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Estupro: o que é, qual a pena, quando é possível denunciar e outras dúvidas

Estupro é um dos crimes que mais faz vítimas no país. A estimativa é que uma mulher seja violentada a cada oito minutos - Getty Images/iStockphoto
Estupro é um dos crimes que mais faz vítimas no país. A estimativa é que uma mulher seja violentada a cada oito minutos Imagem: Getty Images/iStockphoto

Camila Brandalise

De Universa

08/08/2020 04h00

Reconhecido pela legislação brasileira como um crime contra a dignidade sexual, o estupro é uma das violências que mais atinge as mulheres brasileiras. A estimativa é de que um caso seja cometido a cada oito minutos no país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019.

A lei reconhece o estupro simples, em que se força o contato sexual, desde 1830. O texto trazia o termo "mulher honesta", retirado apenas no Código Penal de 1940. Atualmente, a legislação abarca também situações específicas, como quando o crime é cometido contra menores de 14 anos (estupro de vulnerável) ou quando há mais de um estuprador envolvido (estupro coletivo). E traz punição severa aos agressores, com penas que vão de seis a 20 anos de prisão.

Mas, ainda que o Código Penal abarque esse crime e garanta rigor na tentativa de coibi-lo, a maioria das vítimas sentem medo de denunciar. E, muitas vezes, não sabem como e até quando podem registrar a prática criminosa.

Leia, abaixo, respostas para as principais dúvidas envolvendo o crime de estupro.

Estupro: o que é, qual a pena, quando denunciar

O que é estupro?

É um crime sexual em que uma pessoa força outra, por meio de violência ou ameaça, a ter qualquer tipo de contato sexual. Pode ser tanto o toque em partes íntimas e sexo oral quanto penetração.

Que tipos de estupro estão na legislação?

O Código Penal traz quatro tipos de estupro.

Estupro simples: em que há penetração ou o que a lei chama de "ato libidinoso", que pode ser qualquer tipo de contato sexual, sob ameaça ou violência.

Estupro de vulnerável: quando o mesmo ato é praticado com um menor de 14 anos, com uma pessoa com deficiência que não tem discernimento para a prática sexual ou com uma pessoa que, por qualquer motivo, não possa resistir ao ato, por exemplo, uma mulher alcoolizada.

Estupro coletivo: quando o crime envolve dois ou mais agressores.

Estupro corretivo: quando o ato é praticado na tentativa de controlar o comportamento social ou orientação sexual da vítima. Por exemplo, quando a violência é praticada contra uma lésbica.

Qual o artigo do código penal referente ao estupro?

O estupro simples está no artigo 213, que traz a seguinte definição para o crime: "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". Estupro de vulnerável é o artigo 217A.

Já os estupros coletivo e corretivo fazem parte do artigo 226, que fala sobre aumento de pena para quem comete esse tipo de crime.

Qual a pena para o crime de estupro?

Para o estupro simples, a pena é prisão de seis a dez anos. Se a vítima for menor de 18 anos e maior de 14, a pena passa a ser de 8 a 12 anos. Se for menor de 14 anos, a pena vai de 8 a 15 anos. Se o estupro for classificado como coletivo ou corretivo, a pena aumenta de um terço a dois terços da punição original.

Divulgar fotos ou vídeos de estupro é crime?

Sim. Segundo a legislação, divulgar imagens com cenas de estupro de qualquer tipo, seja ela uma foto ou um vídeo, é crime, tipificado no artigo 218-C. Assim como também é crime compartilhar imagens de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da pessoa que aparece na cena. Pelo compartilhamento entende-se tanto enviar a outra pessoa, no Whatsapp, por exemplo, como vender ou postar a imagem em redes sociais. A pena vai de um a cinco anos de prisão.

Estupro é crime hediondo? O que significa isso?

Sim. O crime hediondo é considerado um ato de extrema gravidade. Por isso, se a pessoa for condenada, recebe um tratamento mais severo do que em outros crimes. Assim, ao agressor não é permitida fiança, anistia ou indulto. E ele levará mais tempo para progredir no regime, do fechado para o semiaberto ou aberto. Também são crimes hediondos latrocínio (roubo com morte), corrupção e exploração sexual de crianças e adolescentes.

Até quanto tempo depois do crime a vítima pode denunciar o estuprador?

Crimes têm prazos para serem denunciados. É a chamada prescrição. Se o crime prescreveu, o Estado não mais pode processar, julgar ou condenar o acusado em razão do tempo decorrido. O tempo de prescrição depende da pena que o agressor poderia receber. No estupro simples, não havendo outro crime envolvido, a vítima pode denunciar o estupro até 16 anos depois de sofrer a violência.

Se for estupro de vulnerável, a prescrição é de 20 anos, que passam a contar a partir do momento que a vítima completa 18 anos. Essa contagem mudou em 2012 — antes, o tempo de prazo começava a correr a partir do dia do crime. Mas a nova contagem só vale a partir do ano em que a regra foi estipulada. Ou seja, somente crimes cometidos depois de 2012 têm a prescrição de 20 anos após a vítima fazer 18.

