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Luisa Arraes: 'Jamais deixaria de dizer o que penso por medo de me queimar'

"Não cobro ninguém, mas claro que sinto uma felicidade enorme ao ver pessoas que têm um público muito grande se manifestando", diz Luísa - Jorge Bispo
"Não cobro ninguém, mas claro que sinto uma felicidade enorme ao ver pessoas que têm um público muito grande se manifestando", diz Luísa Imagem: Jorge Bispo

Laís Rissato

Colaboração para Universa

23/07/2021 04h00

Se recentemente as redes sociais transformaram-se em uma batalha entre artistas e influenciadores digitais "isentões" contra aqueles que não têm medo nenhum de dizer o que pensam, tenha certeza que você sempre vai ver Luísa Arraes no segundo grupo.

Vinda de uma família de artistas e políticos pernambucanos, - é neta do falecido político Miguel Arraes e prima da deputada federal Marília Arraes e do prefeito de Recife, João Campos - a atriz de 27 anos esteve, desde criança, às voltas com um dos assuntos que, atualmente, é discutido diariamente na internet. "Em 2018, com o WhatsApp e as fake news sendo parte fundamental do que aconteceu nas eleições do Brasil e dos EUA, eu cansei! Fiquei seis meses fora das redes sociais, mas vi que não adianta, porque a batalha também é travada lá. Por isso, temos que ocupá-las cada vez mais", disse ela, em entrevista a Universa.

Além de sempre se posicionar em posts no Instagram, a carioca também é figura presente nas manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que aconteceram nos últimos meses. Mas não se coloca no papel de cobrar que outros façam o mesmo. "Eu não vou fazer isso, não cobro e nem cancelo ninguém, mas claro que sinto uma felicidade enorme ao ver pessoas que têm um público muito grande se manifestando. Porque não tem como deixar em segundo plano o seu papel de cidadã, principalmente quando se entra num momento de crise no Brasil, com pessoas miseráveis, passando fome, a saúde em colapso e sem vacina", explica.

Luísa retoma em outubro as filmagens do longa "Grande Sertão: Veredas", baseado na obra de Guimarães Rosa, com direção do pai, Guel Arraes e que também foi protagonizada por ela nos palcos com o namorado, o ator Caio Blat. Na entrevista a seguir, ela fala sobre assédio, machismo, a cultura do cancelamento e como o feminismo é uma arma potente para lidar contra o sistema político vigente. "Por isso o Bolsonaro morre de medo (do feminismo). Porque é uma questão de desestruturar a família tradicional, que é o pilar do capitalismo, e não da igreja", reflete.

UNIVERSA - Você trabalhou bastante na pandemia: fez espetáculos teatrais, séries para a TV e, antes dela, estava filmando 'Grande Sertão: Veredas'. Sente a necessidade de estar sempre produzindo?
LUÍSA ARRAES - De uma maneira ou de outra, sim. Mas antes disso tudo a cultura já sofria um baque, e é triste porque temos um mercado que precisa se alimentar de si mesmo para poder existir. Eu me inscrevi no mestrado (em direção teatral, na UFRJ), e também comecei a escrever muito. Tenho muita energia e a necessidade de trabalhar e pensar no mundo que a gente vive. É vital refletir e tentar mudas as coisas de algum jeito.

Você se posiciona bastante sobre causas políticas e sociais. Isso sempre fez parte da sua formação?
Sim, é uma chave fundamental do meu trabalho e uma pré-condição. Se, por exemplo, eu for contratada em algum lugar e a pessoa falar, 'ah, você não pode falar isso', eu digo, 'então, muito obrigada'. Não tem como você deixar em segundo plano o seu papel de cidadã. A vida na sociedade é fundamental, principalmente quando se entra num momento de crise no Brasil, em que as pessoas estão miseráveis, passando fome, não tem vacina e a saúde está em colapso.

Luísa Arraes - Jorge Bispo - Jorge Bispo
Cansada das fake news, Luísa Arraes ficou seis meses fora das redes sociais em 2018
Imagem: Jorge Bispo

Qual a importância do artista em se posicionar? Você cobra isso das pessoas?
Eu não cobro de ninguém, não vou fazer isso. Mas claro que sinto uma felicidade imensa quando vejo um artista que tem um canal muito grande se posicionando. Eu sou de duas famílias muito políticas, Pernambuco tem uma tradição política muito forte, diferente do Rio de Janeiro.

Mas agora o Brasil todo está mais político, né? De falar mais, o que é maravilhoso, já que desde a ditadura tinha aquela tal história que não se discute futebol nem política, e agora discutimos diariamente.

Você já cortou relações com alguém por questões políticas?
Graças a Deus, não. Não tive essa questão de grupos de família no WhatsApp, não ter Natal em casa... o meu susto com a eleição de 2018 foi tão grande, que aí eu tive ideia do tamanho da minha bolha. Claro que, com exceção do Bolsonaro, que é um caso à parte, não tem isso de não falar mais com fulano porque em tal dia ele disse algo que não gostei sobre outro político.

Você pode concordar ou não, mas quando ouvi o Lula falando depois de sair da prisão... ele não falou nada de novo, mas eu chorei, porque ele tem um carisma que mexe com a história do país.

