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"Aos 30 anos e saudável, tirei as mamas e reduzi 70% o risco de ter câncer"

Rafaela tinha 87% de chances de desenvolver um câncer de mama ou ovário antes dos 50 anos  - Acervo pessoal
Rafaela tinha 87% de chances de desenvolver um câncer de mama ou ovário antes dos 50 anos Imagem: Acervo pessoal

Rafaela Metrovine em depoimento a Ana Bardella

De Universa

28/06/2021 04h00

"Dentro de mim, sempre existiu a certeza de que eu iria enfrentar um câncer. Parecia ser algo inevitável: uma das minhas primeiras memórias é a de estar no estacionamento do hospital, com 5 anos, olhando para cima e dando tchau para minha mãe, que estava na janela do quarto, internada para tratar do primeiro câncer que descobriu, o de mama. Ela se curou deste, mas com o passar dos anos teve a doença nos ovários, rins, sangue e na coluna cervical. Ajudei nos seus cuidados até meus 26 anos, quando ela faleceu.

Na nossa família, esse assunto era muito comum. Minha mãe tinha seis tias: cinco delas morreram por câncer de mama e uma teve a doença, mas sobreviveu. Meu pai também teve um câncer de pele, mas fez o tratamento e hoje está bem. Por causa disso, sei melhor do que ninguém os impactos da radio e da quimioterapia. Claro que não gostaria de passar por isso, mas a sensação que eu tinha era de que a genética já havia determinado meu destino — e que, mais cedo ou mais tarde, isso iria acontecer.

"Me inspirei na Angelina Jolie"

Rafaela perdeu a mãe aos 26 anos em função do câncer  - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Rafaela perdeu a mãe aos 26 anos em consequência de um câncer
Imagem: Acervo pessoal

A primeira vez que ouvi falar em BRCA, uma mutação genética que aumenta o risco de desenvolvimento da doença (nas mulheres, eleva as chances de câncer nos ovários e nas mamas), foi em 2013, quando a Angelina Jolie descobriu ser portadora desse gene.

Depois de perder a mãe, a avó e a tia por causa de tumores nos seios, ela realizou uma mastectomia preventiva: ou seja, retirou as mamas e colocou próteses de silicone no lugar, para reduzir as chances de sofrer com o mesmo problema. Dois anos depois, retirou também os ovários.

O assunto tomou conta da internet e dos programas de TV. Muitos até criticaram a atriz pela sua decisão. Eu, é claro, fiquei bastante interessada, mas não pude dar atenção ao tema na época. Estava sobrecarregada, ajudando minha mãe a encarar uma das fases mais delicadas para a sua saúde.

Pouco tempo depois, aos 57 anos, minha mãe faleceu. A vida seguiu, eu me casei e mudei de São Paulo para Curitiba (PR). Fazia os exames preventivos, conversava com médicos, mas o risco de ter um câncer continuava nos meus ombros. Até que um dia, no ano passado, me lembrei da possibilidade do teste genético. Marquei uma consulta com uma ginecologista, que me encaminhou para um geneticista.

"Paguei quase R$ 4 mil para fazer o exame"

Tenho plano de saúde, mas para realizar o exame de sangue que detecta mutações genéticas, era necessário o encaminhamento de um geneticista e a comprovação de que minha mãe havia tido câncer de mama ou ovário antes dos 50 anos. Como ela fez o tratamento todo pelo SUS, liguei no hospital pedindo um laudo médico do seu caso, mas eles não tinham mais a documentação. Por causa disso, realizei o exame particular e paguei R$ 3800.

Quando recebi o resultado, descobri que tenho a mutação BRCA 2. Segundo o geneticista que acompanhou meu caso, eu tinha 87% de chances de ter um câncer de mama ou de ovário antes dos 50 anos. Por isso, a indicação era de que, mesmo estando saudável, eu fizesse a retirada desses órgãos, para que não tivesse problemas no futuro.

Receber essa notícia tem um impacto psicológico muito profundo. Chorei e cheguei a me arrepender de ter mexido com esse assunto. Mas logo em seguida comecei a fazer os exames preparatórios para a minha primeira cirurgia: uma mastectomia preventiva bilateral. Ou seja, a retirada de ambos os seios saudáveis. Por causa da pandemia, o procedimento precisou ser adiado e a espera foi bastante angustiante. Redobrei o número de exames preventivos e qualquer pequeno sinal no meu corpo já era motivo para uma grande preocupação.

"Fiz a cirurgia há 31 dias e a sensação é de que nasci de novo"

Depois de muita espera, consegui fazer a retirada dos seios há 31 dias. Durante a operação, tudo o que pertence a essa região é retirado: desde a gordura, até os dutos mamários. A médica manteve apenas uma parte do músculo, para ajudar na aderência dos 750 ml de prótese de silicone que coloquei. A cirurgiã responsável pelo procedimento conseguiu manter os meus mamilos, mas sei que, em alguns casos, isso não é possível.

Quem acha que a mastectomia preventiva é parecida com o processo de colocar um implante de silicone por motivos estéticos está muito enganado: a diferença começa no psicológico. Eu jamais pensei em fazer esse tipo de intervenção, porque adorava essa parte do meu corpo e ainda tenho dificuldade em aceitar a imagem que vejo atualmente no espelho.

Além disso, como não se trata apenas de implantar os silicones, mas sim de substituir os seios todos por eles, a cirurgia é mais invasiva e a recuperação mais dolorida.

No pós-operatório, os movimentos ficam muito comprometidos. Faz pouco tempo que consegui pegar pela primeira vez um objeto do chão. Meu marido é quem me ajuda nas tarefas mais básicas do dia a dia, como lavar e pentear o cabelo.

Apesar destas dificuldades, assim que saí da mesa de cirurgia, soube que passar por tudo isso valeu a pena e que, se fosse necessário, faria tudo de novo. Sei que não estou livre de ter câncer, mas hoje tenho 70% menos chances de a doença nas mamas aparecer.

Eu e meu marido nunca tivemos o desejo de ter filhos — e, sinceramente, não tenho o desejo trazer uma criança ao mundo sabendo que ela corre o risco de ter a mesma mutação que eu. Por isso, pretendo fazer uma histerectomia total (retirada de ovários, útero e trompas) quando completar 35 anos. Tenho receio da menopausa precoce, mas sei que os procedimentos me ajudarão na prevenção da doença, assim como manter uma alimentação saudável e praticar exercícios físicos.

Não me considero uma pessoa muito espiritualizada, mas ainda assim, me sinto totalmente em paz com a minha decisão. A sensação é como se tivesse nascido de novo — só que, desta vez, sem o medo de morrer que me atormentou durante tanto tempo." Rafaela Metrovine tem 30 anos, é advogada e mora em Curitiba (PR).