Todas as roupas numa mala: será que minimalismo se aplica a todo mundo?

Qual sua ideia de minimalismo? Talvez você pense numa casa com menos de 30 m², um guarda-roupa com 20 peças, o mínimo de móveis e utensílios. Sim, essa é uma forma de vida minimalista, mas há quem empregue esse conceito vivendo com mais.

Joshua Becker, autor de livros sobre o tema, parece desvirtuar o estilo de vida simples que o movimento prega. Mas é que, para ele, seria inviável morar numa casa pequena tendo os princípios e desejos que tem.

Com uma família de quatro pessoas que gosta de receber amigos e grupos da igreja, o que deu certo foi adotar o minimalismo racional. "É uma abordagem cuidadosa", define.

Eu queria ter apenas o que precisávamos, mas nunca vou conseguir ter apenas dez coisas em minha casa. Não vamos nos mudar para uma casa superpequena, porque temos valores e coisas diferentes que são importantes para nós. Joshua Becker em entrevista a VivaBem

O minimalismo que vive é guiado por duas perguntas:

O que preciso possuir para fazer as coisas que são mais importantes para mim?

O que está me distraindo das coisas mais importantes da vida?

"A maneira como comecei a falar sobre minimalismo não foi no sentido de possuir o menor número possível de coisas. Era: eu quero possuir, quero ser atencioso e racional e pensar nas coisas que preciso para viver minha vida da melhor maneira", explica.

No livro "Simplifique", lançado no Brasil em fevereiro, Becker traz sete princípios para viver o minimalismo, ancorado na ideia de apreciar o que é essencial na vida (família, amigos, experiências), não nos bens materiais.

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Com uma lista de benefícios desse estilo de vida (menos gastos, menos estresse, mais organização) e orientações para organizar cada cômodo da casa, ele dá dicas como:

  • Comece aos poucos. Você não será minimalista em um dia, então tire uma pequena bagunça da frente e outras mudanças virão.
  • Comece pelas tarefas simples. Essa estratégia faz você alcançar pequenas vitórias rapidamente, o que dará motivação para persistir nos afazeres mais complexos.
  • Divida cômodos grandes em partes menores. Não precisa desentulhar todo o quarto de uma vez --nem todo o guarda-roupa. Vá por pequenas porções do espaço.
  • Retire e categorize suas peças. Para organizar um ambiente, remova todos os objetos, pegue cada um deles e separe em três categorias: guardar, realocar, descartar.
  • Descarte nem sempre é lixo. Nem tudo que você vai se desfazer tem de parar no aterro sanitário ou na reciclagem. Uma opção é vender o que for possível ou doar para pessoas e instituições.

Tudo numa mala

Adriene Barbosa, 28, conta que já era minimalista antes de conhecer esse nome, porque sempre teve poucas roupas e acessórios. Quando comprava um look diferente para uma festa, doava depois de usar.

"Cresci no meio de pessoas que tinham muitas coisas e percebia que quase sempre elas não usavam o que tinham. Algumas coisas estragavam e aquele monte de coisa parecia bagunçado e desorganizado", diz.

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Quando casou, aos 17 anos, comprou apenas o que considerava útil. Recentemente, ela se mudou com o marido e a filha para uma casa com menos de 20 m² em meio à natureza, com quintal grande e cachoeira próxima. "Casa pequena fica mais aconchegante."

Adriene tem três pares de calçados; quando precisa de um item para uma ocasião especial, compra em brechó e depois doa
Adriene tem três pares de calçados; quando precisa de um item para uma ocasião especial, compra em brechó e depois doa Imagem: Arquivo pessoal

No quarto da família, apenas uma beliche com colchão de casal embaixo e um de solteiro em cima, uma prateleira para cada pessoa, uma cômoda e uma mesa de trabalho. "Todas as minhas roupas cabem numa mala", ela conta.

Percebi que esse estilo de vida faz com que eu tenha mais tempo e dinheiro para viver coisas que têm valor para mim, que são experiências. Adriene Barbosa

Conhecer novos restaurantes e viajar com a família são as vivências que ela valoriza e se tornaram mais possíveis com esse estilo de vida. Para ela, minimalismo é viver com leveza.

"Eu e meu marido temos uma vida financeira confortável. Algumas pessoas falam: 'Se vocês têm dinheiro, por que vivem como se fossem pobres?' As pessoas pensam que estamos passando por dificuldade, porque não esbanjamos. Para a gente, não agrega ter um carrão só para mostrar para as pessoas."

