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Gagueira, choro: mães relatam sintomas de ansiedade infantil na pandemia

Antes da pandemia Lucas, filho de Paula, tinha sido dignosticado com um leve transtorno de ansiedade. Com a pandemia, o quadro se agravou.  - arquivo pessoal
Antes da pandemia Lucas, filho de Paula, tinha sido dignosticado com um leve transtorno de ansiedade. Com a pandemia, o quadro se agravou. Imagem: arquivo pessoal

Juliana Tiraboschi

Colaboração para o Universa

29/03/2021 04h00

Um ano dentro de casa, com saídas controladas, sem escola ou com poucos dias de aulas presenciais, de máscara, sem poder tocar os colegas e sem ver avós e outros parentes. Em muitas casas, soma-se o excesso de eletrônicos e tempo de tela, além da falta de atividade física. Este é o cenário no qual muitas crianças estão vivendo em meio à pandemia do coronavírus.

Mesmo que necessário, o isolamento trouxe uma mudança radical no estilo de vida e está trazendo consequência negativas para os pequenos que andam com a saúde emocional abalada: dor de barriga, gagueira, apetite descontrolado e muito choro estão entre os sintomas que mães relataram a Universa estarem vendo surgir nos filhos. Leia os depoimentos a seguir.

"Tremelique" e sudorese

A secretária Paula Rossdeutsch, 39 anos, de São Paulo, levou o filho Lucas na psicóloga pela primeira vez em janeiro de 2020, quando ele estava com 7 anos. Ele apresentava dificuldades de leitura e interpretação de texto.

Na época, o garoto foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção (TDHA) e um quadro leve de transtorno de ansiedade. Lucas passou a fazer terapia, tomar fitoterápico e fazer tratamento medicamentoso para o TDHA. Mas, com a pandemia, o quadro de ansiedade se agravou. As aulas online foram um gatilho: "Na escola ele sentava na primeira fileira, perto da professora. Quando ele ficou mais solto nas aulas online, sem ninguém pra cobrar atenção, entrou em desespero", diz Paula.

O menino passou a tremer e balançar as pernas e batucar com a caneta. Também apresentou alterações no sono, apetite descontrolado e sudorese excessiva nas mãos e pés.

Paula passou então a acompanhar de perto as aulas, para ajudar o filho. "Ele entrava em alfa e não assimilava nada. Cheguei a assistir às aulas sozinha e depois explicava a matéria para ele", diz a secretária. Agora, Lucas é sempre acompanhado nas aulas online pela mãe ou pelo pai.

Outra medida da família foi recomeçar a fazer mais atividade física. Antes da pandemia, Lucas praticava esportes todos os dias. Com o isolamento, esse hábito se perdeu. Mas agora, com a quadra do prédio reaberta, para apenas uma família por vez, o pai do menino tem ido brincar com ele para gastar energia.

Além disso, Lucas continua fazendo terapia. Para Paula, o crucial é identificar qual tipo de problema a criança tem. "Todo mundo devia ir ao psicólogo. O terapeuta consegue identificar coisas que a gente não vê", diz.

Dor de barriga e choro

educadora física gaúcha Juliana Cambruzzi, 38 anos, moradora de São Paulo, tem duas filhas:  Cecília, 7 anos, e Maitê, 5 anos - arquivo pessoal - arquivo pessoal
A educadora física gaúcha Juliana Cambruzzi, com as filhas: Cecília, 7 anos, e Maitê, 5 anos. Durante a pandemia, a mais velha passou a ter problemas de estômago
Imagem: arquivo pessoal

A educadora física gaúcha Juliana Cambruzzi, 38 anos, moradora de São Paulo, tem duas filhas: Cecília, 7 anos, e Maitê, 5 anos. "Cecília sempre foi uma menina calma, obediente e tímida. Já Maitê é mais agitada, extrovertida e aventureira", diz a mãe.

Desde o início da pandemia, a família de Juliana está em isolamento. A partir do segundo semestre de 2020, o comportamento de Cecília começou a mudar muito. "Ela se tornou uma menina agressiva, com uma irritação fora de controle, e chorava por não conseguir se controlar", diz a mãe.

