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Kátia Abreu: "Homem fala alto e ninguém diz que está nervoso. É macho"

Kátia Abreu (PP-TO) é presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado - Lucas Lima/Universa
Kátia Abreu (PP-TO) é presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Imagem: Lucas Lima/Universa

Luiza Souto

De Universa

20/05/2021 04h00

Primeira mulher a presidir a Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, Kátia Abreu (PP-TO) diz a Universa que estava com Ernesto Araújo "entalado" até a última terça-feira (18), quando fez críticas ao ex-ministro das Relações Exteriores na CPI da Covid. Em seus 20 minutos de fala, Abreu avaliou a postura de Araújo durante a pandemia como sendo a de um "negacionista compulsivo" e afirmou que ele "nos conduziu para o caos, para um iceberg, para um naufrágio". Sua atuação rendeu memes nas redes, e o nome da senadora foi parar nos assuntos mais comentados do dia.

O descontentamento com Araújo é antigo: o ex-chanceler foi demitido dois dias depois de sugerir, em sua rede social, que Abreu teria feito lobby em favor da tecnologia chinesa no leilão do 5G. "Ali na CPI fui instrumento de desabafo de muitos brasileiros", diz ela.

Primeira mulher eleita senadora do Tocantins, em 2006, Abreu diz que, mesmo com perfis diferentes, ela e as outras 11 colegas da bancada feminina do Senado estão alinhadas em muitas pautas, entre elas o combate à violência contra a mulher, e que precisam gritar mais do que gostariam para serem ouvidas pelos outros 69 parlamentares homens. Com isso, fala, são tachadas de histéricas quando se impõem, como aconteceu com a senadora Leila Barros (PSB-DF) na semana passada na CPI da Covid — além de ter sido interrompida ao falar, ouviu do senador Marcos Rogério (DEM-RO) que não precisava "ficar nervosa".

"É engraçado que quando homem está falando alto, berra, ninguém fala que ele está nervoso. Fala que ele é macho. Quando é a mulher, está nervosa. E nervosa é prima primeira de histeria. Eles querem dizer é isso, que damos ataque, chilique", afirma. E conta que hoje chama atenção até do marido, Moisés Gomes, quando é interrompida. "Falo: 'olha o mansplaining'."

Katia Abreu e Ernesto Araújo ficaram cara a cara na CPI da Covid  - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
CPI da Covid: na terça (18), a senadora acusou o ex-chanceler Ernesto Araújo de ter conduzido o Brasil "para o caos"
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A senadora de 59 anos entrou para a política a convite do ex-governador Siqueira Campos, do PSDB do Tocantins, em 1998: naquele ano, concorreu ao cargo de deputada federal e ficou na primeira suplência. Quatro anos depois foi a terceira deputada mais votada do Brasil, atrás, respectivamente, de Enéas Carneiro (1938-2007) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

Viúva aos 25 anos enquanto estava grávida do terceiro filho, o ex-vereador de Palmas Iratã Abreu — ela é mãe do também senador Irajá Abreu (PSD-TO) e de Iana —, herdou uma fazenda com plantação de soja e criação de boi, no sul do Tocantins. Por conta dessa experiência em agronegócio, se tornou a primeira mulher líder da bancada ruralista no Congresso e, depois, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no segundo governo de Dilma Rousseff (PT).

Em 2010, defendeu mudanças no Código Florestal, entre elas dar anistia a desmatadores e reduzir a área que o proprietário de terra e o Estado são obrigados a conservar, e recebeu do Greenpeace a réplica de uma motosserra de ouro e a alcunha de "Miss Desmatamento". "Nunca pratiquei desmatamento ilegal na minha vida", afirma.

Na entrevista a seguir, a senadora também defende o filho mais velho e colega de Senado, Irajá Abreu (PSD-TO), acusado de estupro por uma modelo de 22 anos. "Ele jamais seria capaz de fazer aquilo", diz. A defesa do senador diz que o caso segue na fase de conclusão de inquérito, que confia no arquivamento do processo e que a modelo será processada por falsa acusação de crime e calúnia.

