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Brigas no isolamento: como evitar que as tretas dos pais afetem os filhos

Convivência pode aumentar as brigas do casal mas é preciso cuidar como se age em frente aos filhos - sam thomas/Getty Images/iStockphoto
Convivência pode aumentar as brigas do casal mas é preciso cuidar como se age em frente aos filhos Imagem: sam thomas/Getty Images/iStockphoto

Claudia Dias

Colaboração para Universa

08/09/2020 04h00

Com a intensidade da convivência na quarentena é difícil encontrar quem não se estressou com o parceiro pelo menos uma vez nos quase 5 meses de isolamento social. Impossível, não é? Nem o casal mais cúmplice escapa dos ânimos exaltados nesse período difícil.

Agora, quando a discussão baixa o nível e há filhos nesse relacionamento, com todo mundo confinado dentro de casa, a coisa pode ficar complicada, já que os pequenos percebem tudo o que acontece e podem ser afetados pela situação.

"Os impactos vão da raiva, cobranças de si mesmo (acreditando serem o motivo da briga), sofrimento, tristeza a medo e ansiedade", diz o psicólogo Yuri Busin, doutor em neurociência do comportamento e diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio (CASME).

Ele observa que, dependendo da idade, a reação pode ser diferente. "A criança passa por diferentes ciclos de evolução e maturidade, o que as fazem entender a situação de formas totalmente diferentes, porém, sempre com algum impacto negativo", pontua.

Filhos captam problemas

Até uns 5, 6 anos (às vezes até uns 7), os pequenos ainda não conseguem compreender com toda clareza o que ocorre. Como ainda passam pelo ciclo em que acreditam ser o centro do mundo, podem achar que toda essa briga é culpa deles. Como consequência, apresentam atitudes inesperadas, como fazer xixi na cama novamente, algo que já tinham superado.

"Mesmo crianças muito pequenas percebem quando algo não vai bem em casa. Ainda que os adultos tentem esconder, são capazes de captar as mudanças afetivas e podem imitar comportamentos agressivos, mesmo que não sejam capazes de entender a fundo o que acontece", pontua Paula Salaverry, psicóloga e consultora pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida - LIV.

A especialista ressalta que os pais são as primeiras referências para os filhos e a forma como se relacionam ensina muito a eles sobre como lidar com os outros e com as diferenças.

Paula acredita que pequenas discussões não sejam necessariamente ruins e podem até ter um lado positivo, pois ensinam à turminha que há formas respeitosas de se lidar com as opiniões diferentes. "Agora, quando as discussões evoluem para grandes brigas, devemos estar atentos e evitar ao máximo expor as crianças", frisa.

Como agir na hora da tensão

Qualquer tipo de discussão mais séria deve acontecer bem longe dos filhos, independente de idade deles. "Entendo que, às vezes, é muito difícil controlar os impulsos de brigar com o parceiro ou parceira, porém, nesta relação, existe uma prioridade, que é o filho", reforça Yuri.

Esperar a criança ou adolescente dormir para conversarem a sós é a mínima atitude esperada. "Até certo ponto, será uma boa, para que ambos consigam refletir melhor se precisam ou não brigar, acalmar os ânimos e ter um diálogo, e não uma briga", observa o psicólogo.

Isso não impede, é claro, que os filhos percebam algo errado no clima e questionem os pais. "E isso é um sinal muito importante para os casal tomar mais cuidado com os problemas matrimoniais e a paternidade/maternidade", nota Yuri.

Se a criança ou adolescente questionar, os pais devem, sim, conversar sobre o ocorrido, explicar com clareza que o filho não é culpado de nada e que os adultos não o deixarão nem mudarão com ele por isso. "E mostrar que eles sabem se resolver conversando, mostrando a importância de compartilhar sentimentos e resolver conflitos", reforça.

Sem mentiras

Como acrescenta Paula, é importante que os pais não finjam que nada aconteceu. "Além de ineficaz, já que as crianças são altamente sensíveis às alterações de humor, negar uma realidade que elas percebem pode ser ainda mais traumático do que a briga em si. Nessas horas, é importante conversar, escutar os sentimentos e medos da criança e explicar em palavras adequadas à idade dela", argumenta.

Tito Lívio Ferreira Vieira, psicólogo, doutor em História da Ciência e professor da Estácio Curitiba, acrescenta que desconversar ou ocultar fatos só gera mais neuroses nos filhos, já que existe muita informação passada em nível inconsciente. "Não devemos subestimar as crianças. Os pais devem ser verdadeiros, ajustando a conversa ao nível de compreensão delas ", frisa.

Filhos no meio, não!

Se os ânimos se exaltarem a ponto de os filhos entrarem no meio da briga, aí o cenário está bem mais sério e não pode ser minimizado pelos adultos da casa. "É um sinal muito grande de falta de controle dos pais e que deve ser revisto", salienta Yuri.

Uma criança ou adolescente não deve, jamais, ter papel de mediador ou defensor. "Se as crianças entrarem na briga, o ideal é parar, respirar e dizer ao filho que ele não tem nada a ver com isso, que é assunto de adulto, e continuar a conversa em outro momento, em privacidade", orienta Paula.

Se os conflitos não são resolvidos em casa e os pais não conseguem dialogar de forma saudável, buscar ajuda especializada pode ser a melhor alternativa.

O que não fazer jamais

Os especialistas listam situações inadmissíveis, que os pais não devem fazer em hipótese alguma, por causa das tretas pessoais:

. Desabafar sobre a relação com o filho, mesmo se tiver idade para compreender.

. Responsabilizar o pequeno sobre alguma situação que envolva o casal.

. Falar negativamente do pai ou da mãe para o filho.

. Fazer com que a criança ou o adolescente tome partido numa discussão.

. Xingar o companheiro na frente dos filhos.

. Manipular o filho psicologicamente (alienação parental).

Fontes: Yuri Busin, Paula Salaverry, Tito Lívio Ferreira Vieira e Ivana Lúcia Hilgenberg Guimarães Vieira (também psicóloga e professora da Estácio Curitiba).