Cecília, que sempre foi caprichosa na escola, passou a dizer que odiava as aulas online. "Ela se estressava com aquele monte de crianças chamando a professora. Por ser muito correta e tímida, não chamava a professora no microfone como os outros faziam, ficava com a mão levantada, mas muitas vezes a professora não via. Aí começava a irritação e o choro", diz Juliana.

A menina também começou a apresentar uma forte dor abdominal e enjoo. Juliana conta que tentava conversar, acolher e chamar a filha para brincar. Mas como a dor passou a ser recorrente, resolveu levar a filha ao médico.

Inicialmente, Cecília foi levada à pediatra. "Cheguei a falar sobre o nervosismo e a irritação e a médica respondeu que era normal, que todos estavam passando por isso. Então, focamos no mal-estar na barriga e garganta", conta. As dores abdominais apareciam diariamente. Cecília teve de ser levada algumas vezes ao pronto-socorro, da tanta dor.

A família procurou um gastroenterologista pediátrico. Cecília passou por diversos exames, foi medicada por um mês, mas nada resolveu. Tanto o gastro quanto a pediatra levantaram a hipótese de as dores terem causa emocional, mas não investigaram a fundo.

A família foi passar as férias de fim de ano no Sul com a família e Cecília não teve mais crises. "Foi só voltar a ter aulas online, em janeiro de 2021, e as dores voltaram", afirma Juliana. Em fevereiro, as aulas voltaram a ser presenciais. "Foi a maior alegria das meninas", diz a mãe. Mas, em meados de março, as escolas fecharam novamente.

Juliana passou a pesquisar sobre ansiedade infantil e percebeu que muitos sintomas do transtorno eram sinais que Cecília apresentava. "Comecei a dar um floral para tratar a ansiedade e já notei mudanças positivas. Os incômodos da barriga estão mais espaçados e leves", diz. "Meu medo é que essa paralisação escolar se prolongue por meses, como no ano passado, e o floral não seja o suficiente para manter ela bem. Penso em procurar uma terapia", afirma a mãe.

Gagueira e brotoeja

a engenheira de alimentos Juliana Cardoso, 40, moradora de Campinas (SP), e os filhos, Marina, de 6 anos, e Mateus, de 4 anos - arquivo pessoal - arquivo pessoal
A engenheira de alimentos Juliana Cardoso e os filhos, Marina, de 6 anos, e Mateus, de 4: o mais novo desenvolveu uma gagueira
Imagem: arquivo pessoal

A engenheira de alimentos Juliana Cardoso, 40, de Campinas (SP), está passando por uma inversão de papéis em sua casa. Juliana tem dois filhos, Marina, de 6 anos, e Mateus, de 4 anos. Logo que o irmão nasceu, Marina começou a desenvolver um hábito de enrolar o cabelo no dedo, fazer nós e arrancar os fios. Também apresentava crises de choro constante e agressividade.

A mãe procurou uma psicóloga e Marina começou a fazer terapia. Cerca de três meses depois, a menina foi diagnosticada com transtorno de ansiedade. "A terapia foi muito boa para ela", diz Juliana. Depois de alguns meses, a menina se libertou do hábito nocivo e das crises.

Com o isolamento, Juliana achou que a menina poderia ter uma recaída. Surpreendentemente, Marina lidou bem. "Acho que todo o trabalho de terapia que ela fez antes a ajudou a controlar as emoções", diz a mãe.

Por outro lado, seu irmão, Mateus, que sempre foi uma criança calma, passou a demonstrar sinais de ansiedade. "Ele começou a ficar irritado e agressivo. Passou a apresentar gagueira, morder a parte interna da bochecha, colocar objetos na boca e surgiram brotoejas pelo corpo", diz Juliana. Ao relatar todos esses sinais para a psicóloga da filha mais velha, a profissional disse que é provável que Mateus esteja desenvolvendo um início de transtorno de ansiedade.