UNIVERSA: A senhora imaginou que suas palavras ao ex-chanceler Araújo na CPI da Covid ganhariam tanta repercussão e até memes?

KÁTIA ABREU: Não esperava nunca. O que aconteceu de especial é que fui, por um acaso, instrumento de desabafo de muitos brasileiros. Às vezes a gente, graças a Deus, como parlamentar e líder, tem a oportunidade de falar pelas pessoas o que elas estão sentindo. Falei do meu coração, da minha alma, pela revolta de ver tudo isso [gestão da pandemia pelo governo] acontecendo por irresponsabilidade, preconceito e questão ideológica. Naquele momento, dei um grito que estava entalado na garganta de muitos. E recebi mensagens como "a senhora vingou o brasileiro, me representou".

Mas apesar dos elogios, muitas pessoas lembraram nas redes sociais que a senhora já se posicionou contra leis para conter o desmatamento e lembraram apelidos que já lhe deram, como o de "Miss Desmatamento". Como é ser tachada de inimiga do meio ambiente?

Não tem nada para falar de mim, graças a Deus: que sou ladra, que roubo, desvio dinheiro, sou incompetente, e aí ficam procurando adjetivos de coisas que não me ofendem. Acho que o tom é de crueldade, mas não convence ninguém. E me consola o fato de ninguém me chamar de desonesta ou de preguiçosa.

A senhora tem um projeto de lei para o fim do desmatamento ilegal até 2025 e é crítica ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Qual a principal diferença entre a Kátia Abreu ministra da Agricultura, criticada por não defender o meio ambiente, e a senadora de hoje que tem propostas para salvar a Amazônia?

Por proteger e ser líder do setor agropecuário, mudei as minhas estratégias. Reconheci e vi a importância do meio ambiente para os consumidores do Brasil e do mundo — são nossos clientes e temos que respeitar o desejo do consumidor. E se o desejo dele é preservar e não querer desmatar a Amazônia, quem sou eu para dizer o contrário? Isso sem falar na questão ambiental. Se os ruralistas querem plantar, produzir e vender, vamos começar por essa linha. Exatamente por querer proteger o interesse deles, estou resistindo na questão ambiental. Tem o componente comércio, mas tem o componente vital que é manter a biodiversidade da Amazônia, que é uma exigência da legislação brasileira. Eu votei pelo Código Florestal e não posso trabalhar contra ele.

Nunca pratiquei desmatamento ilegal na minha vida. Desmatamento não é uma coisa ilegal propriamente. Existe a forma de fazer legalmente. Estamos trabalhando contra o desmatamento ilegal na Amazônia ou em qualquer outro lugar.

Qual a sua avaliação sobre a CPI da Covid?

A CPI tem um foco muito forte no sentido de encontrar responsáveis pela falta de iniciativa ou iniciativas equivocadas para evitar tanta contaminação e óbito por covid.

Não significa que não podemos investigar a corrupção, mas ela não tem como foco trazer solução para termos mais vacina, e queria que isso não fosse perdido

A China tem hoje dois laboratórios: um privado, que já está comprometido com o Instituto Butantan (SP) [que produz Coronavac], e o Sinopharm, que pertence ao governo e já tem vacina autorizada, mas ninguém nunca entrou em contato para comprá-la. Podemos comprar a vacina num curto prazo e podemos ainda fazer um convite para eles produzirem nos nossos laboratórios que fazem as vacinas contra a febre aftosa. Já oficializei isso na Comissão da Covid para irmos à China fazer essa proposta.

A senhora teve covid-19 e perdeu amigos para a doença. Pensou no pior?

Pensei, tive muito medo. Um dia, indo para São Paulo, fiquei imaginando que poderia não voltar e fiquei com o coração apertado. Não é apego físico, mas dá a sensação de que você tem muita coisa para fazer — e aí pensa nos filhos, nos netos, e dá aquela angústia. Estou há quase 70 dias com meu sobrinho mais velho, filho do meu irmão mais velho, na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), entre a vida e a morte. Um dia está em coma, no outro dia, desperta. E é essa angústia.

