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Mulheres denunciam advogado por agressão: 'Pensei que ia morrer'; ele nega

A desembargadora Silvia Prado afirma ter sido agredida pelo advogado Miguel Mantilha Filho - Arquivo pessoal
A desembargadora Silvia Prado afirma ter sido agredida pelo advogado Miguel Mantilha Filho Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa

17/03/2022 04h00Atualizada em 17/03/2022 16h49

Desde 2009, o advogado Miguel Mantilha Filho, de 49 anos, acumula na Justiça casos de agressão contra ex-companheiras: são pelo menos 14 processos em Varas Criminais e também de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, em São Paulo. Neles, vítimas relatam quase o mesmo tipo de ataque: xingamentos, socos, arremesso de objetos.

Em pelo menos um boletim de ocorrência a que Universa teve acesso, de 2012, Miguel admitiu que perdeu a cabeça e começou a jogar objetos na direção de uma companheira. Universa conversou com três dessas vítimas, e também com Miguel, que diz não poder se pronunciar porque os casos estão em segredo de Justiça.

A desembargadora Silvia Prado foi agredida pelo advogado Miguel Mantilha Filho - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A desembargadora Silvia Prado com o advogado Miguel Mantilha Filho
Imagem: Arquivo pessoal

A desembargadora Silvia Prado, 63, ficou viúva no início de 2021. Passou meses em depressão profunda a ponto de nem querer comer. Foi nesse momento de vulnerabilidade que Miguel apareceu. Ele a achou numa rede social e pediu para ser aceito como amigo, ela conta.

"Ele lembrava muito meu marido, o que me encorajou a continuar com as conversas", afirma Silvia.

A primeira agressão e uma nova chance

Silvia afirma que o ex-companheiro sabia que ela estava para receber uma herança deixada pelo marido falecido, e achou que receberia uma parte. Em dezembro do ano passado, os dois estavam no apartamento dela, no Guarujá, litoral de São Paulo, quando, após ingerir bebida alcoólica, iniciou uma discussão por causa disso. Silvia relata que o homem ameaçou jogar seus três gatos da varanda do 17º andar. Ela tentou acalmá-lo para evitar o pior, trancou-se na suíte com os bichos e conseguiu acionar, por telefone, o filho, o zelador do condomínio, uma pessoa da igreja que frequenta e mais alguns amigos, e todos se reuniram no apartamento para protegê-la e colocá-lo para fora.

Alguns duas depois, conta Silvia, Miguel pediu perdão, fez juras de amor e ela escolheu dar uma segunda chance. "Eu não o perdoei, apenas dei uma chance a mais para mim porque, querendo ou não, foi ele que me tirou da cama, e nas horas em que ele não estava enfurecido, era uma excelente pessoa."

"Estava à beira da morte"

Mas no dia 11 de janeiro deste ano veio nova agressão. Ela conta que os dois conversavam na varanda do imóvel quando, do nada, o homem começou a falar mal de seu falecido marido, com palavras racistas e, ao defendê-lo, foi lançada no chão. Ela caiu de costas, bateu a cabeça e desmaiou. Acordou numa poça de sangue.

"Ele conseguiu quebrar o meu nariz, descolar a minha retina e por causa disso enxergo muito mal. Ainda fraturou minha costela com os pontapés que levei", Silvia descreve.

Após mais de uma hora de gritaria e pedidos de socorro, a vizinha do andar de baixo chamou o zelador do prédio, que acionou a polícia. Dois agentes estiveram no local e, conforme relata a desembargadora, eles flagraram Miguel tentando enforcar Silvia. Os policiais levaram o então casal para um pronto-socorro, onde foram constatados ferimentos no rosto e no couro cabeludo de Silvia, e "nada de ferimentos no agressor", conforme consta no boletim de ocorrência.

Miguel foi preso em flagrante por lesão corporal leve no âmbito da violência doméstica. Foi cobrada ainda fiança de R$ 3,3 mil, o que não foi pago. Ele saiu após audiência de custódia.

Silvia passou oito dias na UTI por causa dos ferimentos e semanas depois adquiriu estresse pós-traumático, precisando se internar por mais uma semana. "Fiquei à beira da morte", ela afirma.

A desembargadora Silvia Prado foi agredida pelo advogado Miguel Mantilha Filho - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A desembargadora Silvia Prado teve marcas da agressão pelo corpo
Imagem: Arquivo pessoal

O outro lado

Por mensagem de áudio, Miguel informou que pelo fato de o processo correr em segredo de Justiça não poderia falar sobre o tema.

Conforme consta no boletim de ocorrência ao qual Universa teve acesso, ele explica ao delegado de plantão que tentava sair do apartamento quando Silvia "ficou transtornada" e "começou a gritar, pegou objetos e se autoagrediu".

Ele fala ainda que chamou a polícia militar "para ajudar a conter a fúria descontrolada de sua esposa". Segundo ele, a ex-companheira estava bebendo e que "sempre que bebe se transforma". Na sua página no Facebook, Miguel repetiu o discurso: escreveu que ele e Silvia tiveram um desentendimento e que ela, "sob efeito de bebidas, perdeu o controle."

O advogado Miguel Mantilha Filho se defende de acusações de violência contra a mulher - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
O advogado Miguel Mantilha Filho se defende de acusações de violência contra a mulher
Imagem: Reprodução/Facebook

A Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público por lesões corporais graves, mas a dra. Andrea Srevilha, que é assistente de acusação de Silvia, tentará mudar a acusação para tentativa de feminicídio.

"Temos a certeza de que ele tentou matar Silvia. Ele é homem que tem por hábito bater em mulher, e vamos lutar para que outras vítimas tenham coragem de denunciar", explica a advogada.

