'Dizem que pastora não existe': mulheres podem liderar igrejas evangélicas?
A Igreja Católica não ordena mulheres para o sacerdócio, mas, nas evangélicas, esse tema está longe de ser um consenso. Uma mulher pode ser pastora em muitas denominações e, no Brasil, isso é mais comum em pequenas igrejas pentecostais.
A Universa, três mulheres que atuam como pastoras em diferentes igrejas narram os obstáculos que encontraram até chegar a essa posição.
'Pastora não existe'
Viviane Costa, 41, é pastora de uma Igreja Assembleia de Deus, onde foi ordenada há 8 anos. Ela diz que não houve resistência ao seu exercício pastoral na igreja em Nova Iguaçu (RJ), pois "há 20 anos já era comum nas periferias as mulheres assumirem funções pastorais".
A resistência, porém, aconteceu nas redes sociais, de pessoas de outras denominações.
Existe uma recusa de reconhecer a ordenação. Dizem: 'você não é pastora, porque pastora não existe'. Isso aconteceu há 8 anos e continua acontecendo todas as vezes em que aparece uma publicação minha.
Viviane Costa
Viviane atribui à estrutura patriarcal a dificuldade de as pessoas lidarem com a presença da mulher em funções de liderança.
"A gente tem uma predominância masculina na escrita, nas traduções e na interpretação dos primeiros textos [religiosos] e ainda hoje os homens ocupam quase que exclusivamente as posições de poder e tomada de decisão nas principais organizações religiosas", diz ela, que é teóloga, mestre em ciências da religião e escritora.
'Única mulher'
Fernanda de Araújo, 26, teóloga e pastora da IPI do Brasil (Igreja Presbiteriana Independente) em Jundiaí (SP), conta que ainda adolescente sentiu-se chamada por Deus para exercer essa função.
"Cresci dentro da igreja e tive a graça de compreender minha vocação pastoral aos treze anos". Por ser filha de um pastor e uma teóloga, passou por esse processo "sem sofrer tantas resistências", mas reconhece a falta de representatividade.
Somos cerca de 40 pastores dentro do presbitério do qual faço parte, sendo eu a única mulher.
Fernanda de Araújo
O tabu sobre o tema, para Fernanda, é resultado do "fato de a maior parte dos cristãos não possuírem mente bíblica". Ou seja, uma compreensão aprofundada da lógica das escrituras sagradas.
A IPI ordena desde 1999 mulheres ao ministério feminino, seja para o pastorado ou para o presbiterato —onde exercem funções na governança da igreja—, mas ainda há grande diferença nos números de pastores homens e mulheres.
"Hoje são 1093 pastores. Desse total, 991 são homens e 102 são mulheres", diz Sérgio Gini, 55, presidente da diretoria executiva da IPI no Brasil.
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Quero receberEle explica que um pastor pode ficar em atividade na IPI por 35 anos ou até completar 75 anos —o que ajuda a explicar a discrepância nos números de homens e mulheres.
A diferença deve diminuir nos próximos anos. Segundo Gini, elas já são maioria na faculdade de teologia da IPI, uma das condições para se tornarem pastoras. "Praticamente na proporção de 3 por um."
'Resistência ao pastoreio feminino'
Pastoreando a Igreja Cristã Edificando Vidas, em Duque de Caxias (RJ), está Rute Oliveira, 37. De doutrina pentecostal, sua igreja está cercada por igrejas tradicionais em que "existe uma resistência ao pastoreio feminino".
Ela lembra que a decisão, cinco anos atrás, não foi fácil. E, para rebater as críticas dos que não aceitam ver uma mulher nessa posição, a pastora é enfática:
Para Deus, não há distinção entre homem e mulher. A função de governo e cuidado com a criação foi dada a ambos.
Rute Oliveira
A questão racial, segundo Rute, também deve ser uma preocupação das igrejas. Ela lembra que, certa vez, recebeu a visita de um casal em sua igreja e, ao final do culto, eles disseram que era muito importante ver uma mulher negra pregando. "Sei a representatividade que isso carrega."
"Ouvir que Deus não faz distinção entre as pessoas é diferente de ver. É preciso viver a cultura do Reino de Deus e não só falar dela", diz Rute.
O machismo faz parte de uma cultura humana e não de Deus.
Rute Oliveira
Como é em cada igreja
A permissão para mulheres assumirem papéis pastorais varia entre as diferentes denominações e, inclusive, dentro delas. Ou seja, há igrejas em que o espaço de atuação da mulher é mais restrito e outras em que elas ocupam também a posição de pastoreio e governança.
Igreja Batista: Os batistas no Brasil são divididos em várias convenções. As duas maiores são a CBB (Convenção Batista Brasileira) e a CBN (Convenção Batista Nacional). O primeiro grupo, segundo pastores da denominação ouvidos pela reportagem, aceita a ordenação feminina ao ofício pastoral, mas as igrejas locais e as subseções estaduais da convenção e das ordens de pastores têm autonomia para essa decisão. Para algumas ordens de pastores batistas de nível estadual, a ordenação é aceita e, para outras regiões, isso não ocorre. Já na CBN, de acordo com nota enviada à reportagem, as mulheres podem ser ordenadas pastoras pela igreja local, mas não farão parte da Ordem de Ministros Batistas Nacionais —as igrejas locais continuam filiadas à convenção.
Igreja Presbiteriana do Brasil: A instituição não respondeu formalmente, mas pastores ligados à igreja explicam que a IPB não reconhece o pastorado feminino.
Igreja Presbiteriana Independente do Brasil: conforme explica Sérgio Gini, a IPI entende que o exercício do presbiterato regente (presbíteros) e presbiterato docente (pastores) pode ser exercido por homens e mulheres que comprovarem sua vocação perante as suas igrejas (comunidades locais) e o presbitério. A denominação afirma ter posição bíblica e teológica no sentido do igualitarismo.
Igreja Metodista do Brasil: segundo a bispa Hideíde Torres, mulheres são ordenadas pastoras desde 1973. Duas mulheres já fizeram parte do episcopado da igreja e, no atual mandato dos bispos e bispas, há apenas uma mulher. No total, há no país 1516 pessoas no exercício de função pastoral da denominação —347 são mulheres.
Igreja Anglicana no Brasil: não respondeu formalmente, mas sacerdotes vinculados à denominação explicaram que apesar de no passado ter havido resistência sobre o tema, atualmente a denominação tem políticas que permitem a ordenação de mulheres para o diaconato e presbiterato. No Brasil, a primeira ordenação de uma mulher para a função pastoral aconteceu em 1985.
Igreja Evangélica Luterana do Brasil: não ordena mulheres ao ministério pastoral. A conclusão de documento oficial da IELB, enviado à reportagem, sobre o tema é de que "a mulher não deve ensinar no culto público da igreja ou, dito em outras palavras, não deve atuar como aquela que lidera o ensino da congregação, no ministério da palavra".
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB): ordena mulheres como pastoras. E tem como presidente uma mulher, Sílvia Beatrice Genz.
Assembleia de Deus: Segundo pastores ouvidos pela reportagem, a instituição é formada por inúmeros ministérios que atuam de forma independente uns dos outros. Há os que consagram as mulheres apenas como missionárias e outros que permitem o pastorado feminino.
Igreja Universal do Reino de Deus: foi procurada pela reportagem, mas retornou dizendo que não se manifestaria.
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