A CPI vem sendo conduzida exclusivamente por homens, porque os partidos não indicaram senadoras para nenhuma das 18 vagas — e a participação da bancada feminina deve-se a um acordo dentro da comissão. Mas até aqui vimos senadoras tendo falas interrompidas como aconteceu com a Leila Barros (PSDB-DF). Ela ainda ouviu do senador Marcos Rogério (DEM-RO) que não precisava "ficar nervosa". O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse ainda que as mulheres não fazem questão de estar na CPI. De que forma combater esse machismo tão enraizado na política?

Lutando e conquistando espaços. Temos até que agradecer à maioria dos homens que votou a favor da nossa presença [na CPI]. Como somos um percentual muito pequeno no Senado, é quase natural ficar sem vaga, mas temos que lutar por um espaço. São 11 vagas na CPI (11 oficiais mais 7 suplentes) para um total de 81 senadores — e a maioria dentro dos partidos são homens e eles acabaram ganhando.

Agora, é engraçado que quando homem está falando alto, berra, ninguém fala que ele está nervoso. Fala que ele é macho. Quando é a mulher, está nervosa. E nervosa é prima primeira de histeria. Eles querem dizer é isso, que damos ataque, chilique.

A senhora se sente desrespeitada no Senado?

Não. Hoje a coisa está muito vigiada e está todo mundo pensando duas vezes antes de cometer qualquer preconceito — e discriminação é crime. E a gente grita mesmo. Mas nunca passei por assédio moral e nem sexual, talvez pelo meu jeito de ser, muito brava, destemida e franca.

A senhora já se viu mudando de comportamento para lidar com seus colegas homens?

Sim. Às vezes a gente tem que gritar mais do que gostaria e você se habitua a falar alto para poder ser ouvida. Existe uma atitude masculina muito comum que chama "mansplaining", que é o homem interromper você para falar o que você estava falando. Comecei a perceber isso e uma amiga reclamou disso numa reunião. Hoje corrijo muito até o meu marido aqui em casa. Falo: "Olha o 'mansplaining'". E estou te falando isso com ele aqui ao meu lado, tem que ver a cara dele.

Nós precisamos parar de gritar e de falar com pressa por medo de sermos interrompidas. Estou me corrigindo também. Mas com toda franqueza, os senadores são respeitosos conosco.

A senhora viu um filho, o senador Irajá Abreu, ser acusado de estupro. Como foi esse momento enquanto mãe e mulher? E como educar os filhos para que eles não reproduzam machismos nem aceitem a violência?

A mãe sempre vê o filho com bons olhos. Pela minha característica, sou muito positiva, franca e sincera. Tenho a convicção e falo isso com toda a tranquilidade do mundo, e não só com os olhos do coração e da alma, de que meu filho jamais seria capaz de fazer aquilo.

Ele tem outros defeitos, com certeza, mas esse não. Ele é muito gentil e educado, sempre foi cordial. Não quero criminalizar a moça sob hipótese alguma, mas conhecendo meu filho como conheço, diria que ele foi caluniado

Essa educação com os filhos deve começar dentro de casa. Concordo que nós, mães, às vezes repassamos o machismo culturalmente, mas temos que nos policiar 24h. A gente já compra roupinha azul para o menino e roupa rosa para a menina. Não estou condenando, mas é uma forma de separar e caracterizar o gênero. Não podemos é levar isso para a prática, dizer o que a mulher pode ou não fazer. A tendência nossa é ir deixando essa linha muito tênue do que é machismo e do que é uma característica feminina e masculina. Em termos de comportamento, não existe isso do que é de homem e mulher. A capacidade e o caráter é que contam, isso não tem gênero. A oportunidade tem que ser dada a todos.

A senhora concorreu à vice-presidência na chapa do Ciro Gomes (PDT) em 2018. Ano que vem teremos novas eleições. Tem pretensão de se candidatar à Presidência?

Coragem não me falta. Acho que o país tem condições de ter mais projetos de Estado a médio e longo prazo, de ter um planejamento. Se meu partido achar que tenho condições de me candidatar, eu me candidataria com a maior alegria no mundo. Você não se candidata com a certeza de ganhar, mas pela luta e por seus ideais. A Presidência da República, a governadoria do Estado, é destino.