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Argentina: mulheres protestam contra ator brasileiro acusado de estupro

Em frente ao Consulado do Brasil em Buenos Aires, Thelma Fardin (centro), participa de ato contra anulação do julgamento do ator Juan Darthés - Aline Gatto Boueri/UOL
Em frente ao Consulado do Brasil em Buenos Aires, Thelma Fardin (centro), participa de ato contra anulação do julgamento do ator Juan Darthés Imagem: Aline Gatto Boueri/UOL

Aline Gatto Boueri

Colaboração para Universa, de Buenos Aires, Argentina

11/02/2022 09h59

O coletivo Atrizes Argentinas organizou um ato nesta quinta-feira (10) em frente ao consulado do Brasil em Buenos Aires, em protesto contra a anulação do julgamento do ator Juan Darthés, acusado de estupro pela atriz argentina Thelma Fardin, que também estava presente na manifestação.

Segundo a atriz, o crime ocorreu na Nicarágua, em 2009, em um quarto do hotel onde ambos se hospedavam durante a turnê internacional de um programa infantil no qual atuavam. Na época, a atriz tinha 16 anos e Darthés 45.

Darthés tem nacionalidade brasileira, mas fez uma carreira de sucesso na Argentina, onde atuou em telenovelas e se tornou muito famoso. O ator se mudou para o Brasil em 2018, logo depois de Fardin denunciá-lo publicamente por violação.

O MPF (Ministério Público Federal) da Nicarágua apresentou uma denúncia contra Darthés e o Judiciário do país decidiu acatá-la. O país caribenho também pediu a extradição do ator e a Interpol emitiu um alerta de captura internacional contra ele.

Thelma Fardin, atriz que denunciou Juan Darthés por estupro quando ela tinha 16 anos, esteve na manifestação - Aline Gatto Boueri/UOL - Aline Gatto Boueri/UOL
Em 2018, Thelma Fardin denunciou Juan Darthés por estupro; ator se mudou para o Brasil para evitar extradição à Nicarágua
Imagem: Aline Gatto Boueri/UOL

Na Argentina, Darthés poderia ser extraditado para responder pelo crime na Nicarágua, mas enquanto estiver no Brasil, está protegido pela Constituição, que não permite a extradição de cidadãos nacionais. No entanto, o Código Penal prevê o julgamento de brasileiros no território nacional por crimes cometidos no exterior.

Em abril de 2021, o MPF-SP (Ministério Público Federal de São Paulo) apresentou uma denúncia contra Darthés, que foi aceita pela Justiça Federal. O julgamento teve início em novembro do mesmo ano. As testemunhas do caso, além da própria Thelma Fardin, prestaram depoimento de maneira virtual na sede da Unidade Fiscal Especializada em Violência contra Mulheres (Ufem) do MPF argentino.

Na última terça-feira (8), Fardin anunciou que o TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) decidiu anular o processo por entender que a competência legal para o caso é do Judiciário estadual.

Em vídeo divulgado em suas redes sociais, a atriz afirma que a anulação do julgamento deixa uma mensagem de impunidade. "Se algo assim acontece em um processo como o meu, no qual colaboraram MPFs de três países diferentes e quando há um movimento de mulheres que me acompanha, o que resta para outras mulheres que decidem acudir ao Judiciário?", se pergunta.

"A previsão constitucional é de que a competência legal é estadual. Mas o STF (Supremo Tribunal Federal) entende que a competência é federal quando há outros países envolvidos. Se as instâncias inferiores respeitassem os entendimentos dos tribunais superiores, isso não aconteceria", explica Priscila Pamela Santos, advogada criminal e integrante do #MeToo Brasil.

"O tribunal superior também erra quando não determina que essa decisão é vinculante, ou seja, que os tribunais inferiores têm obrigação de acatá-la. O prejuízo que isso gera é a falta de segurança na distribuição do processo", avalia a advogada.

