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Ela foi a show na Nova Zelândia e conta como é aglomerar de novo: "Chorei"

A cabeleireira Bianca Heidrich, à direita, foi ao show da banda Six60, na Nova Zelândia, ao lado da amiga Marlone, também brasileira, no dia 24 de abril - Arquivo pessoal
A cabeleireira Bianca Heidrich, à direita, foi ao show da banda Six60, na Nova Zelândia, ao lado da amiga Marlone, também brasileira, no dia 24 de abril Imagem: Arquivo pessoal

Bianca Heidrich em depoimento a Nathália Geraldo

De Universa

29/04/2021 04h00

"Moro há mais de quatro anos em Queenstown, na Ilha Sul da Nova Zelândia, onde trabalho como cabeleireira. No dia 24 de abril, encontrei minha amiga, também brasileira, Marlone, para irmos ao show da banda Six60, no Eden Park, em Auckland, ao lado de mais de 50 mil pessoas. Sou fã da banda, que conheci na pandemia, e eles estouraram há uns dois anos. No show, que foi o maior da carreira deles, a gente estava muito emocionada, empolgada, só aproveitamos. Estava tudo normal, com filas nos banheiros, galera bebendo cervejinha, comendo...

Para chegar no evento, peguei um avião e fiquei cinco dias pela cidade. Inclusive, antes, participei de um festival de yoga e meditação para mais ou menos 3 mil pessoas.

Todo mundo estava lá livre, sem usar máscara. O único cuidado que a gente precisa ter na Nova Zelândia agora é nos transportes públicos: é obrigatório usar máscara em ônibus, trem, avião.

Eu pensava: "Aqui é o único lugar no mundo que consegue reunir 50 mil pessoas agora". Foi histórico, lindo participar disso. Chorei muito, porque música é energia e mexe muito com a gente. É algo que vou levar para a vida toda.

foto do show - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Show da banda Six60 registrado pela cabeleireira Bianca Heidrich, em Auckland
Imagem: Arquivo pessoal

Sem máscara e com código nos estabelecimentos

No final do show, conhecemos uns australianos, que vieram visitar familiares, porque estamos com as fronteiras abertas para a Austrália, e fomos comer com eles. Sem medo nenhum, sem máscara. Aliás, por aqui, o governo fez um aplicativo para o comércio em que você se cadastra e tem um código para fazer um rastreamento de onde a pessoa foi. Se estiver com covid, eles sabem onde a pessoa esteve e cada pessoa com que teve contato naquele estabelecimento. É um controle.

Quando chegamos em casa, eu e minha amiga ficamos nos questionando por que somos tão privilegiadas e nossos amigos e familiares brasileiros estão trancados em casa há um ano e meio. Converso com outros brasileiros que estão aqui. A gente sente uma culpa toda vez que nos reunimos.

É bobo, não deveríamos ter esse sentimento, mas temos. Porque estamos em uma vida normal desde junho do ano passado... Não passamos pela pandemia, praticamente.

Planejamento para enfrentar a covid

Meu irmão mora há dois anos aqui comigo, e lembro que, em janeiro do ano passado, compramos passagem para visitar o Brasil em maio. Meu chefe disse: "Acho melhor você não ir, porque você pode ficar presa lá e não conseguir voltar". Eu falei que não aconteceria isso.

Até que em março, a Jacinda [Ardern, primeira-ministra reeleita em 2020] avisou que passaríamos por quatro níveis de um plano para combater a covid. No final do mês, estávamos no nível 4: fronteiras fechadas e só trabalho essencial, médicos, polícia, mercado, essas coisas. Ela também liberou subsídio para os trabalhadores: ficamos cinco semanas em casa recebendo dinheiro. Além disso, só era autorizada uma pessoa de cada casa ir ao mercado uma vez por semana.

O dinheiro também foi entregue para quem perdeu o emprego; os imigrantes receberam auxílio de até 200 dólares para as compras e moradia e cesta básica. Foi um plano de governo maravilhoso. Nós, que não tem um bom governo no Brasil, ficamos pasmas: como alguém fez isso em uma semana?

"Tia Cinda": o papel da primeira-ministra

Mesmo quando mudamos para o nível 3, com alguns outros serviços liberados, eu não voltei a trabalhar, porque fico em contato direto com os clientes. Já no nível 2, brinco que fui ao salão e fiquei três semanas só consertando cabelos. Recebemos muitas mensagens de clientes pedindo horário para quando voltássemos e virou piada de que, aqui na Nova Zelândia, parece que cabeleireiro também é serviço essencial.

Desde junho do ano passado, a gente não teve nenhum caso novo de covid na Ilha Sul. Aqui, foram 26 óbitos no país inteiro por causa da covid. E Jacinda prestou condolências a cada família. Fez um discurso dizendo que não eram apenas 26 vidas, mas amores de alguém, avós, pais, tios, filhos.

Ela é incrível, humana, inteligente. Todo mundo a ama. Tem exceções, claro, mas atendo neozelandeses todos os dias e, no ano passado, que teve eleição, até os que eram de direita disseram que iriam votar nela, que é de esquerda. Por aqui, chamamos a primeira-ministra de "Tia Cinda". E para nós, que viemos de um país corrupto, é muita felicidade ver como tudo funciona bem na Nova Zelândia.

Infelizmente, ficamos revoltados e com a sensação de impotência por ver que o Brasil não está sendo bem governado. Se tivesse um plano de governo, as quase 400 mil mortes poderiam ser evitadas. Eu abro meu Facebook e vejo daqui todo dia um amigo em luto porque perdeu alguém para covid.

Sim, o Brasil é um país grande, aqui somos pouco mais de 4 milhões de habitantes. Mas, ainda assim, poderia estar em outra situação se não tivesse um presidente genocida.

Falo para os brasileiros que continuem sendo resilientes, tenham força e fé, porque nada é permanente. Suplico a todos que se informem também, temos que estar por dentro da política, e entender que o voto é o único e o maior poder que a gente tem. A forma como a Nova Zelândia lidou com a pandemia é uma prova disso."