Anne Lottermann ficou viúva aos 34, com 2 filhos: 'Fiz as pazes com o medo'

Adversidades ensinaram Anne Lottermann, 40, a conviver bem com o medo. Em 2017, ela perdeu o marido, o empresário Flávio Machado, vítima de um câncer raro no peritônio aos 41 anos. "De repente, fiquei sozinha com duas crianças", conta. Um ano depois, quando a vida recomeçava, a jornalista descobriu um câncer de pele.

"Com os desafios da minha vida, descobri que o medo é meu amigo", diz. E esse é o pensamento que a move quando reviravoltas se impõem. Foi assim ao assumir a previsão do tempo do "Jornal Nacional", trocando o Rio de Janeiro por São Paulo, e ao deixar o jornalismo pelo entretenimento para trabalhar com Faustão, na Band.

Em entrevista à Universa, a jornalista comenta o papel da espiritualidade no luto, a maternidade solo e os caminhos profissionais:

Universa: Em outubro, você compartilhou um vídeo dizendo que agora consegue falar sobre a morte do seu marido sem chorar. Como foi lidar com o luto?

Anne Lottermann: A gente vai amadurecendo. Todo mundo tá suscetível a ter uma perda na família, mas não imaginava que poderia acontecer comigo dessa forma e tão rápido. Ainda mais no momento que estávamos, com dois filhos pequenos, no nosso melhor momento profissional, pessoal, de relacionamento.

Quando o Flávio morreu, tudo veio abaixo, o castelo se destrói. Por mais que você pense que isso pode acontecer, é diferente quando tem que se despedir da pessoa.

A gente imaginava que ele ia sobreviver. E aquele foi o pior momento da minha vida. Fato. Eu não perdi só o pai dos meus filhos, meu marido, meu amigo, mas perdi toda a estrutura de vida, a base da minha família. De repente, fiquei sozinha com duas crianças, uma de 4 anos e outra de 2.

Como ele descobriu a doença e como foi o tratamento?

Em março de 2017, o Flavio descobriu um câncer raro no peritônio, que é muito silencioso. Fomos atrás dos melhores médicos do mundo para tratar esse câncer e conseguimos dois nomes: um do Brasil e outro dos EUA.

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Quando mandamos os exames para os EUA, o médico logo falou de uma forma elegante que não tinha o que fazer, que era tentar dar sobrevida para ele aproveitar da forma menos dolorosa.

Mas quando você passa por uma situação dessa, acha que o cara está viajando, que era um sinal para tratar no Brasil. E fomos para São Paulo, porque morávamos no Rio.

Foram sete meses entre ele descobrir o câncer e falecer. Ele fez quimioterapia, perceberam que não estava tendo efeito, fez três cirurgias e ficou quatro meses internado.

Anne, o marido, Flávio Machado, e os filhos
Anne, o marido, Flávio Machado, e os filhos Imagem: Arquivo pessoal

Vocês dois conversaram como seria se ele não resistisse?

A única conversa foi quando descobrimos que a quimioterapia não estava fazendo efeito. Fazendo a mala para internar, ele falou: "Se não der certo, eu quero que você fale com essa pessoa e confie nessa, elas vão te ajudar a resolver tudo, têm as minhas senhas".

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Acho que ele já sabia que isso podia acontecer, porque foi preparando as pessoas em volta. Depois, descobri que ele falou com os pais para me dar toda a assistência.

Ele falou sobre a morte dessa vez, e a gente dizia para parar, não falar isso nem por brincadeira. Mas hoje, em algumas situações, digo para amigos que tem que falar. Ainda bem que ele falou e orientou essas pessoas, porque senão teria sido muito mais difícil para mim.

Devemos saber que todos nós temos uma data, por mais que a gente não saiba qual é. É preciso entender isso e deixar tudo mais organizado, porque quem vai não sofre, mas quem fica sofre muito. E ele preparou toda essa parte burocrática.

O que te ajudou no processo de luto?

Meus filhos, foi por eles. Se eu não tivesse eles, eu não teria conseguido. Na época, tive que ser forte por eles, buscar sentido na vida por eles, acordar no dia seguinte e sair da cama por eles.

A vida precisava andar para eles e para mim também, por mais difícil que estivesse. Tive que ser forte pelos amigos do meu marido, pelos pais dele. Isso me sustentou e me alimentou.