Mulher segura cartaz com a frase "justiça por Thelma" durante o protesto, em Buenos Aires - Aline Gatto Boueri/UOL - Aline Gatto Boueri/UOL
Mulher segura cartaz com a frase "justiça por Thelma" durante o protesto, em Buenos Aires
Imagem: Aline Gatto Boueri/UOL

Extinção da pena

A anulação do processo na Justiça Federal trouxe o temor de que, mesmo condenado, o ator não precise cumprir a pena, já que o MPE (Ministério Público Estadual) teria que apresentar uma nova denúncia, que ainda teria que ser aceita pela Justiça estadual. O caso corre em sigilo e até a noite de quinta (10), a PRR3 (Procuradoria Regional da República da 3ª Região) do MPF ainda não tinha tomado ciência da decisão do TRF3.

Segundo o Código Penal brasileiro, a pena mínima para o crime de estupro contra vítima menor de 18 anos e maior de 14 é de oito anos, enquanto a pena máxima pode chegar a 12. O prazo de prescrição para início do processo é de 16 anos, mas quando a sentença é ditada, esse prazo é calculado de acordo com a pena recebida pelo réu.

No caso de Darthés, a denúncia foi aceita pela Justiça federal 12 anos após o estupro pelo qual é acusado, ou seja, dentro do prazo para início do processo. Nesse momento, a prescrição foi interrompida e a Justiça passou a contar o tempo a partir da aceitação da denúncia.

Caso o TRF3 tenha anulado a aceitação da denúncia também - e não só a competência federal para julgar o caso - a prescrição volta a ser calculada a partir de 2009, quando o estupro teria ocorrido.

Uma nova denúncia ainda estaria dentro do prazo de 16 anos, mas se o ator for condenado à pena mínima, de 8 anos, sua defesa pode alegar que passaram-se mais de 12 anos entre o novo recebimento da denúncia e os fatos. Nesse cenário, mesmo com uma sentença condenatória, a pena seria extinta.

Darthés estaria então livre, mesmo condenado. Por outro lado, enquanto o processo não for concluído no Brasil, o da Nicarágua permanece aberto e o ator estaria sujeito à extradição ao país caribenho se deixasse o território brasileiro.

Lentidão do Judiciário

"Nesse caso, o problema foi a demora do na instauração do processo. Um dos requisitos para o Brasil atuar é a entrada da pessoa em território nacional, então desde 2018 esse processo poderia ter sido iniciado no país. Essa demora é o que traz prejuízo à vítima", aponta Priscila Pamela Santos.

A advogada lembra ainda que o que prejudica as vítimas desse tipo de delito não são as garantias constitucionais dos réus, mas a lentidão do Judiciário.

"Temos poucos defensores públicos, a jornada de trabalho de juízes e promotores é de poucas horas comparada à de outros trabalhadores e isso precisa mudar. E também nossos tribunais criminais das primeiras instâncias precisam observar as decisões dos tribunais superiores, com menos possibilidade de recurso. É a estrutura do judiciário que prejudica as vítimas, não os direitos dos réus"

Para Martín Arias Duval, advogado de Thelma Fardin na Argentina, a defesa de Juan Darthés busca atrasar a conclusão do processo para evitar que ele cumpra a pena, caso condenado.

"Se ele é inocente mesmo, o melhor para ele é que haja uma sentença no Brasil, porque só assim a causa na Nicarágua seria arquivada e o pedido de captura internacional deixaria de existir. No entanto, tenho a impressão de que o que ele quer é postergar o veredito da justiça brasileira para no futuro conseguir uma prescrição da pena", afirma.

No Brasil, a Thelma Fardin não tem defesa constituída e quem leva adiante a acusação é o Ministério Público. O advogado de Juan Darthés na Argentina, Fernando Burlando, não respondeu aos pedidos de entrevista de Universa até o fechamento da reportagem.