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'Me mandavam lavar louça e reclamavam de perder para mulher', diz gamer

De Universa, em São Paulo

03/04/2023 04h00

Em 2019, Lohana Maelen, 25, tomou uma decisão ousada: largou o emprego formal em um banco para ser jogadora profissional de Free Fire. "Todo mundo me chamou de doida", lembra. No primeiro mês, trabalhando cerca de 15 horas por dia, conseguiu lucrar mais do que o antigo salário de R$ 1,5 mil e ganhou contratos como streamer — primeiro do Facebook Game e depois da Twitch.

Hoje, mais conhecida como Maellen, também se aventura na carreira musical: após gravar uma música com um amigo produtor de funk, assinou contrato com a Universal Music. Também estreia como apresentadora na TV fechada, no canal Woohoo, à frente do programa "Maellen Tá On".

Em entrevista a Universa, ela defende que jogos eletrônicos são esporte, não apenas entretenimento. "Falamos com um público imenso de jovens", diz ela, que tem 1,6 milhão de seguidores no Instagram. "Muitos se espelham em nós. Antes, queriam ser atletas de futebol; hoje, querem ser jogadores profissionais de LOL ou Free Fire."

Também mencionou as dificuldades de ser mulher lésbica no mundo gamer, ainda predominantemente masculino. "Me disseram para ir lavar louça."

Confira a entrevista.

UNIVERSA: Como foi sua aproximação com o universo gamer?
Maellen
: Comecei a jogar videogame bem nova: fliperama, Counter-Strike, GTA. Mas era só diversão. Quando conheci o Free Fire, passei a levar o jogo a sério e entrei em um time. Nos inscrevemos no campeonato Free Fire Pro League, a Liga Brasileira de Free Fire.

Qual foi seu desempenho?
De mais de 2 mil times, ficamos entre os 12 melhores no ranking geral, o quinto melhor do Brasil -- eu a única mulher da competição. Trabalhava num banco, fazia faculdade de gestão financeira e jogava Free Fire nas horas vagas, como hobby. Mas, quando fomos finalistas, decidi viver daquilo.

Me planejei para fazer live streaming, mesmo sem patrocínio ou renda fixa para me manter ou investir. Comprei no cartão de crédito os equipamentos mais em conta. No início de 2019, comecei o trabalho.

Teve receios de largar um emprego para apostar na carreira de gamer?
Nunca tive certeza de nada. A verdade é que arrisquei. Meus pais falaram que eu era doida. Estava no sétimo período na faculdade, faltava só um para me formar. Mas sentia que era a hora, não podia esperar. Tranquei a faculdade e pedi demissão. Em dois anos, se não desse certo, voltava para o banco.

E como foi no começo?
A plataforma pagava 0,03 centavo de dólar por hora assistida. No primeiro mês, fiz 17 horas diárias e ganhei 500 dólares. Na época, correspondia a R$ 1,5 mil, praticamente meu salário no banco. No terceiro mês, a plataforma faliu e o Facebook Game me contratou. Estou atualmente na Twitch e vivo do game. Acreditei nos meus sonhos e mostrei que não era só um joguinho, como diziam.

Por que decidiu seguir a carreira musical?
Minha mãe costumava me levar para karaokês. Meus pais sempre quiseram que eu fosse artista. Em meados de 2018, comecei a fazer shows com um amigo e lancei um funk com ele. Mas logo depois saí de casa, me assumi lésbica, conheci o Free Fire e deixei a música de lado.

Voltei com tudo em 2020, quando estava mais estável financeiramente. Junto com um produtor musical, apresentei um projeto para a Universal Music, que foi aprovado.

O que acha do argumento de que jogos eletrônicos não são esporte?
Se xadrez é considerado esporte, por que jogos eletrônicos não seriam? Você está parado, mas raciocinando, usando estratégias mentais. Já joguei na liga profissional, sei o quanto é difícil - exige coordenação motora e reflexo rápido. Para isso, é preciso investir em treino e dedicação.

Muitos se espelham em nós. Antes, jovens queriam ser atletas de futebol; hoje, querem ser jogadores profissionais de LOL ou Free Fire.

A indústria do entretenimento deve prestar mais atenção nesse nicho?
Sim. É um público jovem imenso. São milhares de gamers atrás da tela de um computador ou celular jogando todos os dias. Quem não está consciente disso está por fora, é retrógrado. Jovens e crianças jogam por diversão, mas também encontram outros streamers em quem se espelham e formam uma comunidade.

Como é ser mulher neste ambiente?
O mundo é machista e o cenário gamer também. Para cada 100 jogadores, há uma mulher. O problema não está na desenvolvedora de jogos, mas nos times que excluem as mulheres. É difícil ser mulher, lésbica e carregar a bandeira LGBTQIA+, que represento com orgulho.

Que comentários machistas já ouviu?
Já me mandaram lavar louça. Homens que venci disseram: "Não acredito que perdi para uma mulher". Qual o problema? Onde está escrito que a mulher é pior?

Foi difícil assumir a orientação sexual para a família?
Quando me assumi lésbica, aos 18, fui expulsa de casa. Foi um baque. Ainda não tinha conhecido o Free Fire. Trabalhava como recepcionista em uma academia de ginástica e fazia faculdade. Fui morar com minha então companheira. Minha mãe parou de falar comigo. Nos reconciliamos um ano depois. Expliquei que eu não tinha escolha. Não é opção, é orientação. Nasci assim.

Agora, estamos unidas. Se vê alguém falando mal de mim, minha mãe compra briga.