzir as tais nanopartículas metálicas. Ele era assinado por um grupo de pesquisadores indianos que empregou espécies encontradas em manguezais.

A farmacêutica, então, pensou: por que não? E foi coletar fungos em mangues, principalmente da região de Cananeia e Bertioga, no litoral sul paulista "Selecionamos aqueles que pareciam mais interessantes, porque nem todos produziam substâncias como as que precisávamos", diz Ana Olívia.

Revestimento especial

Cá entre nós, não é novidade pensar em nanopartículas de prata para uso em saúde. "Mas, até então, elas eram sintéticas", esclarece a pesquisadora. Na síntese, em primeiro lugar, um reagente é misturado com uma substância chamada nitrato de prata para formar nanopartículas. Mas só isso não basta.

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Sem adicionar uma segunda substância, criando um revestimento, essas nanopartículas irão se juntar em grumos grandalhões. "Essa outra substância não deixa que se agreguem", descreve a pesquisadora. "E aí é que está: os fungos levam à produção de nanopartículas que já surgem com esse revestimento que as mantém dispersas." Economizam um passo. Mas não é só essa a questão.

Afinidade fatal

No laboratório do Butantan, os fungos coletados nos manguezais paulistas ficaram em um meio de cultura aquoso, onde acabaram liberando determinadas moléculas em que Ana Olívia e seus colegas já estavam de olho. Eles as filtraram e, depois, as colocaram junto com o nitrato de prata. Pronto: surgiram partículas já com revestimento e tudo!

Por ser formada por proteínas, essa espécie de capa de nanopartícula, criada graças à substância produzida pelos fungos, tem uma ótima afinidade com outros tipos celulares. " Significa que, ao entrar em contato com outra célula, essa nanopartícula metálica tende a penetrar com maior facilidade, podendo levar um micro-organismo, como o Candida albicans, à morte", explica a cientista.

Como a nanopartícula de prata age

Só por romper a membrana do fungo, a nanopartícula metálica já lhe causa um estrago medonho. "Isso porque alguns componentes importantes para a sua sobrevivência escampam pela ruptura na parede celular", descreve Ana Olívia.

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Sem contar que, ao entrar na célula, essa nanopartícula deixa de ficar toda bonitinha. Sua camada de proteína também se rasga e, com isso, a prata vai saindo, fazendo a célula morrer ao induzir uma produção descomunal de moléculas chamadas radicais livres.

Uso tópico

No estudo, as nanopartículas desenvolvidas no Butantan agiram assim contra seis espécies de Candida —além da albicans, a krusei, a glabrata, a parapsilosis, a tropicalis e a guilliermondii.

"O próximo passo será criar uma formulação para uso tópico", revela a pesquisadora. "Isso porque ainda existe muita controvérsia sobre o uso oral de nanopartículas metálicas."

Logo, ninguém está sonhando com um remédio para infecções sistêmicas, como as causadas pela Candida auris, quando esse superfungo se dissemina perigosamente pelo sangue.

Aliás, o estudo conduzido no Butantan mostrou que essas nanopartículas também evitariam o crescimento exagerado de fungos responsáveis por danos a plantações. "Mas, apesar da concentração baixa, que pareceu segura nos testes que fizemos com peixes e camarões, precisamos estudar como, um dia, elas poderão ser usadas na agricultura sem deixar resíduos nos alimentos", diz Ana Olívia.

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Por que buscar novos remédios

Se o que se espera, então, é um novo fungicida de uso tópico, qual seria a vantagem em relação a cremes que já existem na farmácia para tratar a candidíase, por exemplo?

"A primeira é simples: sabemos que alguns tipos de Candida adquirem resistência aos medicamentos disponíveis com o tempo. E, aí, é importante termos alternativas", responde a pesquisadora.

Outra vantagem é para o meio ambiente. Quando se usa um método biológico — no caso, um outro fungo para produzir nanopartículas metálicas — , o processo se torna bem mais sustentável. Sobram menos resíduos tóxicos, não há necessidade de altas temperaturas e, portanto, o consumo de energia diminui. Tudo isso precisa ser considerado, porque não adianta cuidar da saúde do ser humano, adoecendo ainda mais o planeta.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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