Com esta atitude espero ajudar muitas mulheres e buscar Justiça

Desembargadora Silvia Prado

"Ele perdia a cabeça"

Enquanto Silvia permanecia internada tratando as consequências das lesões sofridas, recebeu no hospital a visita de outra ex-companheira de Miguel, que também o acusa de agressão e violência patrimonial. Desse encontro surgiu uma rede de apoio com mulheres vítimas de Miguel.

A Universa, Camila*, que prefere não ser identificada, de 65 anos, relata que conheceu o ex em dezembro de 2017, e iniciaram ali um relacionamento conturbado entre várias separações, ocasionadas, ela aponta, por ciúmes dele. "Ele perdia a cabeça."

Mesmo assim, há dois anos foram morar juntos. E em dezembro de 2020 veio a agressão: "Ele encheu a cara e queria me obrigar a comer uma carne. Me jogou um prato e acabou cortando minha perna. Ainda me jogou no chão e arranhou minhas costas. Também fiquei com os braços roxos."

A vítima afirma ter pedido para o homem ir embora, mas ele não aceitou. "Estupidamente o perdoei, mas sabia que não dava para continuar. O próximo ataque aconteceu logo em fevereiro de 2021. Ele falou que desejava a minha filha morta, e não aguentei", fala a mulher, que contabiliza ter emprestado cerca de R$ 60 mil para o ex, para entre outras coisas pagar despesas com o apartamento da mãe dele e também para a pensão de sua filha.

Investigação após boletim de ocorrência

Camila chegou a Silvia após ser acionada por outra vítima, Andrea Cury. A administradora de empresas, 59, revela que também foi agredida em 2013 após uma discussão que envolvia dívidas contraídas por Miguel. Os dois tinham acabado de se mudar para um apartamento, no Guarujá.

"Comecei a ficar assustada porque ele gritava e tinha um ódio, uma fúria do mundo, chutava os objetos e me xingava. Quando eu fui pegar o telefone, ele falou: 'Se você botar a mão nesse telefone eu te mato'. Na hora, pensei: 'Eu vou morrer hoje'.

Ela disse que fez um boletim de ocorrência apenas três meses após o crime. E teve a ideia de investigar o histórico de Miguel. Lembrou-se que o ex-companheiro fora casado e procurou a sua ex-mulher. A surpresa: ela também registrou boletim de ocorrência por agressão. E a partir deste contato descobriu outros processos e vítimas.

Denunciado e atividades como advogado suspensas

Pela agressão Miguel foi condenado por lesão corporal em violência doméstica, a três meses de detenção em regime aberto, além de ter que doar uma cesta básica no valor de R$ 800 para uma entidade beneficente. O homem recorreu e alegou, no processo, ser vítima de chantagem.

Em 2019, Miguel teve o exercício profissional de advocacia suspenso. Segundo decisão da Décima Sétima Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho Secional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, o motivo foi tentativa de enriquecer à custa do cliente e recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas.

Procurada, a OAB-SP informa que apura toda e qualquer infração que chegue a seu conhecimento, mas que as decisões de caráter disciplinar vêm após o julgamento de todos os recursos pendentes, inclusive perante o Conselho Federal. No caso concreto, informa a nota enviada pela entidade, por causa do sigilo legal, não é possível informar o teor da decisão da OAB, assim como o andamento de eventual recurso.

Estatuto da vítima pode dar mais acolhimento à mulher

Diante de tantos registros de ocorrência de violência doméstica sobre uma mesma pessoa, paira a dúvida quanto aos motivos que levam ao acusado de estar respondendo em liberdade. Na avaliação da promotora Celeste Leite dos Santos, do MP-SP, ninguém é preso por lesão leve, e defende mais rigor nos exames de corpo e delito.

"A polícia e o Ministério Público têm que fazer a prova pericial correta, mandar fazer laudos psiquiátricos para mensurar a extensão do dano causado na vítima", ela sugere.

Para garantir o direito a essa perícia médica para constatação de danos psíquicos e também a indenização por danos materiais, morais e psicológicos causados pela agressão, Celeste criou o Estatuto da Vítima. Se aprovado, ele permitirá que a mulher receba apoio e tratamento profissional, individualizado e não discriminatório desde o seu primeiro contato com profissionais da área da saúde, segurança pública e da Justiça. O texto está sendo avaliado na Câmara dos Deputados.

Como denunciar a violência doméstica

Em flagrantes de violência doméstica, ou seja, quando alguém está presenciando esse tipo de agressão, a Polícia Militar deve ser acionada pelo telefone 190.

O Ligue 180 é o canal criado para mulheres que estão passando por situações de violência. A Central de Atendimento à Mulher funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O Ligue 180 recebe denúncias, dá orientação de especialistas e encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. Também é possível acionar esse serviço pelo Whatsapp. Neste caso, o telefone é (61) 99656-5008.

Os crimes de violência doméstica podem ser registrados em qualquer delegacia, caso não haja uma Delegacia da Mulher próxima à vítima. Em casos de risco à vida da mulher ou de seus familiares, uma medida protetiva pode ser solicitada pelo delegado de polícia, no momento do registro de ocorrência, ou diretamente à Justiça pela vítima ou sua advogada.

A vítima também pode buscar apoio nos núcleos de Atendimento à Mulher nas Defensorias Públicas, Centros de Referência em Assistência Social, Centros de Referência de Assistência em Saúde ou nas Casas da Mulher Brasileira. A unidade mais próxima da vítima pode ser localizada no site do governo de cada estado.