Qual a diferença entre estupro, assédio e abuso sexual?

No estupro, deve ocorrer a penetração ou qualquer ato sexual, como toque nas partes íntimas, com violência ou ameaça. Já o assédio sexual é entendido pela lei como um ato em que um "superior hierárquico", ou seja, o chefe no trabalho ou o professor na escola ou na universidade, constrange a vítima para obter "vantagem ou favorecimento sexual". O assédio sexual consta no artigo 216 e tem pena que vai de um a dois anos de prisão.

Abuso sexual, por outro lado, não é um tipo penal, ou seja, pela lei, não é considerado crime. O termo é usado de forma genérica como sinônimo para crime sexual.

Passar a mão nas partes íntimas de uma pessoa pode ser considerado estupro?

Se houver um ato de violência ou uma ameaça para que isso ocorra, sim. Caso contrário, é considerado importunação sexual.

Qual a diferença entre estupro e importunação sexual?

Para ser considerado estupro, o ato deve envolver violência ou ameaça. No caso da importunação sexual, não há esse violência ou ameaça envolvida. A importunação é um quando há algum contanto sexual de forma não consensual, "para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro", como consta no artigo 215-A do Código Penal. Por exemplo, relembrando um caso recente, quando um homem ejacula em uma mulher no transporte público, situação que, inclusive, deu origem à lei da importunação sexual, sancionada em 2018.

Por que a maioria das vítimas não denunciam estupros?

O estupro é um dos crimes mais subnotificados no Brasil. São registrados em média 180 casos por dia ou um caso a cada oito minutos. Mas pesquisas mostram que o número seria ainda maior. O último levantamento sobre notificações de que sem tem registro foi realizado em 2013, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, e mostrou que apenas 7,5% das vítimas de estupro vão à polícia.

Especialistas apontam que a baixa notificação está relacionada à vergonha que a vítima sente após ser estuprada, ao receio no tratamento que receberá na delegacia —onde muitas mulheres dizem ouvir perguntas como "Que roupa estava usando?" e se sentem culpadas pelos atos que sofreram—, à dificuldade de produção de provas e ao medo do agressor, principalmente quando ele é um familiar ou um conhecido.

Quem são as maiores vítimas de estupro no Brasil?

A maioria dos estupros no Brasil é cometido contra meninas de até 13 anos, por pais, padrastos, tios ou amigos da família, dentro da própria casa da vítima.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 81,8% das vítimas de estupro são do sexo feminino, e 53,8% são meninas de até 13 anos. Cerca de 70% dos crimes são cometidos por conhecidos, e a mesma média se refere aos crimes cometidos dentro da casa da vítima.

No caso de mulheres com mais de 18 anos, a violência sexual, quando praticada em ambiente doméstico pelo marido, namorado ou companheiro, é chamada de estupro marital, mas o termo não consta na lei.

O que é a cultura do estupro?

De acordo com a ONU Mulheres, braço para discutir políticas de gênero na Organização das Nações Unidas, o termo cultura do estupro é usado para identificar atos e comportamentos machistas, sexistas e misóginos que estimulem violências sexuais e as naturalizem, fazendo com que a própria vítima seja culpada pelas agressões que sofreu.

Faz parte da chamada cultura do estupro, por exemplo, responsabilizar uma mulher por ter sido estuprada ao justificar um ataque pelas roupas que ela vestia. Piadas, comentários constrangedores, ameaças, assédios de todo tipo também fazem parte dessa cultura, que deixa as mulheres em constante estado de medo e vigilância.

É verdade que mulheres inventam estupro?

O Brasil não tem dados oficiais sobre falsas denúncias de estupro. Por isso, pesquisadores brasileiros costumam se basear em estudos de outros países para responder a essa pergunta.

Um dos levantamentos mais usados como referência foi publicado em 2010 por quatro pesquisadores americanos das universidades de Massachusetts e Northeastern, que analisaram as denúncias de estupro feitas na segunda instituição por dez anos, além de revisar a bibliografia sobre o tema até então. No primeiro caso, as falsas acusações corresponderam a 5,9% das denúncias feitas na Universidade de Northeastern. Em relação às pesquisas anteriores, chegou-se ao resultado de que 2% a 10% dos casos seriam falsos.

Em 2017, o Senado brasileiro abriu uma votação online para que cidadãos se posicionassem a favor ou contra uma proposta de ideia legislativa para tornar a falsa acusação de estupro um "crime hediondo e inafiançável". A justificativa, na época, teve grande repercussão e, até hoje, é repetida por quem defende que a maioria das mulheres inventa estupros. A ideia chegou à Comissão de Direitos Humanos do Senado no mesmo ano, mas foi rejeitada.

Fonte: Alice Bianchini, advogada, doutora em Direito Penal pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), presidente da Associação Brasileira de Mulher de Carreiras Jurídicas e autora do livro "Crimes Contra Mulheres"; Mailô Andrade, advogada do Instituto Maria da Penha, doutoranda em Direito Penal pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e especialista em criminologia feminista; e Andrea D´Angelo, advogada criminalista e diretora do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)