Topo

Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Vacinação contra covid-19: como deverá ser daqui em diante?

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

13/09/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Quem aí já não tirou uma selfie com a carteirinha de vacinação carimbada ou não se filmou com a seringa no braço? Muitos fizeram isso no último ano e meio comemorando na praça pública que são as redes sociais a proteção contra o famigerado Sars-CoV-2.

Se reparar, essa imagem vem minguando na nossa timeline. Reconheço que esse é um jeito nada científico de tentar avaliar o ânimo geral das pessoas para a vacinação contra a covid-19. Mas é um sinal — um mau sinal, diga-se.

Você pode até pensar que é natural, já que muitos de nós estão vacinados. Só que não é bem assim. Parte considerável da população brasileira não tomou nem sequer o primeiro reforço, que na boca do povo é chamado de terceira dose. Muitos adolescentes também estão se devendo essa dose extra e a criançada, então, nem se fala, senhores pais e responsáveis.

"A questão é que, hoje, até na percepção de risco existe uma fadiga", foi o comentário quase melancólico do pediatra intensivista Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), que acaba de realizar a 24ª edição de sua jornada, reunindo ao longo de quatro dias, em São Paulo, pesquisadores e profissionais de saúde de todo o país.

Essa fala, por sinal, aconteceu justamente na mesa-redonda que encerrou o evento no sábado, dia 10. O tema era o futuro da vacinação da covid-19, doença da qual, de fato, estamos esgotados.

Talvez por isso, da mesma forma como a vacina perdeu aquela graça novidadeira que valia fotos, posts e hashtags agradecidas, naturalizamos o que continua ruim. Admito que a situação está bem melhor do que no auge do terror tocado pelo coronavírus, mas a média móvel das últimas duas semanas ainda é de 70 mortes por dia. Logo, perto de 500 por semana.

"No entanto, nos últimos dois meses, a cobertura vacinal contra a covid-19 aumentou apenas entre 1% e 2%, no Brasil", disse, na mesma mesa-redonda, Marcelo Ferreira da Costa Gomes, do Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica da Fiocruz, no Rio de Janeiro.

Pergunto: se, de tão cansados, deixamos de olhar para o risco e se, ainda por cima, existe a confusão de que ômicron seria um docinho de variante ao lado da qual seremos felizes para sempre, como convencer as pessoas a tomar novas doses da vacina contra o Sars CoV-2 em 2023? Elas serão realmente necessárias? Para todos? E será só no ano que vem mesmo? A vacina vai ou não vai mudar?

No sábado, fui ali em busca de respostas. Adianto que nem todas estão prontas. Entenda em que pé estão as coisas.

A meleca pode surgir do esgoto

Na ocasião, o virologista e biólogo molecular José Eduardo Levi, à frente da área de pesquisa e desenvolvimento da Dasa, deu uma aula magnífica sobre como surgiram as novas variantes do Sars-CoV-2.

E destacou um ponto: "Todos os coronavírus que conhecemos no passado foram transmitidos dos animais para o ser humano. O que é diferente agora na pandemia é que, no sentido inverso, as pessoas com covid-19 também passaram o vírus para os animais", disse.

Não faltam exemplos. Um deles é o dos veados-de-rabo-branco, que inspiraram Bambi, da Disney. Em Ohio, nos Estados Unidos, de 30% a 40% deles estavam com covid-19 ou já tinham sido infectados pelo Sars-CoV-2.

Pelo jeito, esse vírus passa sem cerimônia de uma espécie para outra. Isso explicaria por que, em Nova York e em Londres, examinando o esgoto, os cientistas acharam pedaços do material genético de variantes completamente diferentes daquelas que já causaram a covid-19 em gente como a gente, provavelmente vindas de animais que circulam por ali. "É cedo para sossegar de vez e achar que não poderá aparecer uma variante nova vinda dessas espécies", concluiu Levi.

Não chame de antiquada a vacina com o vírus de Wuhan

Um argumento usado por algumas pessoas para não tomarem o reforço é injusto: dizer que as vacinas que estão nos postos ainda se baseiam na cepa original da China, como se elas, então, não tivessem mais serventia.

"Na verdade, todas as variantes de preocupação que surgiram ao longo da pandemia se parecem muito mais com o vírus de Wuhan do que entre si", ensinou Levi.

