O custo da maternidade e o aborto
Mulheres abortam. De todas as religiões, classes sociais, etnias e profissões, mulheres realizam e continuarão realizando procedimentos abortivos clandestinamente e de maneira insegura no Brasil.
(Calma: isso não é uma apologia, isso são dados. Uma pesquisa feita por Debora Diniz mostra que, em 2016, uma em cada cinco mulheres brasileiras de até 40 anos já tinha feito pelo menos um aborto. Você provavelmente conhece uma delas.)
Se essa é uma realidade angustiante para as mulheres - ter que agir contra a lei e arriscar a própria vida para deliberar sobre o próprio corpo, tendo sido engravidadas, nunca é demais lembrar, por homens que muitas vezes não assumem os seus próprios filhos -, há esforços de muitos lados para que essa realidade se torne ainda pior.
Há uma resolução do Conselho Federal de Medicina, agora em votação no Supremo Tribunal Federal, que pretende dificultar o acesso até ao aborto legal ao impedir a realização do procedimento de assistolia fetal. Em resposta a essa votação no STF, esta semana Arthur Lira tentou aprovar a urgência da votação na Câmara dos Deputados de um projeto que equipara o aborto realizado por assistolia ao crime de homicídio simples. O procedimento que estão tentando comparar a homicídio é recomendado pela Organização Mundial de Saúde e utilizado em abortos resultantes de estupro para gravidezes com mais de 22 semanas.
Foi por conta da resolução do CFM que uma mulher que engravidou de um estupro foi a três hospitais e não conseguiu realizar o aborto legalmente previsto. Ela ainda foi obrigada a ouvir os batimentos cardíacos do feto (uma mulher que engravidou de um estupro. uma mulher que engravidou de um estupro. uma mulher que engravidou de um estupro). A violência primeira parece não bastar: é preciso ecoá-la, e ecoá-la, e a seguir ecoando.
É curioso, para dizer o mínimo, que tamanho empenho para proteger os fetos e tamanho holofote sobre suas mães não se prolonguem no cuidado com as mulheres que têm seus filhos, muito pelo contrário. Um estudo do MADE (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da FEA- USP) indica que "mães solo têm mais propensão à pobreza de renda e de tempo, com menores rendimentos per capita e a necessidade de conciliar jornadas duplas ou triplas".
Segundo o estudo, realizado por Amanda Martinho Resende, Tainari Taioka, Luiza Nassif Pires e Clara Saliba, "mães solo, mesmo participando mais do mercado de trabalho, têm renda menor, e dedicam tempo similar ao das casadas com o trabalho doméstico e/ou de cuidado", o que significa que uma mulher casada cuida da casa e dos filhos tanto quanto uma mulher que é mãe e não tem parceiro. Se ainda ficou difícil de entender: são as mulheres, em sua esmagadora e absurda maioria, que cuidam dos filhos e da casa sozinhas, mesmo que sejam casadas.
O estudo do MADE constata também que, "em arranjos monoparentais, mulheres negras estão mais expostas ao custo da maternidade": para as mulheres negras, é mais difícil se inserir e se manter no mercado de trabalho e, quando o conseguem, ainda têm salários mais baixos.
Cito ainda do MADE um trecho que dispensa comentários: "A renda familiar per capita de domicílios compostos por mãe solo fora do mercado de trabalho com filhos pequenos de até 12 anos aproxima-se da linha da pobreza. Para as mulheres negras com o mesmo perfil, a situação é ainda mais grave, aproximando-se da extrema pobreza".
Proibir e criminalizar o aborto (mesmo em caso de estupro) e não dividir o custo da maternidade é a equação da injustiça. E ainda há quem nos chame de sexo frágil.
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