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"Troquei para um hospital que é só maternidade"; grávidas falam da pandemia

Por conta da pandemia, Maria Clara Póvia decidiu ter Gal em um hospital que é só maternidade - Arquivo Pessoal
Por conta da pandemia, Maria Clara Póvia decidiu ter Gal em um hospital que é só maternidade Imagem: Arquivo Pessoal

Bárbara dos Anjos Lima e Manuela Aquino

De Universa

29/03/2020 04h00

Estar grávida e na reta final da gestação costuma ser um período de muitas emoções. Além da expectativa do parto e de finalmente conhecer o rostinho do filho, é nessa fase que, normalmente, as famílias estão nos últimos preparativos, exames e compras do enxoval. Mas não são tempos normais. Com a pandemia do coronavírus e as diversas restrições por conta do isolamento social no Brasil, os planos de muitas grávidas mudaram. Conversamos com algumas gestantes para saber quais são os principais impactos nas suas vidas.

A jornalista Maria Clara Póvia, de 38 anos, entrou em seu nono mês de gestação, ela espera uma menina que se chamará Gal e deve nascer até 26 de abril, quando provavelmente a COVID-19 estará em seu pico de casos no Brasil. As recomendações para gestantes são as mesmas para qualquer pessoa: isolamento social e procedimentos de higiene como lavar bem as mãos e usar álcool gel. Mas Maria Clara também tomou uma outra decisão. "Decidi trocar o hospital para um que fosse apenas maternidade".

A precaução tem muito a ver com a perspectiva de que os hospitais estejam sobrecarregados durante o período. Afora isso, seu foco é cuidar do emocional. "O isolamento nos afastou das pessoas que a gente ama, mas, por outro lado, tem sido um exercício importante de paciência, de autoconhecimento e que também acelerou um processo de conexão entre nós 3. Tenho lidado com a minha ansiedade e tentando ser mais gentil comigo mesma", conta.

Debora Garcez - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Na espera de Eva, a médica Débora Garcez controla o acesso às notícias para não gerar ansiedade
Imagem: Arquivo Pessoal

A saúde mental também é a maior preocupação da médica carioca Débora Garcez, de 37 anos, que espera a chegada de Eva para junho. Sua gravidez é de risco e ela está de repouso desde fevereiro. "Criei um esquema rigoroso de controle de notícias ruins: notícias de whatsApp e artigos sobre a covid só perto da hora do almoço. À noite ligo a TV e assisto a apenas um jornal. No restante do tempo, procuro estudar e ler."

Por conta das chances de um parto prematuro e da sua profissão, ela se sente duplamente agoniada. "Difícil não poder ajudar meus colegas neste momento tão crítico. Tenho acompanhado todo o estresse que os médicos estão passando. Sobre transmissão vertical para bebê, não estou preocupada, prefiro pensar na possibilidade mais provável: que o bebê não terá nada." Mas a preocupação com manter a cabeça sã é prioridade. "Também não entro nas redes sociais para ficar blindada de tanta notícias ruins sobre saúde, economia e política para ficar com a cabeça boa."

Mudança na rotina de exames

Nos últimos dois meses de gestação os cuidados com o pré-natal devem ser intensificados com idas mais frequentes ao ginecologista e a laboratórios para exames. Além disso, nesta época a mulher já decidiu como quer o parto, se haverá acompanhamento de doula e, também, onde será. Só que de duas semanas para cá, algumas dessas decisões tiveram que mudar um pouco por conta do novo coronavírus.

"Na última consulta que fui, não havia ninguém no consultório além da gente, pois as outras consultas de rotina foram remanejadas. O ultrassom foi feito lá", conta a stylist paulistana Erica Folloni, de 40 anos, grávida de 30 semanas de um menino que se chamará Gabriel.

Orientações seguem as mesmas mas número de acompanhantes reduziu

"A grávida só deve procurar o pronto-socorro em casos específicos como diminuição ou ausência dos movimentos do bebê, dor abdominal forte com o enrijecimento da barriga, contração uterina rítmica, perda de líquido ou sangramento vaginal. São sinais de alerta", diz Jéssica Trafani, ginecologista e obstetra, da Clínica Mantelli, em São Paulo. A médica, que faz parto nas maternidades paulistanas Pro Matre, Santa Joana e São Luiz, aponta uma mudança com relação ao número de acompanhantes, agora reduzido a um.

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Erica Folloni, grávida de 30 semanas de Gabriel
Imagem: Acervo Pessoal

Isso significa que muitas doulas não poderão participar do momento do parto, mesmo depois de todo acompanhamento. Quando uma mulher decide ter uma doula, costuma ter, durante a gestação, encontros presenciais semanalmente ou mensalmente. "Para a mulher que vai ter o bebê agora, nestas condições não será a melhor experiência que ela vai ter na vida", diz a doula Samara Barth, de Itapetininga, interior de São Paulo, criadora da Casa da Doula, coletivo online de doulas.

