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Denise Fraga: 'Menopausa é horroroso, me senti murchando para a vida'

Denise Fraga interpreta Júlia em "Um Lugar ao Sol" - Fábio Rocha/TV Globo/Divulgação
Denise Fraga interpreta Júlia em "Um Lugar ao Sol" Imagem: Fábio Rocha/TV Globo/Divulgação

Nina Rahe

Colaboração para Universa, de São Paulo

23/02/2022 04h00

Quando a atriz Denise Fraga recebeu o roteiro de uma das cenas da novela "Um Lugar ao Sol", ficou especialmente emocionada. Nela, sua personagem, a cantora e alcoolista Júlia, diz ao filho (Gabriel Leone) que não acredita ser capaz de seguir com o tratamento contra o vício, mas que irá insistir para honrar a certeza que ele tem de que a mãe pode se curar.

Com mais de 30 anos de profissão e a sabedoria de que a atuação é um exercício de alteridade, Denise encontrou nas reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA) um lugar de acolhimento. Nos encontros que frequentou para se aproximar da vivência de Júlia, conseguia se enxergar através do outro e aprender mais pelo não dito do que pelo dito — esse vocabulário humano que, segundo ela, temos nos distanciado cada vez mais: uma hesitação, um gaguejo, um olhar baixo.

"É importante a gente tirar nossas cascas. Se há algo que devemos aprender com a pandemia é que a vida é mais que a alta voltagem que essa sociedade financista colocou. É preciso ter disponibilidade para o outro", resume a atriz.

E nesse exercício diário de manter o interesse pelo outro, em conversas cotidianas, Denise parte de questionamentos simples, como "que horas você começou a trabalhar hoje?', para as mais pessoais. "O que fez ontem quando chegou em casa?", a atriz costuma perguntar. Assim, quebrando o silêncio, ela diz se tornar capaz de "viver emprestado" por meio de bons relatos.

"A pessoa fica surpresa quando vê que sua curiosidade é legítima, e você ganha uma história e uma vivência que podem te fazer chorar."

Ciclos da vida

No elenco de "Um Lugar ao Sol" protagonizando cenas marcantes, fazia 25 anos que Denise não atuava em novelas. A trama, escrita por Lícia Manzo, levou para o horário nobre discussões aprofundadas de temas do universo feminino pouco abordados na TV, como a não-maternidade, masturbação, etarismo, relação homoafetiva e menopausa. Este último, um processo desafiador para a atriz, mas que ela vem enfrentando. "A menopausa é um tabu, ninguém quer atestar falência, mas é possível buscar uma vida saudável e entender o ciclo de envelhecimento", diz.

Denise ainda falou sobre casamento, vícios, empatia, lugar de fala e mais. A seguir, confira o melhor da entrevista.

UNIVERSA: Você chegou a dizer que todos nós deveríamos ir a reuniões do AA, porque estamos cheios de vícios. O que aprendeu nesses encontros?
DENISE FRAGA: Fiquei impressionada como é simples e eficaz o que eles fazem. Através do espelho do outro, você se toca sobre o que está acontecendo com você. Estamos vivendo uma época em que as pessoas estão muito sozinhas e ali elas falam de suas experiências. Não tenho problema de alcoolismo, mas senti vontade de continuar porque queria um lugar onde eu pudesse chegar e ouvir.

Nós chegamos no fim do dia com frustrações porque a vida entrou numa voltagem absurda, o celular virou um órgão vital, mas tem um preço grande e está provado a adição que causa. A gente está se desumanizando e as pessoas estão sem vocabulário para exprimir suas dores.

De que maneira você lida com o celular?
Tento fazer tratos comigo de abstinência. Eu preciso das redes sociais para ter o teatro cheio, mas sinto que, se deixar, ela me come. Se não cuidar, fico passando o dedo [na tela] sem nem entender para quê. Longe de mim comparar o vício das drogas a esse, mas vivemos em uma sociedade de adictos. Eu consigo controlar bem, mas você vai sendo tragado e isso já é a nossa nova formatação.

Como está sendo abordar o alcoolismo em suas múltiplas camadas?
Com a coisa da empatia, você corre o risco de falar "se fosse eu, eu agiria assim". Mas o grande lance é "se eu fosse ele". Então, pensei o que poderia ser de mim se essa história tivesse acontecido comigo e fui me deixando me atravessar por aqueles sentimentos e, por isso, me emocionei tanto. Não tem outra saída para a gente do que um real exercício em relação ao outro e acho que talvez isso seja resultado dos meus 50 e tantos.

"Para que me servem essas rugas se eu não tentar me abrir para compreensão humana, para a compreensão desse dilema que é a existência?"

Na novela a relação entre a Júlia e sua mãe (Regina Braga) é conflituosa. Como é a relação com a sua mãe?
Minha mãe me ensinou muito a respeito da coragem. Ela gosta de viver, mas entende que a vida precisa de trabalho na terra. Talvez minha maior educação tenha sido essa compreensão de que a vida se faz. Quando pergunto para um taxista "o que você fez ontem à noite?", há riscos, como o de ser inadequada, mas passando da primeira página, você ganha a possibilidade de se aproximar do outro.