Isso nos ajuda a entender por que, quando Marcelo Gomes, da Fiocruz, mostrou seus gráficos à plateia, vimos que, apesar de ômicron diminuir um pouco a eficácia das vacinais atuais, elas continuaram sendo ótimas no sentido de evitar quadros graves.

Aliás, alguns laboratórios que hoje desenvolvem imunizantes incorporando variantes mais recentes, como a própria ômicron, não descartam manter o vírus de Wuhan na fórmula por essa razão.

Ou seja, devem surgir vacinas melhores — que bom! Mas as que estão aí, criadas a partir vírus que desencadeou o caos, permanecem cumprindo esplendidamente o seu papel.

Quem precisa de mais um reforço?

"Pelo conhecimento que temos no momento é certo que pessoas acima dos 50 anos precisarão de doses de reforço com maior frequência, talvez anualmente, bem como indivíduos imunossuprimidos", informou a infectologista Rosana Richtmann, médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.

Segundo ela, o que a ciência ainda discute é se os intervalos poderiam ou não ser maiores para pessoas mais jovens e saudáveis. Por enquanto, ninguém consegue responder.

Quando novas doses deverão ser aplicadas?

Uma dúvida é em relação à possível época para uma nova campanha de vacinação contra a covid-19 no país, a fim de chamar a população para mais um reforço. "Teremos de fazer uma escolha, mas sem sabermos de fato qual seria a melhor estratégia", disse Marcelo Gomes.

O Sars-CoV-2 não facilita em nada esse planejamento. Diferentemente de outros vírus, ele não tem uma sazonalidade. Não é como o influenza da gripe que adora um inverno, nem feito o rotavírus que aprecia mais o verão. Difícil prever, portanto, quando deveríamos estar com as defesas em maior prontidão para enfrentá-lo.

Em todo caso, de acordo com Marcelo Gomes, uma ideia é fazer a vacinação lá por novembro para que todo mundo — especialmente quem é mais velho — esteja com a imunidade contra o Sars-CoV-2 nas alturas nas festas de final de ano. Isso evitaria a alta de casos que aconteceu após as aglomerações do último Réveillon.

Outra sugestão é fazer coincidir a vacinação da covid-19 com a da gripe. O que aviso: é mesmo uma boa.

O combo gripe e covid-19

Em sua apresentação, Rosana Richtmann brincou confessando seu desejo: queria logo uma "atchimvax", apelido que deu para um imunizante que fosse capaz de, em uma só agulhada, proteger as pessoas da covid-19, da gripe e até mesmo do vírus sincicial que provoca quadros respiratórios preocupantes em bebês pequenos.

Fantasia? Que nada. Existem laboratórios em busca de algo assim. Moderna é um deles e, em testes com ratinhos, a vacina tripla foi bem, obrigada. Mas, em seres humanos, os ensaios clínicos apenas engatinham e, pena, o imunizante três-em-um vai demorar para se tornar realidade.

Até porque, mesmo passando pelos testes, não será tão simples. A própria Rosana enumerou alguns desafios: "Como irão atualizar uma vacina combinada dessas todos os anos, tal qual fazemos com a da gripe? E como saber o quanto ela será capaz de evitar as três infecções na vida real?". Explico: os três vírus precisariam circular concomitantemente em um mesmo lugar para os cientistas conseguirem ver se o imunizante impediria o trio de doenças ao mesmo tempo.

Por enquanto, guarde o que já se conhece: se alguém pega covid-19 e gripe junto, o quadro costuma se agravar demais. Além disso, estudos indicam que quem ficou gripado se torna mais vulnerável a ter covid-19 logo depois.

Para a Medicina, lembrou Rosana, esse não é um fenômeno surpreendente. "Quantas vezes não ouvimos alguém reclamar do azar de uma pessoa que teve uma gripe, a qual se complicou e virou pneumonia?", disse ela. "Na verdade, a explicação não é sorte, nem azar. A ciência sabe que um vírus pode abrir as portas para outra infecção."

Melhor levar a sério. José Levi acrescentou que não tem cabimento a história de que as variantes do coronavírus ficariam mais e mansas com o tempo. Ômicron pode até pegar ligeiramente mais leve. Mas, caso surja outra depois dela, não necessariamente terá a mesma índole.

Portanto, se você for chamado para tomar uma nova dose da vacina da covid-19, siga essa recomendação com a mesma paixão da primeiríssima picada. Aliás, se for na temporada de imunização da gripe, aproveite a viagem e tome logo duas. Valerá o dobro de merecidos likes.