Natalia Timerman

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Opinião

Dengue, uma doença traiçoeira: eu nunca havia visto meu filho tão mal

No início era a febre. Uma febre alta, batendo os 39 graus, que não baixava, não baixava, que custava e custava a baixar. Um dia. Outro dia. Exame de dengue: positivo. E então, dias de medo e horror.

Meu filho de 13 anos caído, sem força, com dor. Beba água, meu filho, beba água — porque o tratamento da dengue é a hidratação, uma hidratação robusta, que lava a inflamação que o vírus causa no corpo. Mas ele sentia enjoo, e não conseguia beber, bebia um gole, e eu pedia que bebesse mais um pouco, só um pouquinho mais. Ele gemia, ficava tonto, os olhos fundos, e quando a febre vinha forte, nos intervalos do remédio (santa dipirona), ele voava.

Eu encharcava de repelente ele e todo mundo em casa — passar repelente em quem está com dengue é um jeito de proteger mais gente, pois o Aedes aegypti pode picar essa pessoa e levar depois o vírus para outra. Mas o melhor jeito mesmo é que não haja Aedes, esse mosquito que gosta de água quase limpa e parada, então aquela velha história de manter caixas d'água vedadas, calhas e ralos limpos, vasos de planta sem o pratinho de baixo ou com areia, se livrar dos pneus velhos, cuidar até de bandejas de ar condicionado e de geladeira, tudo isso precisa sair do papel e ser colocado na prática.

Eu passava as noites no quarto do meu filho com a sensação de que precisava ficar ali o protegendo de alguma coisa, ainda que soubesse que a ameaça já estava dentro dele. Quase não dormi: o sono dele era inquieto, lamurioso, e eu aproveitava a cada vez que ele se mexia para implorar que ele bebesse só um pouco de água — o ideal é contar e anotar quanto de líquido uma pessoa com dengue está conseguindo ingerir. Se não for suficiente de acordo com o tamanho da pessoa, pode ser necessário hidratação pela veia, num posto de saúde ou hospital.

No quarto dia, ele disse: mãe, eu não aguento mais.

Aguenta, aguenta, aguenta sim. Como é difícil ver um filho doente.

Já disse Virginia Woolf em seu belíssimo ensaio "Sobre a Doença" ser tão "estranho que a doença não tenha conquistado, ao lado do amor, das batalhas e do ciúme, seu lugar entre os principais temas da literatura". O ensaio saiu no Brasil pela editora Nós, com tradução primorosa de Ana Carolina Mesquita e Maria Rita Drumond Viana, e não fala sobre filhos doentes, o que mereceria um texto à parte. Toda vez que eu lia o título original, "On Being Ill", eu juntava o "I" com os dois "eles" e lia o número três em algarismos romanos: sobre ser três, eu e meus dois filhos.

Até o quinto dia, meu menino mais velho mal comia, mal saía do quarto, mal se levantava. No sexto dia, ele acordou bem. Mas a dengue é uma doença traiçoeira: é quando a febre baixa e tudo parece estar melhorando que vem o grande perigo, a fase crítica. Meu filho disse que estava ótimo e se deitou, e pouco tempo depois ele veio até mim, os olhinhos assustados, um pedaço de papel higiênico no nariz: mãe, meu nariz está sangrando.

Minha perna bambeou, porque eu sabia do perigo de dengue grave justo naqueles dias. Levei-o imediatamente ao hospital, onde ele ficou por alguns dias, acompanhando a evolução das plaquetas.

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A doente não era eu, mas era como se fosse. Desertei, como descreve Woolf, do exército dos eretos. O mundo era um burburinho distante, de que tinha vaga notícia pela insistência atordoante do celular, mas nada daquele barulho longínquo importava diante do medo que eu sentia, diante da necessidade de cuidar do meu filho.

Até que o risco cessou, as plaquetas subiram, voltamos para casa. Gostaria de sentir um alívio mais que provisório, mas sei que o vírus da dengue está por aí, que não há vacina para todos, que é necessário evitar que ele pegue de novo. Para isso, contar com a sorte, com as pessoas, com as instâncias de governo. E com a literatura, que não cura doença nenhuma, mas às vezes ajuda a atravessá-las.

IMPORTANTE: É necessário acompanhamento médico da dengue. Eu agradeço infinitamente à minha querida amiga, colega de turma da faculdade de medicina, a infectologista Dra. Ana Cristina Ferreira, que nos deu todo o suporte durante esses dias terríveis. Isso não é publicidade, mas eu senti todo o amparo de seu cuidado integrado. Para quem quiser conhecer e precisar dos serviços dela, há o perfil no Instagram: @cuidadointegradobr

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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