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Ela retirou os seios aos 20: 'Queria me preocupar com tudo, menos câncer'

Bel Costa, de 24 anos - Reprodução/Instagram
Bel Costa, de 24 anos Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Gonzalez

De Universa

15/10/2020 04h00Atualizada em 21/10/2020 12h08

Isabel Cristina Costa (ou Bel, como prefere) tem 24 anos e, há quatro, luta contra o câncer de mama. O diagnóstico tão agressivo quanto precoce preocupou os médicos, que, graças a um exame de mapeamento genético, descobriram que a estudante de Direito é portadora de Síndrome de Li-Fraumeni. A condição predispõe a ter diversos tipos de câncer ao longo da vida.

Por isso, Bel retirou não só a mama esquerda, onde o câncer em estágio 3 estava alojado, mas a direita, de forma preventiva, para evitar uma segunda mastectomia no futuro. Desde o diagnóstico, ela mudou vários de seus hábitos: alimentação, exposição solar e cuidados com a saúde mental. Fez tudo isso com a intenção de evitar ou adiar um novo câncer.

Em depoimento a Universa, ela contou sobre o susto de receber o diagnóstico de câncer aos 20 anos, o alívio de conhecer a Síndrome de Li-Fraumeni, a luta contra a queda de cabelo, e, principalmente, como transformou sua experiência em informação de qualidade para outros pacientes.

"Eu tinha prótese de silicone desde os 19 anos e, aos 20, quando estava tomando banho, senti um nódulo no seio. Eu tinha feito um ensaio de fotos pouco antes disso e achei minha mama estranha. Pensei que não fosse nada, mas decidi procurar um médico porque tinha uma viagem de intercâmbio marcada para dali a poucos meses. Ele me examinou e, no momento em que eu colocava o sutiã, disse à minha mãe: 'A única coisa que sua filha pode ter é câncer'.

Eu fiquei maluca, pensei 'esse cara só pode estar louco'. Nunca vi ninguém dando um diagnóstico de câncer daquele jeito. Na mesma tarde, fiz ultrassom das mamas e a médica viu uma imagem que não estava lá antes. Eu estava, mesmo, com câncer de mama aos 20 anos, em estágio 3. O tumor já tinha atingido até minha axila. Exatos 13 dias depois, eu já tinha feito a biópsia, passado pelo oncologista, feito uma bateria de exames e estava sentada na cadeira da quimioterapia. Foram 16 sessões de químio em seis meses. E, nesse período, fui internada duas vezes.

Eu queria me preocupar com qualquer outra coisa àquela altura, menos com câncer.

Achei que estava vivendo um pesadelo, mas, quando eu abria o olho, pensava 'é verdade'. No começo eu era bem vaidosa, me preocupava em como evitar ficar careca, porque, antes, eu tinha o cabelo na cintura. Tentei usar aquela touca de proteção térmica para o cabelo não cair, mas foi horrível, parecia que minha cabeça estava dentro de um freezer. No final da sessão, chegava a sair pedra de gelo do meu cabelo, eu sentia muita enxaqueca e estava perdendo cabelo do mesmo jeito, então desisti.

Eu já sofria com a quimioterapia, passava mal, e ainda ia ficar com dor de cabeça? Pensei: 'minha vaidade não vale isso', e decidi ficar careca. Minha mãe raspou minha cabeça em casa, com a condição de que eu usasse peruca.

Eu estava no meio da faculdade, tive que dar um stop, não conseguia sair porque Brasília é muito quente, não podia dirigir, então tinha muito tempo livre. Decidi criar um blog para contar minha história, o canceraosvinte.com. Deu um boom, as pessoas começaram a me seguir e aquilo serviu como uma rede de troca para mim e para outros pacientes jovens que não conheciam histórias parecidas com as suas. Até hoje meninas me procuram para dizer que eu posso ser para elas a referência que eu não tive lá atrás, quando descobri meu câncer.

Antes da cirurgia para retirar o seio, meu oncologista me encaminhou a uma geneticista para fazer o mapeamento genético. Ele achou que era importante porque eu era muito jovem e tinha um câncer muito agressivo. Aqui no Brasil é muito complicado de fazer esse teste, é muito caro, costuma dar problema com os planos de saúde, e tem que fazer várias vezes para entender um possível diagnóstico. Por isso minha geneticista sugeriu colher o material aqui e enviar para um laboratório nos Estados Unidos. Na época, esse processo custou US$ 750 [valor equivalente a quase R$ 4,2 mil, na cotação atual]. Dali a 30 dias, veio o resultado: síndrome de Li-Fraumeni.

