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Já falou com seu filho sobre a vida pós-pandemia? Melhor explicar logo

Cézar, de 4 anos, e o irmão Heytor, quase 9, foram avisados pela mãe, Flávia Máximo, que que terão uma nova rotina e precisarão se proteger bastante para sair de casa - acervo pessoal
Cézar, de 4 anos, e o irmão Heytor, quase 9, foram avisados pela mãe, Flávia Máximo, que que terão uma nova rotina e precisarão se proteger bastante para sair de casa Imagem: acervo pessoal

Claudia Dias

Colaboração para Universa

28/09/2020 04h00

Enquanto as recomendações de distanciamento social seguem na maior parte do país, a ansiedade para ganhar as ruas só aumenta. Entre os adultos, pensar em como será a rotina num futuro incerto prevê um tanto de restrições. E quando o assunto envolve crianças, sem a maturidade necessária para seguir protocolos, cabe aos pais começarem a prepará-los, desde já, sobre os novos hábitos com os quais precisarão se acostumar.

Cézar, de 4 anos, e o irmão Heytor, quase 9, por exemplo, não veem as avós desde fevereiro. E sabem que não vão encontrá-las tão cedo. Nem os amiguinhos da escola ou do condomínio onde moram. Filhos da diretora de contabilidade Flávia Máximo, também já foram e continuam avisados que terão uma nova rotina e precisarão se proteger bastante, assim que forem liberados para sair de casa.

"Tenho conversado com os dois sobre o fato de talvez não deixá-los voltar para a escola esse ano. E que terão de usar máscara, face shield e álcool gel para tudo o que forem fazer fora de casa", conta Flávia. Os cuidados têm justificativa extra: o mais velho sofre com bronquite asmática. A mãe não pensa em flexibilizar tão cedo o isolamento social que estão seguindo desde março.

Os dois garotos entenderam a gravidade da pandemia logo no início e ficaram bem assustados, segundo Flávia. O mais novo não quer sair de casa, com medo do corona, mas chora todos os dias de saudade das avós, que fazem parte do grupo de risco por terem mais de 70 anos.

O mais velho, que antes treinava futebol diariamente, não esconde a falta que sente da escola e das atividades esportivas. "Ele questiona um pouco como será (no futuro). Diz que não vai querer jogar bola de máscara, que até prefere não jogar mais porque sufoca", lamenta a mãe. Apesar disso, por segurança e precaução, ela afirma que o cenário em casa só deve abrandar quando houver uma vacina contra o coronavírus.

Conversa deve começar logo

É óbvio que as crianças já entenderam que há algo de diferente acontecendo, mesmo aquelas que ainda não têm grande entendimento sobre o contexto pandêmico. Enquanto esperam resgatar a liberdade de antes, precisam ser orientadas pelos pais sobre como tudo vai mudar.

"O momento ideal é desde já, enquanto ainda não estamos neste cenário. Crianças, assim como nós adultos, demoram para se adaptar a novas regras. Então, uma vez que saibamos que estas regras terão que ser estabelecidas futuramente, o ideal é começar a falar sobre elas o quanto antes", pontua Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga, mestre em Psicologia e professora da Estácio Curitiba

De acordo com a especialista, a maior dificuldade das crianças em seguir regras acontece justamente por conta da falta de clareza. Assim, é importante explicar a elas que o momento atual exige limites, que já estão sendo trabalhados - não sair de casa, lavar as mãozinhas com frequência, usar máscara se precisarem ir à rua etc. - e que um próximo momento vai exigir regras diferentes, mas que são tão importantes quanto as de agora.

Como o retorno às atividades normais não irá acontecer de forma abrupta, tal contexto pode ser trabalhado de forma progressiva com as crianças. "No caso de voltar de voltar a visitar os avós, primeiramente pode ser estabelecido que a criança poderá vê-los, mas não ganhar colo. Em um segundo momento, poderá ganhar um abraço, mas somente após a higienização correta e em um terceiro momento ganhar colo com os cuidados necessários. Dessa forma, fica mais fácil para a criança entender as regras que estão em vigor e os cuidados que são necessários", exemplifica Marjorie.

Canal aberto com filhos

A neuropsicóloga Deborah Mosso explica que é em cima do repertório da própria criança que os pais devem trazer novas informações relevantes para cada faixa etária. "É dessa forma que vão elucidar as dúvidas e trabalhar em cima das fantasias dos filhos, aproximando-as da realidade e acolhendo os seus medos e angústias do momento", argumenta.

É incumbência dos pais proporcionarem um canal de comunicação que sirva tanto para informar como abordar os sentimentos relativos a esse momento de crise. "É muito importante que os adultos permitam, no cotidiano, um espaço aberto para que as crianças de todas as idades sintam-se seguras em perguntar e contar o que pensam sobre o assunto", salienta Deborah.

Abordagem varia com idade

Cada fase da infância pede uma abordagem diferente. Segundo Marjorie, o único fator comum, em qualquer faixa etária, é que os adultos sejam sinceros sobre o que está acontecendo, sem mentiras ou promessas fantasiosas, e durante todo o processo da pandemia.

Com bebês ou crianças muito novinhas, obviamente, os protocolos de higiene e segurança são responsabilidade dos pais. Mas a partir do momento que passam a estabelecer diálogos, é possível transmitir informações sobre as mudanças e adaptações adiante, com linguagem adequada a cada perfil.

Já com crianças maiores é possível utilizar mais o diálogo, explicando sobre o que será necessário fazer no futuro, seguindo boa parte das práticas adotadas atualmente. "Vale lembrar que o processo de aprendizado para as crianças, assim como para os adultos, ocorre por repetição, então é preciso repetir continuamente o que foi ensinado para que haja uma total compreensão", fala a psicóloga, sobre a formação de hábitos.

Com a turma de mais idade, com acesso à internet e redes sociais, ainda é necessária atenção extra com fake news. "Nessa fase, quando faz perguntas aos adultos, a criança normalmente já tem uma hipótese ou até mesmo uma resposta pronta e só quer uma confirmação. Vale sempre perguntar antes: 'O que você pensa sobre isso?'. A partir deste repertório, pode responder, sem correr o risco de dar mais informações do que o filho tem maturidade de saber", orienta Deborah.

Se filho não quiser, explique

Em muitas situações, pelo fato de a criança não ter maturidade suficiente para entender que precisa tomar vários cuidados para evitar o vírus, é até esperado que surja birra e muitos "nãos". "Ela precisa aprender uma nova regra para a prevenção de uma doença e tudo o que diz respeito à prevenção é mais difícil de compreender", observa Marjorie.

Nessas horas, é muito mais eficaz explicar o motivo de tais posturas que simplesmente obrigar a criança a seguir algo - dizendo coisas do tipo: "É assim e pronto!" ou "Tem que fazer porque eu mandei".

"São seres em formação, com opiniões, argumentos, inteligência e muita capacidade afetiva. É sempre importante, ao estabelecer uma regra, explicar por que foi estabelecida, quais as possíveis consequências para seu cumprimento e, também, as para seu não cumprimento", recomenda.

Marjorie acrescenta que todo ser humano tende a aprender melhor uma regra quando o comportamento esperado é seguido por recompensa. Por isso, é tão importante mostrar para à turma mirim as consequências positivas de ficar em casa, lavar as mãos, aplicar álcool gel e usar máscaras.

Deborah, por sua vez, lembra que o momento também é uma boa oportunidade para os pais trabalharem a questão da resiliência e do tempo de espera. "Na vida, nem sempre as coisas vão acontecer do jeito e na hora em desejamos por algo", lembra.