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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Covid-19: por que atividade física faz diferença e evita quadros graves?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

14/07/2022 04h00

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Se alguém acha que o show do coronavírus já acabou, os números são estes: ontem, dia 13, foram registrados mais de 64 mil casos de covid-19 no país e, lamentavelmente, 388 pessoas morreram. Neste momento, quem não conhece alguém com a infecção é porque anda mal de amigos. O bicho está pegando.

Ainda assim, muitos só reclamam de febre ou nem isso. O cenário não é um desastre absoluto por causa de outro número digno de nota: já foram em torno de 455 milhões de vacinas aplicadas no Brasil, sendo 12,1 milhões delas a quarta dose.

Nessa matemática pandêmica, porém, quero acrescentar só mais uma porcentagem para você guardar na cabeça e, quem sabe, calçar um par de tênis: 47% dos brasileiros são fisicamente inativos. Ouso fantasiar que, se não fosse isso, nossa situação poderia ser até melhor.

Longe de mim igualar o poder de proteção do exercício físico ao da vacina no braço. Muito menos repetir o papo mitológico de que um histórico de atleta blindaria o corpo diante do Sars-Cov-2.

Aliás, bom deixar claro que nenhum estudo até agora demonstrou que pessoas que praticam atividade física não se infectariam. Elas, se dão bobeira ou azar, se infectam como qualquer outra que viva largada no sofá.

No entanto, surgem cada vez mais trabalhos comprovando que passar menos tempo sentado e movimentar mais o corpo para espantar o sedentarismo evitaria, sim, quadros complicados de covid-19, desses que exigem hospitalização. Aliás, há estudos apontando para a diminuição da necessidade de intubação na UTI e redução de mortes.

Vou falar de um deles, assinado por um grupo de cientistas brasileiros, que é um exemplo bem acabado dessa linha de investigação. Adianto: o que vale para o coronavírus deve servir para outras infecções. Quando você caminha, corre, pedala, dança, joga uma bola ou vai à academia até seu sistema imune de alguma maneira fica mais forte. E não é só isso. O exercício físico nos defende de muitas maneiras.

Será que mais exercício, menos internações?

Esta foi a pergunta que, já tarde da noite, passou pela cabeça de Marcelo Rodrigues dos Santos, pesquisador colaborador do InCor (Instituto do Coração) da Faculdade de Medicina da USP. Graduado em Educação Física e doutor em Cardiologia, ele mal tinha chegado nos Estados Unidos para um pós-doutorado na Universidade Harvard quando a pandemia explodiu.

A indagação — se o nível de atividade física estaria relacionado com certa proteção — não veio do nada. Já existiam dados de que indivíduos mais ativos e bem condicionados enfrentariam melhor viroses em geral.

Marcelo Santos mandou, então, mensagem para colegas pesquisadores de algumas instituições brasileiras que, no mesmo dia, resolveram ir atrás da resposta. Entre eles estava Daisy Motta Santos, professora da Faculdade de Educação Física da PUC, em Belo Horizonte, e orientadora da pós-graduação em Ciências do Esporte da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), também conhecida por sua página de divulgação científica no Instagram.

A professora tinha um motivo extra para estar curiosa sobre o efeito do exercício na covid-19. Tempos antes, fazendo doutorado na Alemanha, ela observou camundongos que não tinham justamente o receptor da ECA-2, aquele usado pelo Sars-CoV-2 para invadir as nossas células.

Nesse estudo, os animais podiam correr em uma roda quando bem entendessem, mas aqueles sem o tal receptor não pareciam muito animados a exercitar as patinhas. No final de seis semanas, não tinham adquirido condicionamento, nem a professora notou um ganho significativo de massa muscular. "Isso indica que, provavelmente, esse receptor é necessário para algumas adaptações do organismo ao exercício", ela explica.

Talvez esse envolvimento seja um motivo a mais para a associação que ela e seus colegas encontraram entre vida ativa e covid-19. Mas disso a gente ainda não sabe.

Uma chance 34% menor de hospitalização

Entre junho e agosto de 2020, os pesquisadores brasileiros foram atrás de 938 pessoas que tinham sido comprovadamente infectadas pelo Sars-CoV-2 — 91 delas acabaram sendo internadas.

"Mas, para participar, todos precisaram estar 100% recuperados", explica o pesquisador. "Em um formulário on-line, eles relataram se tinham sido hospitalizados ou não, quanto tempo ficaram no hospital e se foram para a UTI. Na sequência, responderam um questionário validado que levantava o tipo de atividade física que costumam fazer em sua rotina, por quanto tempo e quantas vezes por semana."

Ele e seus colegas relacionaram os dados sobre atividade física com os de necessidade de internação. E ela sempre era menos frequente entre aqueles que tinham o que os cientistas chamam de nível de atividade física suficiente.