Meu avô sempre disse que seu adversário político não é inimigo, e se você o trata dessa forma, entra num campo que não é saudável. Mas claro, você pode ter sua paixão, porque política não é só uma ciência, é paixão.

Você participou de várias manifestações contra o governo e o presidente. Já teve medo de ser cancelada pelo seu posicionamento?
Não, porque acho que eu falo o mínimo, não sou radical. Jamais deixaria de dizer o que penso por medo de queimar minha imagem. Mas imagino que em algum nível as pessoas ficam preocupadas, né? Porque é uma coisa horrorosa, alguém falou uma besteira ontem, hoje acordou cancelado pra sempre, é queimado na fogueira... eu posso estar parecendo a Madre Teresa, mas não gosto de ninguém nesse lugar. Eu realmente fico assustada.

Acha que, de certa forma, pode haver algo de positivo na cultura do cancelamento? Pergunto porque o grande momento em que começamos a falar sobre assédio e machismo de forma mais contundente aqui no Brasil foi a partir do caso do José Mayer. [O ator foi acusado de assédio pela figurinista Su Tonani, em 2017, e admitiu a prática]

Luísa Arraes - Jorge Bispo - Jorge Bispo
Luísa retoma em outubro as filmagens do longa "Grande Sertão: Veredas", com direção do pai Guel Arraes
Imagem: Jorge Bispo


Esse é um ótimo exemplo de alguém que não devia ser cancelado pra sempre. O que aconteceu gerou um movimento importantíssimo, só posso relativizar o cancelamento na internet hoje porque ele passou por momentos importantes e hoje temos maturidade pra falar disso.

Talvez não tivéssemos na época, porque era o início e precisava ser gritado, aliás, continua sendo. A mulher do interior de qualquer lugar pode colocar uma denúncia na internet e ser ouvida, e isso é fundamental. Mas também pode-se destruir com mais facilidade a vida de alguém. Tudo tem dois lados. É preciso sempre rever as coisas.

Você já sofreu diretamente com o machismo? Já sofreu assédio?
Assédio, não. Não lembro de nenhum momento ter me sentido acuada. Mas com o machismo, a gente sofre, difícil dizer quando não. É naquele momento que o homem corta o que você fala, quer mostrar que sabe mais... é muito estruturante na nossa sociedade, tanto quanto o capitalismo.

Tudo vem do machismo, de manter o homem no centro do poder. Por isso o Bolsonaro morre de medo do feminismo, porque é uma questão de desestruturar a família, o pilar do capitalismo e não da igreja; sem família, ele não funciona. E, olha, não é porque você é mulher, feminista, que não vai errar. Você oscila de vítima para agressora em cinco minutos.

Por isso é preciso estar atenta e forte, porque o fascismo espera a gente na esquina; de repente, eu estou oprimindo alguém e não percebo. Ninguém está isento.

Luísa Arraes e Caio Blat são vizinhos - Reprodução YouTube - Reprodução YouTube
Luísa Arraes e Caio Blat estão juntos há quatro anos e decidiram não morar juntos, mas serem vizinhos: "quando a gente quer, deixa as portas abertas"
Imagem: Reprodução YouTube

Se entende como feminista há muito tempo?

Eu lembro que na adolescência, na escola, um menino me disse: "quantos homens mudaram o mundo?", e vários nomes apareceram... quando ele me perguntou quantas mulheres, eu só soube dizer uma, Virginia Woolf. E achei isso um horror, fui pra casa angustiada. Depois, já na faculdade, me peguei lendo muitas autoras.

Mas, diferente de outros países, aqui a gente exporta a cultura da depilação, por exemplo. Como todo mundo aceita essa pressão estética?

Sempre questionei essas coisas, porque aprendemos que precisamos nos depilar e isso foi internalizado, todo mundo acha pelo nojento. Eu experimentei ter pelo, não ter pelo, isso é uma libertação.

Quando eu era criança, minha mãe (a atriz Virginia Cavendish) fez depilação a laser, e eu falei: "mãe, quando vier a revolução, você não vai ter pelos, como você vai fazer? (risos)".

Você e o Caio não moram juntos, mas sim, no mesmo prédio, e são vizinhos. Acha que esses novos tipos de arranjos de convivência são uma chave para relações mais duradouras?
Com certeza! Nos foi vendido um modelo que não dá certo, como se fosse o único biscoito do pacote, e aí você vê que na vida real não funciona.

Estamos juntos há quatro anos, cada um na sua casa, e quando a gente quer, deixamos as portas abertas.

Claro que é o auge do privilégio, porque a maioria das pessoas casa, na verdade, não só pra dividir a vida, mas porque precisa dividir o aluguel. Mas, ter a possibilidade de manter a liberdade individual é muito importante.

Acha que relações do tipo abertas ou não-monogâmicas funcionam? Funcionariam pra você?
Eu acho que nada funciona e tudo funciona, não tem como saber. Mas creio que nenhum modelo funcione pra sempre, é preciso testar. O bom é que a gente está sempre podendo se transformar. A pandemia foi um ótimo momento para as pessoas repensarem esse modelo tradicional de casamento, e se tem algo que o feminismo me ensinou é que ninguém vai completar nada na sua vida. Seu encontro com o mundo é muito particular.