O que mudou após 10 anos do maior vazamento de imagens íntimas da história

Há dez anos, a internet foi inundada por imagens íntimas obtidas de forma criminosa - mais especificamente, por mais de 500 fotos de mulheres famosas em situações de nudez, disseminadas em redes sociais como Reddit, Tumblr e WhatsApp.

Entre as vítimas estavam Ariana Grande, Avril Lavigne, Jennifer Lawrence, Hilary Duff, Kim Kardashian, Mary-Kate Olsen, Scarlett Johansson, Selena Gomez, Winona Ryder e Rihanna. A lista completa tem mais de 100 nomes de celebridades.

O episódio, a maior divulgação em massa de fotos íntimas de pessoas famosas de que se tem notícia, ficou conhecido como "The Fappening" (uma mistura das palavras em inglês "fap", masturbação, e happening, acontecimento).

Mais tarde, investigações comprovaram que as fotografias foram obtidas através de uma falha no sistema de armazenamento da Apple, o iCloud, e os hackers responsáveis pela invasão foram condenados à prisão, mas o estrago já estava feito na vida das vítimas.

Algumas das celebridades foram a público dizer que as fotografias em que aparecem eram falsas; outras confirmaram a veracidade das imagens e disseram que elas foram feitas em particular, e que nunca foram compartilhadas.

Jennifer Lawrence, uma das vítimas do vazamento de fotos íntimas em 2014
Jennifer Lawrence, uma das vítimas do vazamento de fotos íntimas em 2014 Imagem: Axelle/Bauer-Griffin/FilmMagic

Jennifer Lawrence, uma das maiores atingidas pelo vazamento, com mais de 60 fotos íntimas divulgadas, definiu o ocorrido como "um crime de violação sexual" - o que hoje parece óbvio, mas é importante entender que, há 10 anos, as discussões sobre vazamento de imagens íntimas e pornografia de vingança ainda estavam engatinhando.

"É uma violação sexual. É nojento. A lei precisa ser mudada, e nós precisamos mudar", disse Lawrence, na época, à revista Variety.

À Vogue norte-americana, mais tarde, desabafou: "Ter sua privacidade violada é assustador. Agora, toda vez que meu agente me liga, me assusto, mesmo não sendo nada. Estou sempre esperando ser surpreendida novamente".

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Leis brasileiras

Dois anos antes dos vazamentos nos Estados Unidos, em 2012, no Brasil, a atriz Carolina Dieckmann viveu uma situação muito semelhante: ela foi vítima de hackers que invadiram seu computador para obter e depois divulgar fotos em que aparecia nua.

Em decorrência do episódio, o primeiro de grande repercussão no Brasil, o país promulgou uma lei com o nome da atriz: a Lei 12.737, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, foi promulgada em 2012 e criminaliza a invasão de dispositivos informáticos, como computadores e celulares, prevendo pena de três meses a um ano de detenção e multa.

Carolina Dieckmann participa do "Desculpa Alguma Coisa"
Carolina Dieckmann participa do "Desculpa Alguma Coisa" Imagem: Mariana Pekin/UOL

Ou seja, se The Fappening tivesse ocorrido no Brasil, em 2014, os responsáveis poderiam ser punidos a partir desta legislação e, ainda, por disseminação das imagens íntimas sem consentimento, já que a lei brasileira pune a invasão de dispositivos informáticos e a disseminação das imagens como dois crimes diferentes, que teriam suas penas somadas.

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Quem explica isso é a advogada Luciana Terra, especialista em direitos das mulheres e diretora do MeToo Brasil. De lá para cá, a legislação brasileira avançou:

Houve grande fortalecimento da proteção jurídica às vítimas de vazamento de imagens íntimas

Especialmente com a lei 13.718, de 2018, prevê que a divulgação de fotos, vídeos ou qualquer outro material que contenha cenas de nudez, sexo ou pornografia sem o consentimento da vítima é um crime com pena de 1 a 5 anos de reclusão, pena que pode aumentar se o crime for cometido por uma pessoa com quem a vítima teve algum tipo de relação íntima - o que é o cenário mais comum nesse tipo de crime.

A grande maioria das vítimas, claro, são mulheres. E o mais comum é que o criminoso seja um ex-companheiro que pratica esse crime como pornografia de vingança, motivado por sentimentos de rejeição ou raiva após o término de um relacionamento.

O perfil dos agressores podem variar, mas há dois mais comuns: hackers anônimos ou invasores digitais, como no caso do The Fappening, que geralmente agem movidos por vaidade, desejo de poder ou lucro, ou, mais comum, os parceiros íntimos ou ex-parceiros, nos casos de pornografia de vingança, explica a advogada.

Além de serem mais recorrentes, os casos cometidos por ex-companheiros são mais traumáticos, "pois envolvem confiança quebrada e intimidade violada de forma pessoal e direta", completa.

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Violência persiste

Apesar do forte arcabouço legal que protege mulheres vítimas de disseminação de fotos íntimas, ainda existem desafios significativos para a efetiva responsabilização dos criminosos no Brasil.

Um dos principais obstáculos é a dificuldade em rastrear os autores desses crimes, já que muitos utilizam ferramentas tecnológicas, como VPN ou perfis falsos, para ocultar sua identidade

A estrutura das delegacias e dos tribunais ainda carece de maior especialização em crimes cibernéticos para melhorar a qualidade das investigações e aumentar a possibilidade de condenação dos responsáveis, percebe Luciana Terra.

"Outro fator que limita a eficácia da justiça é o machismo institucional, que, em alguns casos, resulta na culpabilização das vítimas e na resistência no acolhimento de denúncias, especialmente quando envolve a exposição da intimidade feminina. Muitas mulheres enfrentam preconceitos ao buscar justiça, o que desestimula a denúncia e contribui para a subnotificação destes crimes", finaliza.

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