Ela sofreu violência sexual: 'Acordei sendo estuprada pelo meu companheiro'

Mônica de Melo, 51, foi vítima de todos os tipos de violência doméstica: física, psicológica e sexual. Mãe de três filhos, ela perdeu os dentes em uma dessas agressões e chegou a se pentear apenas pela sombra para não precisar se olhar no espelho.

Foi difícil, mas ela conseguiu sair dessa situação. E com a ajuda da ONG Turma do Bem, que já atendeu mais de mil mulheres que precisavam de apoio com tratamentos dentários, ela conseguiu recuperar o sorriso e a autoestima.

"Eu não existia mais, essa era minha sensação", disse em entrevista a Universa. Para a reportagem, Mônica conta sua história:

"Demorou muito para eu identificar que estava em uma relação violenta. Tapas na cara e empurrões, para mim, eram algo normal. Cresci assim.

Quando terminei meu primeiro relacionamento com o pai dos meus filhos, saí da casa que morava com ele (com as crianças) e fui trabalhar na rua, carregando madeira e papelão.

Depois de um tempo sozinha, conheci um borracheiro. Ele sempre foi muito respeitoso comigo. Na época, eu tinha 29 anos e ele era 15 anos mais velho. Dizia que eu era bonita, me dava sorvete. Após três meses de amizade, ele me pediu em namoro. Como não queria apenas namorar, ele se mudou e foi morar comigo e com os meus filhos.

Tinha amor naquele relacionamento, mas depois de seis anos descobri que, na verdade, eu era a amante.

Ele engravidou uma outra mulher. Eu não sabia de nada, mas ela tinha conhecimento sobre mim. Chegou a postar nas redes que ia mandar me matar. Fiquei muito brava. Ele era meu companheiro, mas se engravidou ela, que fosse morar com ela. Joguei até as coisas dele fora. Nos separamos.

Mudança de endereço

Até então, não tinha sido vítima de violência nos meus relacionamentos. Mas tudo mudou quando fui embora de São Paulo e voltei para a Bahia, meu estado natal. Lá comecei a me relacionar com uma pessoa que me causou muitos problemas.

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Pela primeira vez, conheci alguém e casei de papel passado. Juntos, abrimos uma empresa, mas perdi tudo. Voltei à estaca zero.

Esse homem me agrediu e me fez perder dentes por causa da violência. Parei de me olhar no espelho e penteava meu cabelo apenas olhando o reflexo das sombras na parede. Estava dormindo e acordei com ele batendo no meu ouvido esquerdo. Fiquei quatro meses sem ouvir.

Estava fazendo faculdade de direito e trabalhava em um escritório de advocacia. Fui junto com uma das advogadas prestar queixa contra agressão. Perdi minhas unhas por causa do estresse. Lá, a delegada resolveu que não seria necessária a prisão do agressor, pois segundo ela, era 'um bêbado que vivia na rua'.

Depois de 10 anos na Bahia, para ter paz, resolvi voltar à São Paulo.

Segunda chance

De volta, fui conversar com meu ex-companheiro. Pedi ajuda para construir um cômodo para eu morar. Ele me pediu perdão, disse que o que fez estava errado e falou que deveríamos ficar juntos novamente, porque nos amávamos. Não aceitei. Mas ele me colocou em contato com um amigo que me ajudou a construir uma casinha para mim.

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Um mês depois da nossa conversa, ele passou mal e eu acabei levando-o para o hospital. Era uma apendicite, mas ele teve complicações no pós-cirúrgico e precisou ficar 21 dias internado. Não podia abandoná-lo naquela situação.

No hospital, conversei e disse que podíamos voltar a morar juntos. Que na garagem da nossa casa —já que agora ele não podia mais levantar peso— poderíamos montar dois comércios: de um lado meu escritório de advocacia e do outro o que ele quisesse vender.

Enquanto decidíamos esses detalhes, a pandemia chegou. Minhas aulas de direito passaram a ser online e o comportamento desse meu companheiro mudou completamente comigo.

Violência sem precedentes

O comportamento agressivo começou do nada. Nos seis anos que vivemos juntos anteriormente, nada disso acontecia.

Mesmo ele vendo que eu estava fazendo aulas no computador, dentro de casa, ele começou a me ameaçar, Dizia que meus professores eram meus amantes e, às vezes, tinha que sair da aula porque ele falava que ia quebrar meu computador.

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Só queria viver minha vida em paz. Meus filhos estavam crescidos, não moravam mais comigo. Éramos só nós dois. E depois de tudo o que eu perdoei ele entrou nessa desconfiança sobre mim.

A violência psicológica era muito grande. Não conseguia mais dormir porque ele dizia que ia colocar fogo na casa. Acordava à noite com ele me olhando fixamente na cama. Na época, não sabia que isso era uma forma de violência. Só fui descobrir mais tarde.

