Topo

Médica é autora de protocolo para atender mulheres vítimas de violência

Ana Flávia D"Oliveira, finalista do Prêmio Inspiradoras 2022 na categoria Conscientização e Acolhimento - Julia Rodrigues/Uol
Ana Flávia D'Oliveira, finalista do Prêmio Inspiradoras 2022 na categoria Conscientização e Acolhimento Imagem: Julia Rodrigues/Uol

Colaboração para Universa

13/07/2022 04h00

A médica Ana Flávia Pires Lucas d'Oliveira, 59, estava em início de carreira quando percebeu o quanto um episódio de violência tem impacto na saúde geral da mulher que foi vítima dele. Na época, em meados da década de 1990, havia acabado de concluir a residência em medicina preventiva e já trabalhava no Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (CSEB) na Universidade de São Paulo. O que chamou sua atenção foram os obstáculos que enfermeiras enfrentavam para realizar procedimentos ginecológicos corriqueiros, como a coleta de um papanicolau. Não era uma dificuldade técnica. Elas ficavam desconfortáveis com o contato íntimo. Isso porque tinham experiências pessoais negativas.

Muitas enfermeiras contaram sobre violências que haviam sofrido, como abuso sexual infantil ou agressões de parceiros. Ana Flávia Pires Lucas d'Oliveira,

A preocupação com o problema acabou norteando toda a carreira de Ana Flávia. Formada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela dedicou mestrado e doutorado a pesquisar como o entendimento das agressões poderia impactar na atenção integral da saúde da mulher e como o tema era percebido na rede de saúde. Assim, notou que a violência era vista apenas como um problema de segurança pública. Para ajudar a mudar esse cenário, a médica, que é finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Conscientização e Acolhimento criou um protocolo específico de atendimento de mulheres que foram vítimas de agressão.

"Quando um profissional de um posto de saúde, por exemplo, percebia algum sinal de agressão, dizia coisas do tipo: 'você vai fazer um boletim de ocorrência. Se não fizer é porque gosta de apanhar?. Outros davam conselhos, mas baseados em impressão e valores pessoais", diz.

Escuta ativa para reconhecer a violência

O primeiro resultado dos estudos de Ana Flávia foi a criação de um ambulatório, dentro do CSEB, da USP, para receber vítimas de agressão física ou psicológica que procuram o serviço de saúde. Trata-se do Confad, sigla para Conflitos Familiares Difíceis, que não tem a palavra "violência" no nome propositalmente. "As mulheres não chamam de violência o que acontece em casa. Algumas nem conseguem denominar. Outras chamam de ignorância, estupidez", explica a médica.

Além do acolhimento, Ana Flávia realiza pesquisas e oferece cursos e treinamentos. A experiência no local somada às investigações sobre o tema deram origem ao "Protocolo de orientação para atendimento especializado a mulheres em situação de violência". Na prática, são orientações sobre como ouvir os relatos, abordar temas delicados, fazer perguntas e ajudar a encaminhar os tratamentos. Entre as regras básicas estão, por exemplo, não fazer julgamento moral, acreditar no que a pessoa está narrando e garantir sigilo.

O profissional é capacitado também a reconhecer o risco que cada mulher corre, orientando-a a encontrar formas de enfrentar a situação. "Nesse atendimento, não trato a pessoa como vítima pura e simplesmente. Ela está numa engrenagem difícil, mas sempre há uma saída", diz Ana Flávia.

O atendimento no Confad dura de uma a quatro sessões. A médica deixa claro que não se trata de psicoterapia ou de serviço social e que esse tipo de acolhimento pode ser feito por qualquer profissional treinado. "É uma escuta em que a gente faz a conexão da violência com a questão de gênero e com a saúde, além de ajudar a mulher a pensar na rede de apoio que ela tem, nos projetos que gostaria de tocar", explica. Se necessário, a paciente recebe indicações de órgãos que podem lhe dar apoio, seja na justiça ou na assistência social.

Pelo espaço, passam residentes das áreas de saúde coletiva. Além dos estudantes, Ana Flávia já treinou profissionais da rede de saúde pública de São Paulo. Ela também participou da elaboração de um protocolo internacional para acolhimento de vítimas de violência lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e trabalha com a instituição na tentativa de inserir o tema na grade curricular de medicina e outros cursos da área de saúde. Como professora da Faculdade de Medicina da USP, ainda orienta futuros médicos que aprofundam pesquisas sobre o assunto.

Foco de estudo nas mulheres

O currículo de Ana Flávia está repleto de estudos sobre a questão da violência contra a mulher. No final dos anos 1990, por exemplo, participou de uma pesquisa internacional da OMS. Sob sua coordenação no Brasil, a pesquisa ouviu mais de 2000 mulheres na capital paulista e em 15 cidades da Zona da Mata de Pernambuco. A metodologia inédita estabeleceu bases para medição da violência. "Em vez de medir pela autopercepção, miramos os atos. Por exemplo, perguntávamos se o parceiro já havia dado um tapa ou tentado estrangular a mulher. Para violência psicológica, indagávamos sobre humilhação e ameaças", explica.

Atualmente, ela participa de outro estudo internacional, já em fase de finalização. O Healthcare Responding to Violence and Abuse, conhecido pela sigla Hera e coordenado pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, também visa entender como se dá as intervenções nos serviços de saúde quando há casos de violência doméstica. Entre 2018 e 2021, o projeto treinou mais de 700 profissionais em oito unidades básicas de saúde em São Paulo.

"Ana Flávia foi minha aluna na residência e a orientei no mestrado e no doutorado. Ela é muito comprometida com a questão da saúde da mulher tanto pela ótica dos direitos reprodutivos e sexuais, quanto pelo aspecto da violência de gênero", diz Lilia Blima Schraiber, professora da Faculdade de Medicina da USP. Lilia participou da criação do CSEB em 1997 e coordenava o espaço quando Ana Flávia implementou o Confad. "Ela desenvolveu uma pesquisa aprofundada sobre esse tema. Há, portanto, um ponto de vista científico. Mas Ana Flávia também é da prática e atua até hoje nos atendimentos", diz.

Sobre o Prêmio Inspiradoras

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias: Conscientização e acolhimento, Acesso à justiça, Inovação, Informação para a vida, Igualdade e autonomia, Influenciadoras, Representantes Avon.

Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, é só consultar o Regulamento.

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.