Juliana começou a fazer mais atividades ao ar livre com o filho, com mais contato com a natureza, e isso ajudou. No início do ano, quando as aulas voltaram, Mateus começou a ficar mais tranquilo. Mas a pandemia piorou agora em 2021 e as escolas fecharam novamente, e o menino voltou a apresentar os sinais de ansiedade. Agora, a família espera a fase emergencial passar para procurar um atendimento psicológico presencial.

Tique nervoso, apetite descontrolado e internação

da farmacêutica Alline Thays Tomal, 42 anos, de Botucatu , e o filho Joaquim - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O apetite sem controle de Joaquim, filho de 10 anos da farmacêutica Alline Tomal culminou em uma inflamação no abdomên
Imagem: Arquivo pessoal

Na casa da farmacêutica Alline Thays Tomal, 42 anos, de Botucatu (SP), a ansiedade também bateu na porta, mas com sintomas diferentes. Seu filho Joaquim, 10 anos, sempre foi uma criança agitada. Aos seis anos, após receber algumas queixas das professoras por não ficar quieto durante as aulas, Aline o levou a um neurologista e uma psicólogo, mas ambos descartaram qualquer problema de desenvolvimento na criança.

No ano de 2020, Joaquim não teve aulas online. A escola enviava vídeos gravados e atividades aos alunos. Para uma criança agitada como Joaquim, esse sistema de ensino era puro tédio.

Foi aí que começaram os sinais de ansiedade: dores de barriga e tiques nervosos de piscar os olhos e fazer barulho com a boca. Joaquim também não dorme mais sozinho, como fazia antes da pandemia, e acorda pelo menos uma vez por noite e chama pelo pai. Outro sinal de alerta foi o apetite exacerbado.

Há cerca de 10 dias, Joaquim foi internado em um hospital com adenite mesentérica, inflamação dos gânglios linfáticos do abdômen. A causa da doença ainda está sendo investigada, mas uma das médicas que o acompanhou disse que o problema pode ter relação com a alimentação excessiva.

Outra preocupação da mãe é a exposição a telas por muitas horas no dia. Por isso, Alline passou a fazer mais atividade física com o filho. O matriculou em um curso de skate e começou a levá-lo em um campinho para jogar bola. Neste ano, o garoto mudou de escola, para uma que oferece aulas online mais interativas. Mas, com a piora na pandemia, algumas atividades fora de casa, como o futebol, tiveram de ser interrompidas. "Pretendo levá-lo novamente na psicóloga", diz.

Ansiedade do bem e ansiedade do mal

A ansiedade é um sentimento normal. Ela é até desejável e necessária, já que serve para nos prepararmos para situações difíceis. É esperado que a criança demonstre ansiedade em situações como início das aulas, antes de fazer uma prova ou mesmo em situações alegres, como aniversário ou Natal.

O problema começa quando esse sentimento extrapola a preocupação temporária. Na pandemia, o que as crianças estão vivendo não é uma preocupação temporária, mas uma situação crônica de ansiedade, e o ambiente passa a se tornar tóxico. "Nesse contexto, a ansiedade perde a função de proteger e passa a causar um desgaste emocional e trazer um impacto negativo", diz a psiquiatra Aline Sabino, do Hospital São Camilo, de São Paulo.

Segundo Aline, os pais devem ficar atentos às mudanças de comportamento das crianças e baixar as expectativas, não exigindo o mesmo rendimento escolar e comportamento de antes da pandemia. A médica também recomenda que os adultos não compartilhem todas suas próprias angústias com os filhos. Quer dizer, evitar falar sobre dificuldades financeiras e segurar as notícias mais alarmantes sobre a pandemia é uma boa ideia. É importante explicar a situação que estamos vivendo, mas de maneira suavizada e de acordo com a idade. "Os pais são os principais amortecedores das crianças", diz a psiquiatra.

Se mesmo com todo o apoio dos pais, a ansiedade das crianças estiver muito intensa e provocando impactos negativos, é hora de procurar ajuda profissional, que pode envolver psicoterapia (que, em tempos de isolamento, pode ser feita online) e, em casos específicos, na combinação entre terapia e tratamento farmacológico.