Existiu um acontecimento que nem gosto de falar, mas que, para mim, foi um divisor de águas. No começo de 2021, acredito que no dia 2 de janeiro, meu companheiro tinha uma consulta médica. Eu o acordei de madrugada e ele disse que não precisava ir. Como eu tomava remédio psiquiátrico, voltei a dormir.

Nesse dia vivi o verdadeiro pesadelo: acordei novamente sendo vítima de violência sexual.

Não conseguia me soltar, mesmo lutando. Minha perna esquerda está machucada até hoje de eu tentar me defender. Internamente fiquei bem machucada também. Tive dores por dias ao tentar ir ao banheiro para fazer ambas as minhas necessidades. Sequer conseguia sentar.

Meu filho mais velho, que veio me visitar, percebeu que tinha algo errado. Mas não tinha coragem de contar para ele o que tinha acontecido de verdade. Dizia que era cólica e que ia passar. Meu filho voltou para a Bahia sem saber o que estava acontecendo.

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Não sabia com quem falar, então procurei amigos, que considero como irmãos, para contar pelo o que eu estava passando. Pedi para conversar com o irmão dele também, porque queria ter a perspectiva de um homem. Já estava há um ano e dois meses vivendo daquela maneira, não sabia mais o que fazer.

Ele me disse que eu estava em uma situação perigosa, que aquilo não era amor. Que corria risco de morte. Falou que, como homem, podia garantir que esse não era o jeito que se deve tratar uma mulher. Aquilo me assustou muito.

Um passo para a liberdade

Para mim foi muito difícil ver que a pessoa que enxergava como protetor se tornou meu agressor. Me sentia burra. Como eu não percebi o que estava acontecendo? Eu já tinha trabalhado com mulheres que eram vítimas de violência e não percebi que era uma delas.

Em fevereiro de 2021, tomei coragem e fui denunciá-lo. O policial que me atendeu deu risada da minha denúncia. Não era uma delegacia especializada em mulheres. Mesmo assim, decidi não voltar para casa.

Fiquei três dias com meus amigos. Eles me aconselharam a filmar algumas situações, para que tivesse provas do que estava passando. No dia seguinte, procurei uma delegacia da mulher. Era em outra cidade, mas resolvi tentar. Fui bem atendida e saí de lá com o boletim de ocorrência impresso e em mãos.

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A primeira vez que pedi uma medida protetiva, o juiz negou. Disse se tratar de uma briga por imóvel —porque eu queria que ele saísse da minha casa. Achou que era uma denúncia fraca.

Voltei para a minha casa mesmo em risco. Guardei bem escondido o meu B.O. para que meu companheiro não encontrasse. Se ele já era agressivo sem motivo, se soubesse que o denunciei ficaria muito pior. Nós não dividíamos a mesma cama, mas estávamos no mesmo ambiente.

Estava tendo crises de pânico, ficava olhando pelos buracos da porta quando ele saía de casa. Procurei a ajuda de uma defensora pública para conseguir a medida protetiva e tirá-lo da minha casa. Foram necessários mais dois meses nesse pesadelo para que um juiz fosse a favor da medida.

Ele dizia que ia me matar, que só sairia da casa com sangue no chão. Mandava fotos com as facas em cima da pia dizendo que ia me esfaquear.

Quando a medida protetiva saiu, ele foi retirado da minha casa pela Polícia Militar. Ficou acordado que ele não poderia chegar a 200 metros de mim. Mas ele não me deixava em paz. Me mandavam mensagem, chegou a cortar a luz da minha casa para eu não estudar. Ele frequentava o mesmo bairro que eu.

Mas escolhi não fazer várias denúncias. Mandei um áudio para ele dizendo que não tinha mais volta. Eu demorei para tomar coragem de denunciar, não ia mais voltar atrás. Não moro mais nesse endereço, mas sei que ele ainda ronda por lá.

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'Hoje eu sou gente'

Não existia mais, essa era minha sensação. Não me olhava no espelho, usava o mês inteiro a mesma roupa. Engordei muito e ouvia do meu ex que parecia uma porca 'com a pele linda e bonita'. Na época, entendia como um elogio. Hoje sei que é algo ruim.

Não me penteava, não cuidava das minhas unhas. Fiquei 12 anos sem dentes após a agressão do meu ex-marido. Tinha uma amiga que estava passando pelo mesmo que eu e, juntas, unimos forças para superar esse momento.

Faço terapia e hoje me sinto gente. Me olho no espelho, me sinto bonita todos os dias. Consigo me ver, me enxergar."

*Mônica foi escolhida para ser o rosto da campanha da Vult "Isso é Mais que um Batom", em que 100% da renda da venda de um batom marsala (por tempo limitado) foi revertida para ajudar vítimas de violência.

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