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Após propaganda, bebê Alice vira meme: há regras para a exposição infantil?

A imagem de Alice passou a ser replicada em diferentes contextos, inclusive de apoio a políticos. Mãe da menina usou suas redes sociais para dizer que não autoriza essas postagens - Reprodução / Internet
A imagem de Alice passou a ser replicada em diferentes contextos, inclusive de apoio a políticos. Mãe da menina usou suas redes sociais para dizer que não autoriza essas postagens Imagem: Reprodução / Internet

Ana Bardella

De Universa

06/01/2022 04h00

Após participar de uma campanha publicitária, a bebê Alice, de 2 anos, se tornou meme nas redes sociais. Na propaganda, promovida pelo banco Itaú, ela diz palavras como "respeito", "esperança" e "humanidade", enquanto interage com a atriz Fernanda Montenegro. Na internet, a imagem de Alice passou a ser replicada em diferentes contextos, alguns deles de humor, outros de crítica ou apoio a políticos. Morgana Secco, mãe da menina, usou as suas redes sociais para comentar essas postagens: "Queria deixar claro que a gente não deu autorização pra nenhum deles, e a gente não concorda em associar a imagem da Alice com fins políticos ou religiosos".

É permitido criar memes com a imagem de uma criança? O que dizem a lei e psicólogos que estudam comportamento infantil sobre casos como o de Alice e outros jovens submetidos aos julgamentos das redes sociais? Universa ouviu especialistas para entender a legislação e os possíveis impactos da exposição na vida da crianças.

Como funciona a participação de crianças em comerciais?

Consultado por Universa, Ariel de Castro, advogado especialista em direitos humanos e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, explica: "Menores de 16 anos precisam de autorização judicial concedida nas varas da infância e juventude para atuar em comerciais, novelas, filmes e peças teatrais".

Nos casos das campanhas publicitárias, as agências de publicidade, com a autorização dos responsáveis legais, entram com um pedido e obtêm a autorização. "Para ser concedida, a Justiça deve analisar as condições da atuação: o tipo de comercial, se a criança não sofrerá constrangimentos, intimidações, ameaças ou humilhações", cita.

Também é necessário que as gravações sejam realizadas por períodos curtos, de forma lúdica e com a vontade e a espontaneidade da criança em participar. "Ela deve estar acompanhada dos responsáveis, não pode sofrer restrições de sono, alimentação e nenhum prejuízo físico, psíquico ou moral", completa. A rotina de estudos também não pode ser prejudicada.

É permitido criar memes com a imagem de uma criança?

De acordo com Ariel, qualquer manipulação no contexto original de uma gravação ou foto envolvendo um menor de idade deve ser analisada com cuidado.

"Se uma distorção gera ridicularizações ou humilhações a uma criança, os familiares não podem ser responsabilizados, especialmente se o material original foi produzido de acordo com a lei e com a autorização da Justiça", afirma. O que deve ser feito, caso os familiares se incomodem com o uso indevido da imagem do menor de idade, é pedir a remoção da postagem.

Outra possibilidade é entrar com uma ação na vara da infância e da juventude visando a retirada dessas publicações de sites e redes sociais. "Além disso, podem ser movidas ações de indenização por danos morais contra os responsáveis pelos memes que forem considerados vexatórios ou humilhantes, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o direito ao respeito e à imagem, além de garantir que os menores não sejam submetidos a tratamentos constrangedores".

Como fica o desenvolvimento de uma criança famosa?

Alice não é a única a ganhar grande repercussão ainda na infância. Muitos atores assumem papéis em novelas ou campanhas publicitárias antes até de chegarem à adolescência. A psicóloga Andressa Bellé, de São Leopoldo, explica que a fama precoce pode implicar em ganhos e perdas na juventude.

"Entre 3 e 6 anos, as crianças já ampliam suas interações com outras pessoas. Elas passam a ter, gradativamente, uma noção maior do ambiente e das interações sociais. Quanto mais velhas ficam, mais percebem as reações que causam nos outros. No caso das crianças famosas, veem os elogios pelos seus comportamentos", diz.

O lado negativo da exposição, explica Andressa, é quando a atividade se torna uma obrigação. "O comprometimento profissional só deve vir na vida adulta. Quando ele chega muito cedo, através de regras, horários ou de uma expectativa de desempenho, a criança deixa de perceber aquilo como brincadeira. Com isso, perde uma parte essencial da infância", afirma.

O casal Leonardo Piamonte, psicólogo, e Camila Bogea, psicanalista, também problematiza a fama. "O anonimato proporciona o ócio: se distrair com uma planta, um inseto, uma semente. Leva a uma brincadeira despretensiosa. Já a fama não é um fenômeno isolado: ela envolve uma série de presenças, atividades e coisas que são necessárias fazer para se manter famoso", diz Leonardo.

Para o psicólogo, as crianças são mais vulneráveis e não deveriam ser submetidas a atividades de trabalho, seja ela de qualquer natureza. "Um adulto consegue encarar uma crítica. Já a criança pode moldar sua personalidade de acordo com a fama que deseja manter. Com isso, perde oportunidades de autoconhecimento, de entender quem ela é. Algumas se saem melhor, outras, como mostra os exemplos da mídia, sofrem mais quando se tornam adultas", opina.

Em compensação, na visão de Andressa, também pode existir um lado positivo se o desejo for genuíno — não induzido — de realizar uma atividade para a qual a criança tem uma aptidão natural.

Neste cenário, cabe aos adultos levarem em conta seus desejos, mas ainda assim prepará-las para o que pode vir depois, através de diálogos e de um acompanhamento psicológico. "A fama pode, por exemplo, deixar de existir. Como isso fica na cabeça da criança? Podem acontecer rechaças ou críticas com relação aos seus resultados. Os pais devem estar sempre ao seu lado, presentes e atentos", afirma.

Mãe de Alice pediu para seguidores não repostarem memes políticos

Morgana Secco, mãe da menina, se pronunciou sobre o uso de imagem de Alice através do Instagram. "Faz dois ou três dias que estou recebendo muitos memes da Alice. A maioria deles é inocente, engraçado, mas alguns deles não são [...] Queria deixar claro que a gente não deu autorização pra nenhum deles e a gente não concorda em associar a imagem da Alice com fins políticos ou religiosos, por exemplo".

"Além disso, a gente não autorizou nenhum uso de associação dela com imagens de empresas ou de instituições. Então a gente também não autoriza campanhas, divulgações, vendas de produtos, marcas e associação com marcas. Isso também não está autorizado. Eu vim aqui pedir para vocês bom senso na hora de postar e, se tiver alguma dessas situações que eu mencionei, por favor não postem", completou.

Ela pediu ainda que, caso alguém veja posts com esse tipo de conotação, peça para que o autor os exclua.

Morgana é brasileira, mas mora em Londres, na Inglaterra, com a família e acumula 3,4 milhões de seguidores no Instagram. O sucesso do perfil aconteceu depois que um vídeo da filha repetindo palavras complexas como "oftalmologista", "proparoxítona" e "propositalmente" viralizou na internet. A partir de então, ela passou a publicar mais sobre a rotina nas redes.

Universa entrou em contato com Morgana Secco, mãe de Alice, via e-mail, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.