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Eu acho que demorei a viver o luto, a minha ficha demorou a cair. Eu precisei entrar em um modo "'vambora', ninguém pode cair".

Depois de uns dois anos, comecei a perder uns pedaços no caminho. Depois que todo mundo estava bem, eu vi que podia despencar um pouquinho.

É um luto meio tardio, as pessoas até não entendem muito. "Mas agora? Não tô entendendo esse seu choro", falam. Quando ele morreu, eu não podia sofrer, tinha que bancar a fortona. Demorou. E você vive todo dia, tendo que falar com os meninos. Todo dia a gente fala do pai, ele tá muito vivo.

O que te ajuda a trazer conforto?

Me traz conforto saber que a gente escolhe antes de nascer o que precisamos passar no plano terrestre para evoluir como espírito. E a certeza de que a vida não acaba e essa energia se transforma. Mesmo a gente não podendo tocar na pessoa, essa energia está ali, presente no dia a dia, te ajudando e te apoiando.

A minha fé não é uma figura. Eu digo que vejo Deus no sol, no mar, numa árvore. Dá para perceber Deus de tantas formas, em tantos lugares, é só você estar atento. Como eu e o Flávio trabalhamos muito a espiritualidade no tempo casados, isso ajudou muito.

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A certeza de que ele me apoia espiritualmente me mantém firme e forte para viver o que eu preciso viver.

Eu me lembro de a gente se falar pelo olhar no hospital. Do tipo: "Tá acontecendo isso mesmo?", eu perguntava. E ele respondia: "Tá acontecendo. É isso mesmo, a gente escolheu e combinou antes de vir. Podemos estar sofrendo, mas a gente precisa passar por isso para evoluir, aprender, entender a nossa missão na Terra. Entenda e viva".

Essa certeza do falar pelo olhar me ajuda muito. Até hoje é assim, quando eu preciso, eu penso nele e peço: "Me ajuda? Como você faria?". E eu consigo ouvir ele falando: "Eu não faria melhor. Você está incrível".

Anne e os filhos: Gael, de 10 anos, e Leo, de 7
Anne e os filhos: Gael, de 10 anos, e Leo, de 7 Imagem: Arquivo pessoal

Quais são os desafios da maternidade solo?

Eu nunca imaginei ser uma mãe solo, nunca foi o meu desejo. Na minha cabeça, o projeto de vida era um conto de fadas que culmina nos filhos.

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Estou aprendendo todos os dias a ser mãe solo. Fácil não é, mas tem uma hora que você entra no ritmo, olha para trás e pensa: como eu consegui? Eu não sei como e nem sei como vou continuar conseguindo, mas eu vou.

Acho que a mulher tem uma força que desconhece. Colocada no seu limite, vem uma força que você pergunta onde estava escondida.

Como é o exercício para deixar o seu marido ser presente na vida dos seus filhos? Eles lembram do pai?

Eu fiz essa pergunta para o Leo. Ele fala que lembra do pai brincando de monstro cosquinha. Mas eu não sei se ele lembra mesmo ou é de a gente falar sobre.

Eles constroem essa imagem com o que vamos falando. Por isso, tenho muito cuidado de falar de uma forma positiva e legal. Claro que ele tinha defeito e às vezes eu falo.

Ele não é um assunto proibido, porque acho que tem muito pai vivo por aí que é menos presente na vida dos filhos do que o Flávio, que não tá aqui. Apesar de ele não estar fisicamente, espiritualmente ele está muito presente.

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Você revelou no final de 2023 que teve um câncer de pele após a morte do seu marido. Como foi esse período?

Dizem, e eu não duvido, que quando alguém fica doente é preciso cuidar da família também, para ela não adoecer. Acho que foi um pouco isso. Eu queria tanto que ele ficasse bom, que acho que acabei puxando para mim, de certa forma.

Alguns meses depois que ele faleceu, por coincidência, eu estava no trabalho falando de sol, câncer de pele e mostrei uma pintinha minha para uma amiga, a [repórter] Renata Capucci. Ela ficou desconfiada e ligou para o marido, que é cirurgião plástico. Fui tirar, ele mandou para a biópsia e, quando me chamou nos dias seguintes, disse que ia me encaminhar para o oncologista. Era um melanoma.

