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"Odeio ser mulher e espero que mais nenhuma menina nasça aqui": afegãs se revoltam contra talibãs

As mulheres afegãs participam de um protesto em Shahr-e Naw em Cabul, em 16 de dezembro de 2021, exigindo do governo Talibã o direito à educação, ao emprego e à representação política. - WAKIL KOHSAR/ AFP
As mulheres afegãs participam de um protesto em Shahr-e Naw em Cabul, em 16 de dezembro de 2021, exigindo do governo Talibã o direito à educação, ao emprego e à representação política. Imagem: WAKIL KOHSAR/ AFP

28/03/2022 11h38

O cerceamento aos direitos das cidadãs afegãs se acirra desde que os talibãs tomaram o poder, em 15 de agosto de 2021. No entanto, nos últimos dias, os extremistas parecem estar ainda mais determinados em dificultar a vida das mulheres do país. Depois de voltarem atrás na permissão do acesso das adolescentes ao ensino médio, companhias aéreas que atuam no país só deixarão embarcar mulheres acompanhadas de um parente do sexo masculino.

O cerceamento aos direitos das cidadãs afegãs se acirra desde que os talibãs tomaram o poder, em 15 de agosto de 2021. No entanto, nos últimos dias, os extremistas parecem estar ainda mais determinados em dificultar a vida das mulheres do país. Depois de voltarem atrás na permissão do acesso das adolescentes ao ensino médio, companhias aéreas que atuam no país só deixarão embarcar mulheres acompanhadas de um parente do sexo masculino.

Com informações de Sonia Ghezali, correspondente da RFI em Islamabad, e da AFP

Na noite da última terça-feira (21), a estudante Diana, de 15 anos, foi dormir feliz pensando na volta às aulas, prevista para o dia seguinte. No início da semana passada, os talibãs anunciaram que as garotas poderiam retornar às escolas de ensino médio a partir de 23 de março, depois de uma proibição que já durava sete meses.

Diana contou à RFI que desde que não pôde mais frequentar as aulas passa os dias trancada em casa, sem fazer nada. Na última quarta-feira, ela tirou do armário o antigo uniforme de sua escola: um vestido preto longo e um véu branco que costumava usar sobre os cabelos, presos em um rabo de cavalo.

No entanto, ao chegar à escola, a jovem se surpreendeu com uma série de novas regras. Na sala de aula, a professora informou as meninas que o uniforme seria ainda mais longo, escondendo totalmente o corpo das jovens, e que um hijab maior cobriria por completo os cabelos e as cabeças delas.

"Ela nos disse que a prioridade das mulheres é criar os filhos. Depois que essa tarefa fosse finalizada, poderíamos então pensar em trabalhar", conta Diana.

"Sem esperanças no futuro"

Duas horas depois do início das aulas, uma nova surpresa: as sirenes das escolas soaram e as estudantes foram informadas que deveriam voltar para suas casas. Elas não estavam mais autorizadas a frequentar as aulas até que uma nova decisão fosse anunciada.

"Deixamos as classes, nos sentamos em frente ao portão da escola e choramos. Nossa felicidade durou apenas duas horas. Estamos desesperadas e sem esperanças no futuro", afirma Diana.

Uma tristeza compartilhada também pelas professoras afegãs. Bibi Zainab Sadat, que leciona literatura persa em uma escola de ensino médio em Cabul, disse à RFI que sentiu vergonha ao ser informada sobre a decisão dos extremistas.

"Eu não conseguia falar nada, só chorar. Os talibãs cometeram um ato imperdoável, eles enterraram as esperanças das meninas do país", afirma.

Há 15 anos na profissão, ela descreve uma sensação de impotência diante do regime. "Odeio ser mulher e espero que mais nenhuma menina nasça aqui. É melhor matá-las do que deixá-las crescer desta forma humilhante", diz.

Impedidas de viajar desacompanhadas

Até o momento, nenhuma explicação foi dada às meninas sobre o cancelamento da volta às aulas. O Ministério da Educação do país apenas indicou que a educação das garotas está sendo adaptada à lei islâmica, às tradições e à cultura afegãs.

Os fundamentalistas vêm promulgando leis para cercear os direitos das mulheres desde que tomaram o poder. As afegãs já foram excluídas da vida política e das funções públicas. Além disso, elas também são obrigadas a usar roupas de acordo com uma interpretação estrita do Alcorão.

Desde a última quinta-feira (24), os talibãs decidiram que as mulheres poderão embarcar em aviões apenas acompanhadas por um parente do sexo masculino. A determinação ocorreu após uma reunião, na semana passada, entre representantes do regime, das duas únicas companhias aéreas que ainda operam no Afeganistão e das autoridades migratórias.

Dois agentes de viagens confirmaram que pararam de emitir passagens para mulheres que viajam sozinhas. Passageiros que fizeram o trajeto entre Cabul e Islamabad, em um voo da Kam Air, na última sexta-feira (25), também testemunharam afegãs sendo impedidas de embarcar por estarem desacompanhadas.

Os talibãs já haviam proibido as cidadãs de fazer viagens terrestres caso o trajeto superasse 72 quilômetros, mas até agora elas tinham permissão para embarcar em aviões. Ainda não está claro se a regra também se aplica às mulheres estrangeiras, mas a imprensa local informou que uma afegã com passaporte americano foi impedida de pegar um voo na semana passada.