Carnaval faz bem para a sexualidade: o que vale é ser feliz na própria pele

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O Carnaval sempre esteve associado à sexualidade. Tem suas raízes nas festividades da Idade Média, coexistindo nos dias que antecedem a Quaresma, período de 40 dias de penitência e abstinência na tradição cristã. Durante o Carnaval, as pessoas participavam de celebrações marcadas por danças, músicas e tinham comportamentos que contrastavam com as restrições subsequentes da Quaresma.
Essa prática permitiu uma "suspensão programada" das normas sociais, proporcionando um espaço para a expressão livre e a transgressão de papéis rigidamente definidos. Como o comportamento sexual sempre foi controlado e atrelado à moralidade, durante os festejos as pessoas sentem uma certa "permissão", que inclui não só dançar, pular e cantar como crianças, mas vivenciar experiências que parecem incompatíveis com a vida cotidiana ao longo do ano.
Os mais precavidos, podem "negociar" com essa persona social, aproveitando, por exemplo, os bailes de máscaras de casas de swing —comuns nessa época— para mergulhar na excitação coletiva, mas "garantindo" uma certa preservação da identidade. Dizem os historiadores que essa tática era comum durante os séculos 17, 18 e 19, na Inglaterra, quando nas masquerades balls, as pessoas aproveitavam o "anonimato" para se engajar com pessoas casadas, ou "proibidas", como as pertencentes da mesma família.
Retirar a formalidade das roupas de trabalho e cobrir-se de muita cor e brilho, ou fantasiar-se, parece fazer as pessoas adentrarem um outro espaço pessoal. Vejam, por exemplo, os homens cisgênero e heterossexuais andando de tutu cor-de-rosa por aí, brincando de ser "menina".
Beijam-se dezenas de bocas anônimas, quem sabe até de pessoas do mesmo sexo quando se é predominantemente heterossexual —"coisa de carnaval'. Se "arrumar" para as festas e blocos é, por si só, algo que pode elevar a autoestima, já que as pessoas se sentem bonitas, alegres e muitas vezes, sensuais.
Há uma clara erotização nos corpos suados, cada vez mais diversos, dançando alegremente avenida afora. Sim, embora os corpos da chamada "beleza padrão" ainda sejam exaltados e os haters persistam em atacar pessoas "fora do padrão" nas redes sociais, há também aqueles que apoiam a liberdade, celebram as diferenças e defendem a acessibilidade pessoal —independentemente do peso, altura, cor da pele, tipo de cabelo, orientação sexual ou identidade de gênero. O que vale é a pessoa ser feliz na própria "pele". As discussões sobre consentimento sexual que tomaram vulto nos últimos anos, favorecem que, especialmente as mulheres, estejam mais atentas, protestando e denunciado casos de assédio e importunação sexual.
O Carnaval ainda é uma festa democrática. As comunidades se organizam, há blocos para todos os grupos e gostos —muitos deles com nomes sugestivos. Em Florianópolis, por exemplo, você pode escolher brincar no "Marisco da Maria", no "Baiacu de Alguém", no "Encosta que Ele Cresce" ou no irreverente "Ô Nô Di" (tradução: "Eu não dei!"). Não é maravilhoso? Como um hiato na vida difícil que a maioria dos/as brasileiros/as leva, na luta para sobreviver diante das inúmeras exigências —incluindo a saúde mental, pois haja resiliência!— as pessoas se permitem quatro dias de descanso, de celebração com os/as amigos/as, de pura ilusão ou de esbórnia, quem sabe um pouco de tudo.
Portanto, ainda que se possa tecer mil críticas sobre como o Carnaval desvia o olhar de questões importantes no cenário social, político e econômico e como os excessos podem tornar as pessoas mais vulneráveis, provocar danos patrimoniais e estimular atos obscenos em lugares públicos —já viram a notícia sobre o "brocha da Sapucaí"?—, ainda acho que os prós superam os contras.
Para os que são do time "paz e sossego", os dias da maior festa do nosso país podem servir para recarregar as "baterias" e fazer coisas prazerosas. O Carnaval pode também ser sinônimo de descanso, de encontrar pessoas queridas, de praticar esportes, de assistir os filmes que concorrem ao Oscar, de arrumar armários, ler, de ir ao teatro, de fazer uma comida especial. Nem tudo é sobre sexo genital e alimentar o ser desejante com outras vivências também dá a sensação de ter domínio sobre o campo do prazer, algo fundamental na percepção de bem-estar. E para quem está comprometido, quem sabe investir no tempo para reconexão e intimidade, fazendo brotar um tesão soterrado pelo cotidiano burocrático e demandante, o que é uma grande janela de oportunidade. Aproveitem.
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