A gente tem que fazer um esforço para subir o elevador com o vizinho, para ter proximidade, porque senão todos seremos jogados na frente de um mundo letárgico, de uma sociedade medicada. São tempos difíceis que precisam de exercício para melhorar.

Em uma entrevista com Lícia Manzo [autora de "Um Lugar ao Sol", ela diz que as mudanças no corpo da mulher com a menopausa é um assunto fadado a sete véus. Como é para você?
Tenho 57 anos, já entrei na menopausa e faço reposição hormonal. Que bom que posso fazer, porque a menopausa é algo horroroso, me senti murchando para a vida.

A menopausa é um tabu, ninguém quer atestar falência, mas é possível cuidar, buscar uma vida saudável, e com isso entender o ciclo de envelhecimento.

Não é fácil, ainda mais quando você se vê na televisão. Fico pensando em fazer o mínimo para as coisinhas que me incomodam [na aparência], mas tenho medo desses procedimentos. Não queria parecer mais jovem, mas uma mulher de 57 anos bacana.

Me sinto mais interessante hoje, uma pessoa mais velha. Nossa, tanta coisa aconteceu comigo.

Lícia também fala sobre o fato de que há sempre uma mulher fingindo para si e para o seu companheiro que nada mudou. Você é casada há 26 anos com o diretor Luiz Villaça. Passaram por muitas crises?
Dizer que não passei por crises seria uma mentira, mas achamos um lugar de respeito. A gente discute muito Nós somos diferentes, mas melhores quando estamos juntos. Tem uma história que eu conto, que a gente estava caminhando na praia e eu ficava abaixando para pegar conchinhas. Cada vez que eu abaixava, ele falava: "Você vai ficar catando conchinha?" Daí eu disse: "Quando eu abaixar, continua caminhando porque aí eu corro e te alcanço". E nessa hora me deu um clique de quanto aquilo simbolizava a nossa relação: o quanto ele me faz andar para a frente e o quanto eu o faço olhar para o lado.

A novela traz uma série de temas que não costumam ser abordados, como aborto, relação homoafetiva. Você já viveu alguma das situações que estão ali apresentadas?
Nunca fiz um aborto e acho que sou hétero. Não consigo desenvolver sobre esse tema a não ser na minha trajetória de alteridade. Eu fico tão feliz com a função que as novelas têm e tiveram nesse campo homoafetivo quando vejo minha sogra, pessoas que tinham preconceitos e hoje são muito mais libertas por causa dessa coisa que entrou na grande mídia. É uma grande evolução.

Denise Fraga em cena do monólogo "Eu de você" - Caca Bernardes - Caca Bernardes
Denise Fraga em cena do monólogo "Eu de você"
Imagem: Caca Bernardes

Você já falou sobre a dificuldade da mulher de 50 anos, que acaba em um limbo. Como fez para contornar essa posição?
Eu sou comediante e a comédia em si não tem idade, mas produzo a maioria dos meus projetos. As pessoas não escrevem para essa faixa etária e isso está mudando, só que é um longo caminho. Hoje não tenho muito problema com essa questão da idade, mas me chamaram para fazer um filme e fui conversar com o diretor. Falando comigo, ele disse que tinha me achado jovem para o papel. Gostei do roteiro porque eu ia ser uma avó com netos de 7 anos e eu tenho idade pra isso, mas ele achou que eu era jovem. Quase liguei para dizer "eu posso fazer essa mulher, eu sei quem ela é."

Você parece nunca ter se limitado a um tipo de personagem. Interpretou um homem em "Galileu, Galilei", uma chinesa em "A Alma Boa de Setsuan". Hoje, com as discussões sobre lugar de fala, se arrepende de algum papel que tenha feito?
No "Retrato Falado" [quadro do "Fantástico" que foi ao ar até 2007], fazíamos várias pessoas negras e eu me pintava inteira. Isso perdeu o sentido. Não faria de novo um papel que me pintasse de negra para mimetizar. Por que não chamar uma atriz negra? Na peça "Eu de você" [que estava em cartaz no Rio de Janeiro], conto a história de muitas pessoas entrelaçadas e na hora que vamos falar da história de uma moça negra que nos escreveu, de alguma forma, eu peço licença para estar naquele lugar de fala porque a gente está em um processo evolutivo forte e tem que entender qual a nossa parte nisso.

Durante a pandemia, você adaptou "Galileu Galilei" para monólogo e encenar essa peça foi também uma forma de valorizar a ciência. Qual foi o sentido de trazê-la para os dias de hoje?
Foi muito bom ter falado nessa hora de tanto absurdo que tem acontecido. Quando pensamos que iríamos ouvir pessoas dizendo que a terra é plana? Primeiro, parece piada, mas quando você vê que não é, parece pesadelo. E foi assim que Bolsonaro se elegeu, ninguém acreditava que ele fosse se eleger. É muito triste ver tanta gente que votou nele pagando o preço de ter votado e, talvez, essas pessoas nem estejam se informando o necessário para votar nesta eleição e votem errado de novo. "Há um prejuízo que não vão ser quatro anos para melhorar. Vamos demorar muito anos para recuperar esses quatro anos de Bolsonaro."