Recentemente ela se reuniu virtualmente com 50 profissionais para pensar nas estratégias que possam ajudar na hora de parir. "Temos que ensinar ferramentas para que possam vivenciar o parto sozinhas, como massagens e movimentos de alívio, além de gravar áudios de apoio para ouvir no momento", fala.

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A paranaense Alana Della Coletta está grávida do primeiro filho
Imagem: Acervo Pessoal

A decoradora de eventos Alana Della Coletta, de Maringá, Paraná, tem acompanhamento de uma doula mas já está preparada para não ter a companhia dela no parto. "Ela irá na minha casa quando eu entrar em trabalho de parto juntamente com enfermeira obstetra que me acompanha também", diz.

Aos 31 anos e grávida de 39 semanas do primeiro filho, Augusto, ela está sem sair de casa há uma semana por conta do coronavírus. Recebeu algumas orientações de sua doula em uma visita presencial mas também tirou - e tira - muitas dúvidas por WhastApp, e por isso se sente confortável sem a presença física da profissional na reta final. "Esse isolamento só não pode ser emocional. Por isso é importante participar de conversas pelo computador e rodas virtuais de apoio. Além disso, ajuda nas informações sobre um falso alarme, para ir à maternidade somente na hora do trabalho de parto de fato, para evitar a propagação do vírus", fala Samara.

Sem visitas

O mesmo está acontecendo nas maternidades, inclusive com relação às visitas. "Com a pandemia, não é dá para receber visitas na maternidade. Só estão autorizados atualmente acompanhantes sem sintomas", fala Jéssica. Esta questão foi uma decepção para a produtora Érica: "Estou super otimista e calma, mas com isso fiquei um pouco chateada, pois eu já preparei as lembrancinhas, enfeite de porta, adoro essas coisas. Também queria receber boa parte das visitas na maternidade para não ter que receber todo mundo de uma vez em casa." No caso de Maria Clara, a mudança já rolou antes mesmo de Gal nascer. Em vez do tradicional chá de fraldas com amigos e familiares, que já estava até marcado, a festa virou um chat virtual e uma lista em uma loja online.

Assim como Érica, a terapeuta ocupacional Fernanda Parizotto de Sá Moro, de 33 anos, moradora de Porto Ferreira, interior de São Paulo, tem mais dois meses de gestação pela frente — Fernanda espera a chegada do Betim, prevista para 14 de maio. Ambas acreditam que até lá tudo vai se ajeitar: "Sou uma pessoa muita positiva em relação às situações de conflito que vivencio e acredito que até lá tudo será mais calmo e melhor", diz Fernanda.

Parto domiciliar pode virar opção

Com a possibilidade de hospitais lotados, Anna pensou na opção de fazer parto domiciliar por conta da pandemia. "Conversei no último final de semana sobre isso com meu marido. Depois consultamos a equipe, meu médico e doula, e decidimos em conjunto que seria melhor continuar com a maternidade. Na minha cidade não há nenhum caso grave", conta.

Fernanda tinha decidido a ter o filho e um hospital da região em que mora e também não pretende mudar seus planos. "Acredito que a maternidade está tomando todas as medidas de segurança e higiene, assim como nós em casa", fala.

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Fernanda aposta nas medidas de segurança e higiene das maternidades.
Imagem: Acervo Pessoal

Cogitar a mudança para o parto em casa passou pela cabeça de outras mulheres. Foi o que percebeu a enfermeira obstetra Raquel Tiemann do projeto Construindo o Nascer, que realiza partos domiciliares em Blumenau e região, em Santa Catarina. "Aumentou muito a procura por informação sobre isso nas últimas duas semanas. Mas eu tenho uma ressalva. O parto domiciliar é algo que tem que ser decidido de dentro para fora, e não por um medo por conta do vírus. A busca deve ser não só para fugir da COVID, mas para não fazer em um ambiente hospitalar, já que é um evento fisiológico, não tem doença, portanto, nenhuma lógica de ser no hospital", diz.

Se você que está lendo está pendendo para o parto domiciliar, saiba que, por conta da pandemia, haverá uma redução do número de acompanhantes, ficando reduzido a um ou dois, além da equipe. "Não gostamos de interferir na decisão de quantas pessoas irão participar, mas com a chegada do coronavírus passamos a orientar sobre ter somente o marido e mais um acompanhante, além deles haverá duas pessoas e a doula", conta a Raquel.