No caso, a prevalência de hospitalização era, em média, 34% menor. E detalhe: naquela época não havia vacina. "Se fosse hoje, não poderíamos dizer até que ponto a doença não teria se agravado por causa da imunização", reconhece o doutor Marcelo dos Santos.

O tal nível de atividade física suficiente, saiba, não é nada de outro mundo: bastam de 150 a 300 minutos por semana de exercícios moderados. O pesquisador dá um exemplo: "Seria uma caminhada um pouco mais acelerada de meia hora por dia, capaz de deixar a respiração ligeiramente mais ofegante, mas ainda sendo possível conversar com alguém ao lado". Ou, então, 75 minutos minutos semanais de uma atividade mais intensa, como uma corrida ou um jogo de basquete.

Nesta altura do campeonato, outros trabalhos feitos mundo afora apontam na mesma direção. Uns afirmam que a atividade física regular reduz a necessidade de UTI em pacientes com covid-19, outros focam na queda da mortalidade. Atualmente, já foram publicadas pesquisas envolvendo dezenas de milhares de participantes e, portanto, não resta um pingo de dúvida: movimentar-se protege. Mas qual a razão? "Nesse ponto, já temos algumas especulações", diz a professora Daisy Motta, resumindo as principais delas.

Imunidade celular

Diferentemente de bactérias, os vírus nunca estão soltos pelo nosso organismo. Eles sempre se encontram dentro de uma célula — a não ser no ínfimo instante que saem dela para infectar a vizinha, quando então podem ser atingidos por anticorpos.

Por isso que, no caso deles, a chamada imunidade celular é estratégica. E a questão é que o exercício físico é capaz de melhorá-la, inclusive aumentando a quantidade de determinados linfócitos encarregados de atacar diretamente aquelas células que foram invadidas pelo Sars-CoV-2.

Massa muscular

"O exercício também faz a pessoa ganhar músculos, lógico. E, se ela pegar a covid-19, isso será um ponto favorável", lembra, ainda, a professora Daisy. Ela conta que já soube de um atleta que, internado por causa da infecção, chegou a perder 20 quilos de massa magra. "Imagine como ele ficaria debilitado se não fosse um esportista", comenta.

Assim como a covid-19, outras infecções provocam muita perda muscular. Ter uma espécie de reserva de músculo pode fazer o organismo da pessoa adoentada se ressentir menos.

Milhares de moléculas diferentes

Pergunto se a musculatura fortalecida também não ajudaria um bocado ao secretar substâncias como o hormônio irisina, ao qual já foi atribuído o papel de dar uma forcinha às nossas defesas. "A irisina sozinha não faz milagre", aproveita para avisar Daisy Motta. O doutor Marcelo Santos completa: "Alguns dos efeitos alardeados da irisina na covid-19 estão sendo bastante questionados."

Na verdade, todo ano surgem notícias a respeito das maravilhas de alguma substância liberada enquanto a gente se exercita. Moléculas é que não faltam para render artigos assim: são mais de 5 mil, que alguns cientistas chamam de exercinas. "Cada uma delas age de maneira fenomenal em um órgão ou tecido", afirma Daisy Motta. "Mas é muito mais a conversa entre todas essas moléculas que importa diante de infecções e para a saúde em geral, e não uma ou outra isolamente", afirma.

Menos inflamado

Embora seja controverso, há quem diga que atletas, logo após provas que exigiriam um esforço físico intenso e de longa duração, ficariam com o organismo mais inflamado e com a imunidade mais baixa por algumas horas. "Mas, ainda que seja assim, estamos falando de um efeito agudo do exercício. O efeito crônico é seguramente bem diferente", ensina o doutor Marcelo Santos.

O que ele quer dizer é que, muito pelo contrário, fazendo parte de uma rotina o exercício acabaria provocando uma adaptação do organismo ao seu estímulo, gerando moléculas antiinflamatórias. E isso é uma ajuda e tanto

"A covid-19 tende a ser pior em quem tem um organismo mais inflamado por natureza, como é o caso de pessoas idosas ou com obesidade ou, ainda, com diabetes", justifica a professora Daisy.

O estado menos inflamatório que a atividade física regular promove também retardaria o envelhecimento das células de defesa, ou imunossenescência. E digamos que, mais conservadas, elas permanecem muito eficientes contra infecções diversas.

E tudo isso sem falar na microbiota que fica mais equilibrada em quem é fisicamente ativo, dando menos colher de chá ao Sars-CoV-2 no intestino, onde ele também costuma aprontar. Nem mencionando os vasos sanguíneos, menos propensos a problemas em quem sua a camisa. Pense comigo: se a vida está mais tranquila com a chegada das vacinas, imagine se a gente não ficasse tão parado.