É uma mutação genética séria, relativamente rara, que me deixa suscetível a vários tipos de câncer ao longo da vida — cerebral, pulmonar, sarcoma, enfim, muitos. Esse diagnóstico acabou dando um direcionamento para minha cirurgia de mastectomia: em vez de retirar só a mama esquerda, onde eu tive câncer, os médicos acharam melhor tirar a direita também, por precaução. Se eu tivesse feito uma só mama, provavelmente teria que voltar daqui a alguns anos com câncer na outra.

Por conta da síndrome, faço acompanhamento completo de seis em seis meses, exames que mostram da minha cabeça ao dedão do pé. Preciso ter todo um cuidado também. Se eu soubesse desde cedo, teria feito a mastectomia lá no começo, quando coloquei silicone, aos 19 anos, e evitado o sofrimento do câncer. Eu também teria evitado uma série de exames com radiação, já que eu tenho predisposição a muitos tipos de câncer. Desde o diagnóstico, cortei carne vermelha e não tomo sol, saio toda lambuzada de protetor. Evito ficar perto de fumaça de cigarro e até passar por estresse. Todo mundo tem que ter hábitos saudáveis, claro, mas para quem tem Li-Fraumeni é tudo muito mais sério.

O que me tranquiliza é que agora eu sei disso, faço exames a todo momento, e sei que quando eu tiver um câncer de novo, vai aparecer no início, tem maior chance de cura. Tem gente que tem medo de fazer o teste [o mapeamento genético] diz 'ah, quem procura acha'. Realmente, quem procura acha e cura logo né?

Hoje eu ainda estou em tratamento, mas tomo medicação em casa. Eu encerrei meu blog e criei um perfil no Instagram para contar histórias de outras pessoas que tiveram outros tipos de câncer. Porque o câncer de mama tem muita visibilidade, tem o outubro rosa, que é uma data muito glamourizada — e não tem nada de rosa no processo de quimioterapia, a gente sofre pra caramba.

Tem muita gente falando sobre câncer de mama, mas a linguagem é difícil, nem sempre dá pra entender. Imagina outros tipos de câncer. Então eu pensei: 'Por que não reunir informação de qualidade?'. Criei o blog e pegou.

Nenhuma informação que publico sai só da minha cabeça, tudo passa pelo crivo de médicos que eu conheço, que eu confio. E tem os depoimentos de pacientes. Quem passa por um câncer gosta de ler histórias de sucesso.

Eu senti muito medo, senti que tudo me tirava da zona de conforto. Eu me vi muito vulnerável, finita. O jovem vive muito intensamente, e não que eu fosse irresponsável, mas eu não pensava que aquilo ia me atingir. Mas ninguém passa por um câncer e continua igual. Eu tenho muita sede de viver, acho que é porque eu me vi diante da morte. Não que eu associe câncer à morte, mas eu passei tão mal que vi o quanto a vida é frágil. Meu maior medo, hoje, é não viver da melhor forma possível".

Teste de mapeamento genético

Aqui no Brasil, exames como o que Bel fez, de mapeamento genético, só podem ser feitos por orientação médica. No caso dela, a geneticista fez o pedido porque ela era muito nova para ter um câncer tão agressivo, e entendeu que deveria investigar. A única forma de comprovar a síndrome de Li-Fraumeni é por mapeamento genético.

Mas qualquer pessoa pode fazer, sem pedido médico, um teste genético que analisa o DNA e detecta variações que podem aumentar a predisposição a certas doenças através de uma amostra de saliva — é o caso do meuDNA, único teste do tipo no Brasil. Por R$ 999, a empresa envia o exame para casa do paciente preocupado com doenças graves, como câncer, especialmente de mama, próstata, endométrio e colorretal.

"São doenças graves, mas que podem ser prevenidas e que têm alta chance de cura quando detectadas precocemente. Daí a importância de um teste de predisposição genética, que cria um alerta para os riscos de algumas doenças", diz a Universa o biólogo Iuri Ventura, porta-voz da meuDNA.