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Ativista cria liga feminina em defesa do oceano: "Mulher é a mais afetada"

Paulina é criadora do podcast "Vozes do Planeta" - Arquivo pessoal
Paulina é criadora do podcast "Vozes do Planeta" Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Flores

De Universa

24/05/2021 04h00

Muita gente relaciona o termo "liga" a uma aliança de heróis dotados de superpoderes. A ativista Paulina Chamorro, de 42 anos, pensou exatamente nisso quando criou a Liga das Mulheres pelo Oceano, para que o nome já sugerisse o que, de fato, a organização é: um movimento liderado por 27 mulheres com o poder de defender o mar. Hoje, a entidade conta 2.200 integrantes.

Na visão de Paulina, a poluição dos oceanos, as mudanças climáticas e o descaso ambiental têm impacto maior na vida das mulheres, elo mais fraco da cadeia do aquecimento global. "A mulher que trabalha no campo, por exemplo, está em uma situação muito frágil quando falamos da degradação do meio ambiente. Mas ela é, ao mesmo tempo, o ponto central para começar a mudança", argumenta.

Jornalista de formação, ela já passou por redações como a da Rádio Eldorado, da TV Cultura e da National Geographic e tem no currículo experiências incríveis: já percorreu o Brasil em um barco de vela para o projeto Mar sem Fim, que levou três anos para cruzar o país do Oiapoque ao Chuí. Paulina também trabalhou na Unesco.

A relação da jornalista com o oceano é antiga. Desde pequena, Paulina se recorda de passar horas admirando embarcações na costa litorânea do Chile, onde nasceu. "Na infância passava temporadas de três, quatro meses perto do mar. Meu avô me levava para ver os navios nos portos, ia todo final de tarde olhar barcos cruzando o Pacífico."

Ainda na adolescência, ela se mudou com a mãe e as duas irmãs para o Brasil. Na mesma época, iniciou estudos em algo que se tornaria central em sua carreira. "Comecei a fazer cursos relacionados à fauna, gostava do assunto, sou apaixonada por natureza."

O oceano como palco

Desde pequena, Paulina Chamorro tem memórias com o mar. Ela é co-fundadora da "Liga das Mulheres pelo Oceano" -  João Marcos Rosa  -  João Marcos Rosa
Desde pequena, Paulina Chamorro tem memórias com o mar. Ela é co-fundadora da "Liga das Mulheres pelo Oceano"
Imagem: João Marcos Rosa

Pouco tempo depois, Paulina começou a velejar e se aventurar em expedições que cruzavam o oceano. De suas memórias favoritas, a regata que disputou até a Ilha de Trindade, nos anos 2000, ao lado de uma tripulação exclusivamente feminina, a marcou. "Passamos 12 dias em alto-mar, revezando o trabalho e horas de sono. Nossa equipe foi a vencedora, ganhamos de todos os outros caras que participavam da competição", descreve.

Quando tinha 24 anos, ela participou de outra aventura embarcada, essa um pouco mais longa. Acompanhada do jornalista João Lara Mesquita, Paulina percorreu o Brasil - do Oiapoque ao Chuí — em um projeto para a TV Cultura, que buscava mostrar o país de uma perspectiva diferente, do litoral para o continente. "A gente não tem noção do quão maravilhosa é a nossa cultura oceânica. Temos milhares de brasileiros e brasileiras que trabalham com o mar diariamente, que sabem navegar muito bem, que tem a rotina ligada ao oceano. É fantástico ver o quanto a natureza está relacionada a vida dessas pessoas."

Após o projeto, Paulina voltou para São Paulo para trabalhar no programa Planeta Eldorado, na rádio de mesmo nome. Em 2016, recebeu a Medalha João Pedro Cardoso, concedida pelo governo de São Paulo, por sua dedicação ao meio ambiente. Foi quando ela deixou de vez as redações para se dedicar a projetos autorais — era o começo do podcast "Vozes do Planeta".

Do mar ao ar

Em cinco anos, o podcast já conta com mais de 170 programas. Paulina já recebeu convidados como Ailton Krenak, Débora Falabella, Márcia Chame e recentemente recebeu apoio do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). "Precisamos fazer alguma coisa para ajudar o planeta. A minha habilidade é a comunicação, portanto invisto na área. Se eu posso oferecer que pessoas importantes falem sobre o assunto de maneira didática, bonita e simples, por que eu não faria?"

Apesar de destacar a importância da conscientização individual sobre as mudanças climáticas, na opinião da jornalista tanto o setor privado quanto o público deveriam ser os responsáveis por frear o aquecimento global. "Devemos nos unir enquanto sociedade civil para cobrar medidas maiores em beneficio da natureza. Foi o que aconteceu com o canudo, por exemplo. Depois de tanto apelo, proibiram a sua venda".

Questionada sobre o desempenho do governo federal na questão climática, Paulina é direta.

O que temos visto de dois anos para cá é um retrocesso. E isso é sabido. É o desmonte de uma política ambiental que levou 20 anos para ser construída, o desmonte de órgãos como o Ibama, que está perdendo um corpo de técnico incrível e deixando cada vez mais de ter força. Ninguém está consultando a sociedade para discutir isso. Vejo de uma maneira muito assustadora

Morando entre São Paulo e Ilhabela, Paulina foca agora no lançamento de seu primeiro livro, que reúne depoimentos que já foram ao ar em seu podcast, além de alguns relatos exclusivos, e por isso leva o mesmo nome do programa.

Questão climática é uma luta feminista

Paulina durante entrevista na Mata Atlântica para o projeto "Mulheres na conservação" - Mulheres na Conservação/ João Marcos Rosa - Mulheres na Conservação/ João Marcos Rosa
Paulina durante entrevista na Mata Atlântica para o projeto "Mulheres na conservação"
Imagem: Mulheres na Conservação/ João Marcos Rosa

Já o trabalho com a Liga das Mulheres pelo Oceano surgiu em 2019, em uma "conversa de amigas bebendo vinho". O papo com Leandra Gonçalves e Bárbara Veiga deu origem ao projeto. "Temos muitas mulheres líderes de projetos oceânicos, na ciência, de associações extrativistas, de projetos de pescas. A Liga nasceu com o propósito de servir de farol para personagens que estão trabalhando com o Oceano, e também para servir de exemplo para essa nova geração de garotas que poderão ver que sim, é possível ser mulher e trabalhar com o oceano."

Para Paulina, projetos organizados como o da Liga servem para abrir espaços que antes estavam escondidos para as mulheres. Declaradamente feminista, ela ressalta: "Hoje metade da ciência brasileira é produzida por mulheres, e nós não vemos nossos nomes espalhados por aí".

Enquanto se esforça para levar outros nomes por aí, Paulina prefere não pensar no futuro. "O que eu espero é que a gente não pense mais no futuro, e sim no hoje. O que eu posso fazer hoje? E amanhã eu vou pensar: o que eu posso fazer hoje? Sou uma otimista responsável, não dá para perder o foco da realidade que vivemos, mas temos que ser otimistas para acreditar que estamos fazendo algo que traga impacto positivo para a sociedade —nem que seja, como é o meu caso, na vida de ouvintes do Vozes do Planeta."