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Minimalismo como qualidade de vida

Lidiane Alves da Cunha, doutora e professora de sociologia na UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), observa que o minimalismo vem como uma resposta à "mente do ocidente", sempre atarefada, rápida e cheia de compromissos.

"O consumo faz com que isso acelere e gere insatisfação", diz.

Adriene tem poucos itens de maquiagem e acessórios
Adriene tem poucos itens de maquiagem e acessórios Imagem: Arquivo pessoal

Adriene teve esse sentimento. Cerca de dois anos após se casar, ela "fugiu" um pouco do conceito e comprou muita maquiagem, esmaltes e brincos.

Comecei a perceber que estava ficando muito ansiosa com a casa cheia de coisas e minha mente também. Quando desapeguei de novo, percebi que me trazia leveza. Adriene Barbosa

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A professora lembra que, nos estudos antropológicos, a primeira sociedade da abundância não foi a norte-americana, mas os povos nômades que tinham utensílios que podiam carregar na bolsa.

O minimalismo se une à ideia de ter atenção plena, estar presente com o que está utilizando e o que precisa hoje. Lidiane Alves da Cunha, socióloga

Becker também relaciona o minimalismo à sobrecarga mental. Segundo ele, os muitos bens que uma pessoa rica tem podem não ser um fardo para ela, uma vez que pode pagar outra para lidar com tudo.

Se você tem muito dinheiro e pode comprar o que quiser e pagar pessoas para cuidar de tudo, então não importa realmente se você é minimalista ou não. Joshua Becker, escritor

Seria diferente de uma pessoa menos afortunada. "Se você tem pouco dinheiro e poucas coisas, seus bens não são um fardo na sua vida." Para ele, o problema é quando a grande quantidade de itens te impede de viver o que é mais importante para você.

Minimalismo é para todos?

O minimalismo surgiu nos EUA como um movimento artístico e cultural que depois foi para o âmbito social. Em seu livro, Becker escreve que cada minimalista vai ser diferente: um vai morar em uma casa minúscula na fazenda; outro vai viver com cem itens. Alguns terão móveis, decorações e roupas, mas num estilo clean e em pequena quantidade.

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Mas pensando no âmbito brasileiro, como viver o simples, com o essencial, em um país onde a maioria da população não tem acesso a recursos básicos?

Enquanto pessoas privilegiadas se tornam minimalistas, aquelas em vulnerabilidade socioeconômica o são por necessidade. "O minimalismo é para a classe média ou média alta que teve acesso a bens de consumo", diz Cunha.

Quem não tem acesso já consome minimamente o necessário, então não existe uma preocupação em reduzir mais, pois "é a realidade natural".

"Mas precisa ter em mente que, socialmente, existe aspiração pelo consumo", acrescenta a pesquisadora. Sendo o consumo um símbolo de status e ascensão, ele terá significados diferentes conforme a classe social.

Por isso Cunha diz que não se pode condenar, em nome do minimalismo, quem nunca teve o essencial e almeja possuir algo além disso.

Minimalismo de luxo

Embora o minimalismo vá na contramão do "capitalismo selvagem" e do mercado, como entidade, que incentiva o consumo, não dá para escapar dele.

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"O mercado, de alguma forma, sempre tenta capitalizar e materializar um comportamento emergente", diz o sociólogo Gabriel Rossi, pesquisador e professor de comunicação e consumo da ESPM.

Ele vê o minimalismo como uma tendência, pois se restringe a determinados grupos sociais e deve conquistar outros. Nesse cenário, as marcas se questionam como transformá-lo em serviço e oferta.

Apartamentos pequenos com preços altos e empresas que armazenam os pertences que não cabem na sua casa são exemplos.

No mercado de luxo, o minimalismo ganha espaço com o conceito quiet luxury, em que pessoas abastadas se vestem de forma mais discreta, sem exibir o logo das grifes.

Segundo Rossi, é uma forma de se diferenciar dos grupos emergentes, mantendo a lógica da divisão de classes.

Para o rico emergente, é legal mostrar a marca, porque mostra a conquista dele. Quem já estava no grupo abastado, se refugiou no quiet luxury. Gabriel Rossi, sociólogo

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O pesquisador entende que o minimalismo é viver de forma funcional, valorizando o que é importante para cada um, sem precisar provar algo para outras pessoas. "É uma visão de mundo por trás do produto, não o produto em si."

Ele diz que toda tendência tem um ciclo; como tal, o minimalismo ganhará outros significados. "Algo deixa de ser tendência quando chega nas novelas ou na loja de departamento em grande escala."

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