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Amigos imaginários: como lidar com essa experiência fantasiosa dos filhos?

De animais a pessoas e até brinquedos que ganham vida, ter um amigo imaginário é uma vivência comum à maioria das crianças - iStock
De animais a pessoas e até brinquedos que ganham vida, ter um amigo imaginário é uma vivência comum à maioria das crianças Imagem: iStock

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, de São Paulo

03/08/2022 04h00

Um passarinho costuma visitar Laís, 7 anos, quase todos os dias. Apelidado de "meu amigo passarinho", a menina contou à mãe que conheceu o novo amigo num dia em que foi buscar flores no pátio do prédio. Desde então, sempre que vai ao térreo do condomínio, fica alguns minutos conversando com o coleguinha de asas sobre o que gosta de comer, de fazer, aonde foi e até consegue alguns consolos quando está triste.

"Reagi e ainda reajo com naturalidade e até pergunto sobre ele, só para ver se é uma amizade sadia ou se ela está se sentindo sozinha por ser filha única. Mas vejo que essa fantasia de amigos invisíveis é supernormal e até saudável. É como se fosse o momento dela de ócio em que, em vez de ficar entediada, usa sua criatividade para imaginar situações, brincar e até desabafar com o 'amigo'", diz a jornalista Lívia Aragão, mãe da menina.

De animais a pessoas e até brinquedos que "ganham vida", ter um amigo imaginário é uma vivência comum à maioria das crianças. Segundo a psicóloga Daiane Daumichen, essa situação é frequente, sobretudo entre três e sete anos de idade. É possível, inclusive, ter até mais de um amigo simultaneamente, sendo que cada um geralmente apresenta histórias e características diferentes.

Validando a preocupação de Lívia, os filhos únicos são, sim, mais predispostos a terem essa experiência. "Existem estudos que apontam que eles e os primogênitos são os mais propensos a terem um amigo imaginário e isso pode estar relacionado à necessidade de ter 'alguém' com quem possam se relacionar e falar, aliviando um sentimento de solidão pela ausência de outra criança", argumenta a profissional.

O lado bom da imaginação

Apesar de a situação soar estranha para alguns pais, existem benefícios para os pequenos na criação e convivência com esse amigo. Nesse sentido, a psicóloga destaca o conforto emocional diante ou após alguma situação delicada, o desenvolvimento da capacidade de se expressar e de imaginar e a melhora na compreensão de si mesmo.

"Através desse personagem imaginário, a criança consegue se manifestar e colocar para fora seus sentimentos, angústias, pensamentos e percepções, sem censura. Sempre digo que, quando falamos, 'tiramos' da mente e verbalizamos, podemos nos ouvir e organizar nossas ideias. Portanto, os amigos têm esse papel fundamental de ser uma espécie de 'ouvinte' da criança", ilustra.

Vivência também pode ser ruim

Contudo, mesmo oferecendo boas contribuições na vida da garotada, os amigos imaginários também podem ser prejudiciais a partir de certo ponto. Para compreender se esse é o caso, Daiane recomenda ficar de olho em três possíveis situações:

? O extremo: quando a criança passa a querer brincar ou conversar apenas com ele, isolando-se. O cuidado deve ser ainda maior se houver a manifestação de comportamentos como mudanças de humor, intolerância, impaciência e/ou agressividade.

? Se o amigo for adulto: caso esse amiguinho tenha o perfil de alguém mais velho, isso pode indicar carência ou até mesmo a ausência de uma figura adulta que possa acolher e orientar.

? Quando ele é o "culpado": uma vez que a criança começa a culpar o amigo imaginário por ações e comportamentos, trata-se de um dos cenários que pedem mais atenção, já que ela o responsabiliza por suas travessuras, buscando se isentar das responsabilidades e possíveis consequências.

Como os pais entram nessa?

Diante da situação, a atitude dos pais de ignorar totalmente o que está acontecendo é a pior reação, conforme aponta a psicóloga Bruna Rodrigues. Isso porque o comportamento das crianças sempre deve ser acompanhado, ou seja, cabe aos responsáveis dar atenção a esse momento. Caso seja difícil compreender o que está acontecendo, buscar ajuda profissional pode ser bastante útil.

"Muitas crianças extinguem o hábito de falar sobre o amigo imaginário por causa de punições vindas dos pais ou cuidadores. O assunto deve ser tratado da forma mais natural possível. Os adultos só precisam manejar a situação para não haver uma possibilidade de bullying com a criança", orienta a psicóloga.

Quando o amigo vai embora

Como observa Bruna, não existe uma idade específica para normalizar essa fantasia. Porém, é esperado que até cerca de sete anos o amigo "suma". Ainda assim, ela reforça que não é necessário os pais incentivarem o comportamento de extingui-lo, nem mesmo ignorá-lo. A dica é ouvir as crianças no momento de despedida desse coleguinha que não existe e dar atenção ao que elas dizem, sobretudo para aproveitar a oportunidade e conhecê-las melhor.

Alguns casos, porém, pedem mais atenção e até mesmo ajuda profissional, devido à forma como a criança se porta em relação ao assunto e, também, no dia a dia. "Quando os pais perceberem angústias e/ou conteúdos inapropriados ou incoerentes para a idade e percepção infantil, é preciso buscar um especialista para acompanhar o processo", indica a profissional.