Pensei: 'Meu Deus do céu, de novo? Não é possível'. Estava me restabelecendo depois de um ano que ele morreu. Quando a vida começou a andar veio outro câncer.

Eu só pensava em tirar aquilo de mim. Repetia: isso não é meu e eu vou ficar bem. Mas é um supersusto. Tirei gânglios nas axilas e na virilha. Em 2023, terminei o acompanhamento de cinco anos e estou um pouco mais tranquila.

Anne se mudou do Rio de Janeiro para São Paulo em 2019, quando assumiu a previsão do tempo do 'Jornal Nacional'
Anne se mudou do Rio de Janeiro para São Paulo em 2019, quando assumiu a previsão do tempo do 'Jornal Nacional' Imagem: Reprodução/Instagram/@annelottermann

Estar ativa no trabalho também ajudou a apaziguar o luto?

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Com certeza, e a Globo foi superparceira. Dois anos depois que ele faleceu e eu tinha tratado o meu câncer, veio a proposta de sair do Rio e fazer a previsão do tempo em São Paulo, para o "Jornal Nacional".

Eu falei que não estava pronta. Não queria sair do Rio, do meu bairro, da minha rua. Queria tudo exatamente como estava, porque muita coisa da minha vida já tinha sido mexida. E o diretor falou: "E se você estiver pronta? E se esse for o passo que você precisa para ter uma nova história?".

A gente se acostuma com tudo na vida, coisas boas e ruins. Às vezes, alguém tem que te tirar a fórceps de certas situações.

No final, foi a melhor coisa. Consegui criar novas memórias com os meus filhos, porque no Rio tudo me remetia ao Flávio. Em todas as esquinas eu via ele.

Anos depois, veio uma nova transição, do jornalismo ao entretenimento, e para trabalhar ao lado do Faustão. Você teve medo?

Com os desafios da minha vida, descobri que o medo é meu amigo. Fiz as pazes com o medo. Ele não me breca, e sim me joga para frente.

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Óbvio que eu estava com medo de sair da Globo, mas entrou um propósito de vida. Pensei: você vai ficar fazendo isso por quanto tempo? O que você quer da sua vida? Não me via mais no jornalismo, e a oportunidade que surgiu foi 'só' um convite do Faustão.

Acho que teve Deus botando a mão e falando para eu curtir. E veio o "e se você gostar?". Só ia saber vivendo. Acho que foi a melhor coisa que fiz da vida, rejuvenesci na forma de pensar e de viver, porque o Fausto é uma pessoa muito jovem de cabeça e de alma. Me redescobri profissionalmente.

Antes do anúncio do transplante do Faustão, você já sabia que o fim do programa na Band era por uma questão de saúde dele?

Já, mas não o quão urgente seria. Se não fosse isso, o Fausto estaria todos os dias lá. Mesmo frágil, ele não demonstrava isso para ninguém. Por isso pegou a gente de surpresa.

No início, eu e o João [Guilherme Silva, filho do apresentador] continuamos [com o programa], que foi o desejo do Faustão. Mas acho que carregar um programa com o nome dele não fazia mais sentido. Mudava todo o formato, ou sempre iam ficar as comparações.

O Faustão é insubstituível, e a gente nunca teve a pretensão de substituí-lo. Quando o projeto terminou, de certa forma, foi um alívio para todo mundo, porque iam cessar as comparações, principalmente do João com o Fausto. Todo mundo precisava seguir o próprio caminho.

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Anne Lottermann, Fausto Silva e João Guilherme, no 'Faustão na Band'
Anne Lottermann, Fausto Silva e João Guilherme, no 'Faustão na Band' Imagem: Divulgação

E quais são os seus projetos profissionais agora?

Lancei o meu canal no YouTube em setembro e estou superfocada. Era um projeto antigo, não queria voltar para a TV, queria me experimentar na internet, que nunca fiz. Era o momento certo.

No "D'Anne-se", reúno só mulheres em um boteco, lugar onde a gente fala de tudo, para conversar sobre assuntos do universo feminino. Eu sempre quis falar com mulheres, acho que muitas se identificam comigo pela minha história.

Estou bem feliz. Quando fecho os olhos, é exatamente aqui onde eu imagino estar, não me quero em nenhum outro lugar. Nada melhor na vida do que ela fazer sentido.

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